Um show para se guardar na memória
Sexta-feira treze. Até a terceira canção, o som da guitarra de Rodrigo Amarante, o Ruivo, teve problemas. A partir da quarta, foi a vez da iluminação falhar, o que deixou tensos técnicos e produtores. “Nós testamos e ensaiamos a luz do show duas semanas”, contou um pouco decepcionado Alex Werner, produtor de Los Hermanos. Desconta-se Alex. Foi o primeiro show da turnê do “Ventura” e erros acontecem.
Nem mesmo a morte da guitarra de Marcelo Camelo abalou o entusiasmo dos fãs que ouviram as arejadas e apaixonadas letras de Amarante e as arrojadas de Camelo, que soube contornar a situação tranquilamente até seu instrumento ressuscitar. “Ih…vocês notaram que a minha guitarra morreu?” disse à frente das 700 pessoas que foram ao Cine ver os ídolos barbudos, profetas de um novo som. Todos os ingressos vendidos para um público jovem e saudável. Alguns menores de idade. Silvia Lúcia foi prestigiar os cariocas, acompanhando suas duas filhas, uma de 16 a outra de 18 anos. “A senhora viria mesmo se não fosse para garantir a entrada da menor?” “Viria sim. Eu gosto muito da banda!”. E de fato, dona Silvia cantou boa parte das vinte e duas canções do show, a maioria do novo CD.
O público ouvia ansiosamente a apresentação tecno-pop da banda local Vadeco ( com sua faixa na testa e óculos escuros) e os Astronautas que subiram ao palco antes dos cariocas. “O Vencedor” deu início ao show e à surpresa do tecladista Bruno, do baterista Barba, do baixista Bubu e dos metais requintados. Camelo de camisa branca e calça jeans. Ruivo não um novo modelo de camiseta e com o jacaré no peito e de boca aberta parecia não acreditar na quantidade de fãs que cantavam as canções de um CD recém lançado. Decerto, o vazamento de um ensaio na internet propiciou a satisfação do vocalista. “O que está acontecendo aqui? O que é isso?”, perguntava o músico contente.
Fã que é fã nota até a posição do instrumento de seu ídolo. “Você viu que a guitarra do Camelo está mais baixa?”, comentou Fernando Souza que se encontrou com Eduardo, Walter e Mônica (uma das filhas da dona Silvia), todos amigos do grupo de discussão na internet. Outros fazem gestos, tentam conversar com o vocalista, apavoram-se quando perdem a câmera fotográfica e esquecem que o guardar na memória é diferente, é mais profundo do que a reprodução em papel. E ainda existem aqueles que nunca haviam ido a um show da banda e ficam intrigados com o modo de tocar de Ruivo: “Aquele cara da guitarra estava muito doidão ou ele é assim mesmo?”.
Das quinze faixas do CD, os Hermanos tocaram “Samba a dois”, “Tá bom”, “Último Romance”, “Do sétimo andar”, “Cara estranho”, “Além do que se vê”, “O pouco que sobrou”, “Conversa de botas batidas”, “Um par”. Do “Bloco do eu sozinho” vieram “Sentimental”, “Cadê teu suin-?”, “A flor”, “Adeus Você”, “Fingi na hora rir”. Do primeiro disco, as constantes no roteiro “Quem sabe” e “Tenha dó”, além de “Azedume” pedida em coro: “Essa é a única concessão que vamos fazer”, disse Camelo à platéia que ouviu atentamente a versão “A Palo Seco”, de Belchior e aderiu ao ritual da chuva de confete em “Todo o carnaval tem seu fim”, do segundo CD.
O fim do show veio com a emocionante “De onde vem a calma” e Camelo se superando nos vocais. Segundo o produtor local, Felipe Simas, Los Hermanos voltarão a Curitiba no final da turnê. Provavelmente, um show mais calmo, mas nem por isso, menos humano.