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Sétima edição do Goiânia Noise Festival deixará saudades

       Tudo bem, eu sei que as faculdades de jornalismo jamais me perdoariam por eu, somente agora, estar escrevendo sobre o Goiânia Noise Festival (GNF). Para elas, o que importa é só o factual. Mas, na boa, um evento como esse merece ser comentado mesmo com toda essa distância que separa acontecimento e resenha.


       A sétima edição do já tradicional festival da música independente, que aconteceu na capital de Goiás nos dias 12, 13 e 14 de outubro, ou seja, quase um mês atrás, deixará saudades. Infelizmente a impontualidade não deixou que o evento fosse realmente perfeito. Caso o relógio tivesse sido respeitado, seria tudo nota dez. Com louvor.


       A sexta-feira começou com duas horas de atraso, por volta das 18:00, com os goianos do Señores mostrando seu punk rock redondinho, de pegada meio Green Day e Offspring. Os poucos gatos pingados gostaram do que viram. Na seqüência, veio o rock’ n’ roll de inspiração nos anos 50 bem tocadinho da banda goianiense Soul Rockers. Tudo isso aconteceu no Palco Noise e as coisas só foram acontecer no Teatro Noise na hora que o Violins & Old Books subiu no palco. A banda vem sendo considerada por muitos a grande revelação do rock goiano. Certo, é bem tocado e o som tem uma proposta interessante. Mas, será que dava para ser menos filhote do Radiohead? E outra: parece que eles nunca tocam a segunda música. Tudo é tão fórmula, tão igual, que acaba deixando a coisa meio monótona. Só que no final das contas, eles são aprovados. Os caras precisam ainda formatar melhor seu som.


       Já que é para copiar tudo de alguém, vale mais à pena fazer como os candangos do Los Gramofocas. Os moleques mandam muito bem na sua mistura cretina de punk + rockabilly + covers inusitados + Ramones + Toy Dolls. Impossível algo com essas referências ser ruim. Pena que a platéia estava tão fria e pouco animada para dançar com a pancada dos garotos. Logo após, no teatro, foi vez de quem mais me chamou a atenção em todo o festival: o inusitadíssimo Blue Afternoon, de São Paulo. A banda é formada por só dois caras. Um no violão e gaita, outro na voz e cigarros. Eles são super influenciados por Nick Cave e ainda não sei dizer se é bom ou ruim, afirmo que compensa conhecer o trabalho deles e ter uma opinião. Os destaques são o vocalista, que se assemelha a um contra-baixo cantante, tamanha guturalidade e tom grave de sua voz, e o cover matador de Hotel California do Eagles para fechar o show. Versão excepcional.


       Entretanto, a melhor apresentação do dia ainda estava por vir: Detetives. Os paulistas misturam surf music com rock experimental, que dá num resultado para lá de saboroso. Pop do bom, com melodias grudentas e som dançante. Para se lembrar! O Momento 68 de São Paulo veio logo em seguida e tiraram toda a impressão ruim deixada quando tocaram pela última vez na cidade, durante outro festival Monstro Discos, conceituado selo independente local, o Bananada. O som, dessa vez, estava menos psicodélico e um pouco mais rápido. O cover de Rain dos Beatles foi demais.


       Os paranaenses do Malditos Ácaros do Microcosmos eram para ser os próximos, mas os caras não vieram à Goiânia por problemas de agenda dos integrantes. Conciliar banda e compromissos pessoais não é nada fácil.


       Os neo-hippies-budistas-andróginos do Os The Dharma Lovers mandaram ver seu som embalado por violões e pregações budistas. Interessante, não sabia que os seguidores do líder oriental poderiam ser tão chatos em suas catequizações quanto evangélicos ensandecidos… Um gospel budista ripongo é a melhor definição para o eles fazem. Legal nas duas primeiras canções, extremamente enfadonho no final.


       Mas quando os goianos do Mechanics subiram no palco a coisa mudou de figura. O som deles está cada vez mais redondo, mesmo com dois novos integrantes na formação. Sex misery machine ganha um peso descomunal no palco e a performance do vocalista Márcio Jr. está muito cativante. No final, como sempre, o clássico do rock goiano Formigas comem porra. Impecável!


       Em seguida foi a vez do VJ da MTV Thunderbird detonar com seu Devotos de Nossa Senhora Aparecida. A banda mandou ver no rockabilly com letras depravadas e divertidas. No final das contas, todo mundo dançou e ficou com um grande sorriso estampado no rosto.


       Para fechar a noite, subiram ao palco a gauchada do Vídeo Hits. Um cover legal do Deep Purple, outro do Roberto Carlos e as canções presentes no CD da estréia da banda deram o tom charmoso da apresentação. As duas backing vocals do grupo esbanjam simpatia com as bolinhas de sabão e confetes atirados para o alto. Um grande show para encerrar uma boa noite de estréia.



O melhor show do festival


       O sábado começou, com as clássicas duas horas de atraso, com dois representantes do punk goianiense: Lobinho e os 3 Porcão, que foi prejudicadíssimo pela péssima qualidade do som e, mesmo assim, mandou bem com seu proto-hit O Papa está com Aids, e o Ps&co.Ataq, que também foi legal, com a mistura dos três acordes e psicodelia sydbarretiana. Somente um à parte para a situação mais ridícula do festival e uma das mais que já vi em minha vida: Segundo, baixista do Ps&co.Ataq, sem camiseta, com uma bermuda de feira, descalço e com um chapéu que simula um guarda-sol multicolor. Ah, um pequeno detalhe é que o cara tem mais de 100 quilos fácil, fácil…


       Logo após foi a vez do Nem no Teatro Noise. A banda goiana está melhorando muito, a cada show os caras mostram que seu som, um punk-alternativo-psicodélico, está cada vez mais redondo. Destaque para as músicas instrumentais que são bem legais.


       Depois subiram no palco o Fuzz Faces. As bandas de garagem dos anos 60 são a principal referência para o trio, que fez uma apresentação competente e o inusitado é que o baterista, mesmo com toda a pancada que a sonoridade deles exige, consegue levar o vocal tranqüilamente. O Astromato, de Campinas-SP, foi quem ficou com a batuta em seguida. Os caras fazem um indie rock, com fortes influências de power pop e mandaram um cover massa de Belle and Sebastian. Sem dúvidas, ficou entre os cinco shows mais bacanas do festival.


       Mas o topo do pódio, o primeiríssimo lugar, a medalha de ouro ficou com os catarinenses do Ambervisions. A mistura cretina de punk com surf music botou toda a galera para dançar. O cover de Dotadão deve morrer dos Cascavelletes, que o Ratos de Porão também toca, foi o ponto alto da apresentação. Tão boa que eu até levei o disco deles para casa.


       Os candangos do Prot(o) dominaram a parada na seqüência. Embora seu show já esteja um pouco batido para o público de Goiânia, afinal eles tocam na cidade em praticamente todos os eventos da Monstro, o repertório bem sacado conseguiu empolgar. O guitarrista, em seu primeiro show, mostrou segurança e certamente firmará sua posição na banda.


       A gauchada do Walverdes ligou a distorção logo em seguida e fez seu som, tipo um Mudhoney em português, bem bacana. Pena que eles não estão dando muito moral para as músicas do primeiro CD, priorizando novas composições. Quem tem o disco deles, não são poucos na cidade, esperava ouvir mais coisas do álbum. Infelizmente, isso não aconteceu.


       O Grenade mandou no som logo após e causou espanto com as inovações que suas composições apresentam. O MQN foi quem assumiu a história depois. Mais um talento local, os caras estão muito bons de palco. Os riffs stonianos, super acelerados, dão o suporte para que Fabríco Nobre grite a vontade suas letras sobre mulheres endiabradas e bebidas. Showzaço!


       O Dead Billies da Bahia subiu no palco depois e agradou com seu psycobilly de temática trash. O cover legal do Kinks jogou o público na dança. O fim do dia ficou nas mãos dos gringos do Nebula. Os caras fazem o que a imprensa especializada vem chamando de stoner rock. O que não é nada além do que riffs do Black Sabbath com uma pegada mais punk. O resultado é fantástico. Pena que, por conta do horário, pouquíssimos gatos pingados ainda estavam por lá e quem aguentou o batidão não tinha ânimo para curtir. Ou estava cansadíssimo ou chapado demais para prestar atenção em alguma coisa. Os americanos, sem sentir a resposta do público para seu som, fizeram um show burocrário, daqueles somente para cumprir tabela. Como diria o Metallica, sad but true.



Fechando com louvor


       No domingo, como a maratona de shows mata qualquer um, cheguei um pouco mais tarde por que dormi demais. Fiquei sabendo que, só para variar, o atraso foi de duas horas e meia. Perdi o Crackdown, mas deu para ver o Motherfish, ambos de Goiânia. Eles mostraram que ouviram muitas guitar bands e conseguiram dar um formato legal para seu som.


       Em seguida, o show mais inusitado do GNF: Hurtmold. A banda é boa de doer!!! Os integrantes trocam de instrumentos durante a apresentação e misturam desde coisas jazzísticas ao hardcore. Impossível de descrever e fabuloso de assistir.


       O Tamborines do Paraná furou, dando o bolo no festival. Aí, quem tomou conta da galera em seguida foi o punk rock com hardcore dos goianienses dos Resistentes. Eles botaram todo mundo no pogo e saíram ovacionados do palco. A gauchada do Tom
Bloch mandou seu som com influências de britpop em seguida. A banda é boa, mas com um show tão longo a apresentação ficou enfadonha. Uma pena!


       Os paulistas do Prole vieram na seqüência com seu hardcore tiro na cabeça, se é que você me entende. Bom para quem gosta de se acabar no pogo, bem tocado, bem gritado, mas não acrescenta nada. Diferentemente do funk nordestino com música eletrônica da dupla alagoana do Sonic Júnior. Os caras agradaram em cheio a galera, que já estava de saco cheio de som pancada e eles foram um diferencial interessante para o dia.


       O power pop do Leela, da Cidade Maravilhosa, também causou furor. Principalmente na ala masculina do público que pirou nos dotes artísticos e, na boa, principalmente nos físicos da vocalista/guitarrista e a baixista da banda. Mas, pernas torneadas a parte, o som do grupo tem tudo para ser a próxima sensação das FMs, estourar nacionalmente e tocar nos programas de auditório dos finais de semana. Tomara que sim, pois a banda é boa e compensa dar uma sacada antes.


       A vagabundagem dos goianos do Hang the Superstars veio depois. O que dizer de uma banda que tem como principais referências a new wave e o rock de garagem de todas as épocas? Fantástico! Uma maneira fácil de explicar o som deles é imaginar um B-52`s punk. As garotinhas gritando, os riffs roubados, a presença do showman Maurício Motta… Tudo está onde deveria estar!


       O mito do rock nacional Wander Wildner, ex-vocal dos Replicantes, subiu no palco logo após. Um show legal, mas não extraordinário como no GNF do ano passado. Dessa vez, o cara veio acompanhado da banda, diferentemente da edição anterior, quando tocou somente “ele e suas distorções”. Mandou músicas emblemáticas de sua carreira (Eu tenho uma camiseta escrita eu te amo, Lugar do caralho, Eu queria morar em Bevelly Hills…), algumas do disco novo (Eu sou feio mas sou bonito, entre outras) e duas de sua antiga banda, versões mais balada de Surfista calhorda e Sandina.


       O final do festival foi apocalíptico! Tudo ficou nas mãos do Ratos de Porão. João Gordo e cia mandaram tudo o que a galera queria ouvir. Crucificados pelo sistema, Difícil de entender, Fuck off and die, John Travolta, A turma, Dotadão deve morrer, Beber até morrer, Aids, pop e repressão… Enfim, como eles dizem: só crássicos! A galera dançou e se acabou até o fim, tendo direito inclusive a um bis com um cover de Commando dos Ramones.



Considerações finais


       Esse GNF deixa uma lição para todo mundo que deseja organizar eventos independentes e alternativos: ou se começa no horário correto, ou se escala menos atrações por noite. Dar início às atividades de maneira britânica é a melhor saída, pois é melhor que a banda de abertura toque para poucos gatos pingados do que quem fecha a noite, pois esse é, teoricamente, o mais aguardado. Entretanto, vários problemas costumam aparecer e nem sempre isso é possível.


       Botar menos gente para se apresentar por dia é uma boa. Afinal de contas, é realmente necessário 12 shows numa só tacada? Dá para um evento terminar às quatro e meia da manhã da segunda, sendo que a maioria trabalha logo em seguida? Definitivamente não! Tomara que no ano que vem, que eu já estou louco que chegue logo e ver quem virá tocar, esses detalhes sejam corrigidos!

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