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Ruído Festival: rock no final do carnaval carioca

(RUÍDO FESTIVAL: Ballroom, Rio de Janeiro/RJ)


sábado, 08.03: Wander Wildner, Diego Medina & Sua Turma, Narjara, Glamourama, Onno, Brinde


Realizado desde o ano passado no Rio de Janeiro, o Ruído Festival é feito pelos homens-banda Rodrigo Quik (Narjara) e Gabriel Thomaz (Autoramas) e sempre acontece durante o feriado de Carnaval – ou pouco depois dele, naquela famosa ressaca em que todo mundo ainda está voltando de férias. Complicado? “Ninguém acreditava no evento porque ninguém tinha feito isso antes. Sem contar que o Rio tem fama de que ama o Carnaval e aí todo mundo viaja, mas ninguém se toca de que tem muita gente que não gosta de Carnaval, fica no Rio e não tem opção de diversão. Até quem não curte rock acaba indo”, diz Quik. A julgar pelo que se viu nos dois dias do evento, a época foi muito bem escolhida. Nem mesmo a chuva impediu alguns shows de ficarem bem cheios. A escalação prometia: trazia desde figurinhas carimbadas do underground (Onno, Glamourama, Netunos, o próprio Narjara, etc) até entidades como Diego Medina e Wander Wildner.


O Ballroom, lugar escolhido, é um misto de boate + casa de shows que fica num local baladado da zona sul carioca e atrai um público eclético – desde playboyzinhos dispostos a curtir a night até um público mais velho e/ou mais rockeiro. Tem qualidade sonora acima da média, espaço pra burro (pista de dança enooorme, vários lugares para colocar banquinhas de CDs, livros e roupas – Érika Martins, da Penélope e Leonardo Panço, do Jason, montaram as suas) mas foi impossível não rir quando Wander Wilder, lá pelo meio do show, soltou a sua “Lugar do caralho”, que fala em “som legal, gente legal e muita cerveja barata”: a latinha de Brahma (quente, às vezes) custava cerca de três reais.


Os primeiros a subir ao palco no Ruído foram os cariocas do Onno. Autodefinida como “power pop”, a banda mostrou uma série de boas canções pop influenciadas por um misto Beatles + jovem guarda + punk – agradaram à platéia mesmo prejuicados pelo som, meio embolado para quem assistia ao show lá de trás. Daria pra fazer um CD bacana com os hits que a banda guarda na manga, especialmente, “Wow wow wow”, “Lilie” e “Pontos cardeais”. De surpresa, rolou uma aparição de Diego Medina no palco para cantar “Garoto boa-pinta”. Já o Brinde, banda baiana pertencente ao selo Big Bross – que mereceu até uma reportagem do caderno Megazine, do jornal O Globo – mostrou um som forte, centrado em guitarra e bateria socadas. Usando o Who como ponto de referência, o grupo mostrou também muita influência do Husker Du (uma pérola power pop, por sinal) em músicas como “Mesmo assim”, “Madrugada” e “Voltar atrás” – a surpresa aqui foi uma cover (boa, por sinal) de “Back in the USSR”, dos Beatles.


Depois quem subiu ao palco foi o Narjara. Misturando rock´n roll, psicodelia, experimentações ao vivo (em alguns momentos o vocalista Quik canta num megafone acoplado a um microfoninho grudado no pescoço) e carisma quase teatral, os caras deram o primeiro grande show da noite. Mandaram bala no hit “Fada nua” (cantado por muita gente do público, por sinal), mostraram outras músicas legais como “Tenho medo”, “Amor à primeira vista” e “Ingrata”, falaram de política em pleno palco e ainda dedicaram uma música à atual governadora do Estado do Rio: o tema do seriado japonês “Spectroman”, o único que poderia salvar o Rio da barbárie. Mostraram serviço, jogaram para a platéia e saíram do palco aplaudidíssimos. Para segurar a onda do público depois dessa, só mesmo uma banda como o Glamourama, que faz rock´n roll e escândalo como ninguém. Para quem nunca escutou: os caras se definem como “David Bowie enrabando Angus Young”, sobem no palco trajados da forma mais bofe possível, trocam bicotas no palco e fazem uma mistura de glitter rock e AC/DC fase Jailbreak. Poderia soar como uma baita farsa, mas não é que é bem legal? Baseado numa boa dupla baixo/guitarra – com solinhos a la Ted Nugent – e no carisma de Marvel (vocalista), o grupo ainda tem uma espécie de “Whole lotta love” próprio, “Se você confiar”, que poderia tocar no rádio.


Finalizando, as duas principais atrações da noite, vindas do Sul. Wander Wildner, recém-reintegrado aos Replicantes, subiu ao palco disposto a tocar canções de seus três álbuns solo. Berros de “Astronauta!”, “Surfista Calhorda!” vinham do público e ele nem aí – até porque seus hits solo já seriam suficientes. Rolaram “Lugar do caralho”, “Burguês”, “Maverikão”, “Bebendo vinho”, “Beverly Hills”, “Não consigo ser alegre o tempo inteiro” e o público cantando todas as músicas. Foi muito bom, mas não foi suficiente: fizeram muita falta canções como “Quase um alcoólatra”, “Freira desalmada” e “Jesus voltará”. De resto, uma pena que seja tarefa árdua esbarrar com os discos solo de Wander por aí. Após o ex-atual-Repicante, a noite foi fechada por Diego Medina & Sua Turma. Incensado pelo passado do Video Hits (banda-cult a qual Diego pertenceu e que encerrou atividades após um flopado CD pela flopada Abril) e por outros shows cariocas recentes, Diego subiu ao palco acompanhado por integrantes ou ex-integrantes do Mulheres Q Dizem Sim e Zumbi do Mato e levou hits de suas duas ex-bandas (o Video Hits e o Doiseu Mindoisema), mescladas a um standard do Rei Roberto, “De tanto amor”. Entre misturas de samba, rock, indie rock e alguns experimentalismos (chegou a rolar uma cover do Ween, inclusive), o destaque maior ficou com duas das melhores canções do VH, “Vo (c)” e “Cozinha oriental”. Legal. Agora era só esperar pelo segundo dia.


P.S: Faltou falar: o velho bardo punk Wander Wildner recebeu uma calcinha no meio da cara (!) durante o show. Muito bom!


domingo, 09.03: Os Pedrero, Netunos, Noção de Nada, Canastra, Cara de Porco, Go!


Segundo dia do Ruído Festival… A ausência de mesas na pista e o excesso de valetes e de molecada entre 15 e 20 anos já denunciava que, se o primeiro dia tinha sido o da canção pop, o segundo era o da platéia teen, disposta a abrir roda, fazer mosh e o escambau. Nem mesmo a presença de dois nomes que até poderiam estar no primeiro dia (Canastra e Netunos) escondia isso.


A primeira banda a se apresentar, o Go!, é um nome carioca que reza pela cartilha do surfcore, influenciado tanto por bandas de surf music quando por nomes do punk e do hardcore, melódico ou não. Começaram as primeiras rodinhas na platéia – que ainda chegava aos poucos – e o som da banda mostrou-se ideal para isso, com melodias bem construídas e muita técnica. Em seguida, veio o Canastra. A banda tem em sua formação um ex-músico do Acabou La Tequila, lenda do rock carioca (por sinal injustiçada pelas gravadoras paruaras), e faz um som imediatamente associàvel às bandas dos anos 70/80 que eram influenciadas por climas dos anos 50: Stray Cats, The Jam, Clash, Eddie & The HotRods – no palco, rolam topetes e até mesmo um baixo acústico, dando o clima “de época”. Bom show, embora um tanto quanto parado.


Quem visse os rapazes da banda capixaba Os Pedrêro na rua, poderia até estranhar: de visual quase reggae-roots, os caras mostraram um punk-rock dos mais viscerais, cheio de referências engraçadíssimas (como a do “carnaval em Guriri” na hilariante “Jhenny Paula” e ao pop marca barbante do Polegar e do Dominó em “Menudo capixaba”). Os caras mandaram bala nas melhores músicas dos dois CDs e levaram muita gente a pogar rachando o bico em músicas como “Amor é muito bom” (uma das punk songs mais engraçadas feitas deste lado do hemisfério), “Heavy metal night” e “Latifúndio do amor”. Depois foi a hora da surf music: os Netunos, um dos grandes nomes do festival, vieram com um som influenciado por surf songs estilo Dick Dale e punk rock, fragmentado em boas canções – algumas delas instrumentais. O grupo faz um show bem animado e JP, o guitarrista, é um dínamo no palco. Os cariocas do Noção de Nada, por sua vez, dedicam-se ao hardcore, com taxa baixa de misturas. Demonstram bom ouvido para melodias, o que pode fazer muita gente classificar o som os caras como emocore – prefiro nem me atrever a pregar um rótulo porque sei que isso dá até briga – e chamam a atenção pelo fato do vocalista da banda ser ninguém menos que o batera. Deve ter conquistado muita gente que não conhecia a banda.


E, finalmente, os sortudos que ficaram até o final assistiram ao melhor show da noite, o da banda carioca (de Bangu) Cara de Porco – todo e qualquer hype indie é pouco perto da esculhambação total dos caras. O som do grupo é um hardcore cheio de detalhes hilariantes, com uma presença de palco de fazer até estátua de bronze rolar no chão. O vocalista Marcelo sobe ao palco com roupa de Saci, o baixista de roupa da Comlurb (companhia de limpeza urbana do Rio), o guitarrista fantasiado de frentista e os caras arrasam no palco. Entre outras coisas: 1) o vocalista avisa que vão tocar um samba-core, obriga a platéia a sambar (“samba, caralho! É Brasil!”) e dança o miudinho; 2) além de composições próprias, tocam covers de “Farofa-fá” (sim, aquela), rezam uma prece para São Pedro de Lara, padroeiro dos homens feios, apelando à platéia (“vamos rezar! eu sei que ele também já te ajudou!”) e engatam com aquela musiquinha que encerrava o programa Sílvio Santos (“Pedro de Lara, la, lalalalalala, lalalalalalalalalala”); 3) o hino ao povo Mamatchuriano, tocado lá pela metade do show. Muito, mas muito bom mesmo. Se esbarrar com um show do Cara de Porco por aí (aviso: além do Ruído, é bom ficar ligado nos festivais Rato no Rio e Ku Kum Kaimbra, realizados na zona oeste carioca), não perca. E, sim, no fim das contas, o saldo do festival não poderia ter sido melhor: mostrou que com chuva ou sem chuva, com carnaval ou sem, o rock ainda é forte no Rio.

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