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Ira!: resenha de show no Canecão e revelações…

 

   (CANECÃO, DIA 10 DE SETEMBRO DE 2002) Antes de mais nada, o que você vai ler aqui é o misto do relato de um jornalista com o relato de um fã – e às vezes é difícil esses “dois” conviverem em perfeita harmonia. Fica até complicado falar sobre um show do Ira! sem usar palavrões (especialmente aqueles que começam com “C” e “F”), além de lembrar de detalhes do show enquanto você estava gritando “Ira! Ira! Ira!” e tentando apertar a mão do Nasi e do Edgard – sem contar na comoção geral que foi assistir um Ricardo Gaspa pós-morte do John Entwistle e ver André Jung, comovido e alegre, saindo de trás da bateria e dando tchauzinho para o público. Isso sem falar no fato do Ira! vir bem pouco ao Rio e ainda fazer um discurso pró-rádios rock, lembrando que a volta da Fluminense FM ao seu lugar de origem já foi uma boa lufada de vento no apê mofado das rádios.


   O show – cheio, por sinal – foi aberto pela banda santista Cajamanga, que vem abrindo praticamente todas as apresentações do Ira! no Rio e, pelo visto, conseguiu herdar boa parte do público da banda (visto que tinha muita gente cantando as músicas). O grupo é uma boa abertura de show, faz um hardcore surfístico muito bem feito e, pela música inédita apresentada no show, “O mundo é dos espertos”, já demonstra que uma séria influência do heavy metal irá se abater sobre seu segundo CD. Claro, “Tudo azul” (de Lulu Santos e Nelson Motta), tema do filme “Surf adventures”, levantou a platéia, e os hardcores mais cara-dura do grupo fizeram nego abrir roda no meio do público (que tinha desde molecada de 15 até gente de 40 e 50 anos, alguns engravatados). Rolou até versão de “Daniel na cova dos leões”, da Legião.


   No final do show, mais um tempinho, um funcionário de uma conhecida rádio auto-intitulada rock do Rio (que patrocinava o show) veio anunciar a banda titular e levou gritos de “Maldita!” na cara (referência à Flu FM, que usa o slogan)… e o Ira! entrou no palco. O Ira! tem a grande qualidade de, a cada apresentação, mostrar uma surpresa diferente. Nunca tocam as músicas da mesma forma, Edgard nunca repete os mesmos solos, Nasi insere trechos de diferentes músicas nos clássicos de banda e vai por aí. Dessa vez, a grande surpresa veio quase no final: a banda fez uma ousadíssima versão para “Foxy lady”, de Jimi Hendrix, anunciada quase na base da humildade (Nasi praticamente sussurrou “vamos tocar Foxy Lady” e Edgard atacou com o riff do standard hendrixiano, levando a platéia ao delírio).


   Cada música apresentada no show teve um filminho reproduzido no telão atrás da banda – “Homem de Neanderthal” teve fotos pré-históricas, “O bom e velho rock n roll” teve imagens pré-históricas de bandas históricas (como Led Zeppelin, Deep Purple, Who, etc). A banda abriu com um quase-hit do disco “Entre seus rins”, “Naftalina”  – da banda Radar Tantâ  – que deu ao público o clima energético que precisava para curtir o show. A banda só pecou por deixar de lado alguns hits: o CD novo foi inteirinho tocado, indicando que por trás da desistência da banda em renovar com a Deck Disc deve haver muito da desatenção da gravadora com o disco (sobre isso, ver o box “No camarim”).


   A cozinha do Ira! arrasou: André Jung manteve seu toque peculiar – intenso, mas deixando de lado pancadarias excessivas, com uma certa, digamos, elegância – e Ricardo Gaspa tocou o show inteiro sem retorno. Edgard, por sua vez, deixou o público boquiaberto fazendo solos intrincadíssimos sem palheta, tocando sua guitarra bem perto da platéia – apenas uma grade separava – e fazendo experimentações em pleno palco. Dançando com a guitarra no palco, o cara fez música eletrônica ao vivo, emulando Kraftwerk, usando os pedais e o plugue da guitarra, entre outras coisas. Quem já assisitu à banda ao vivo em SP, disse que o grupo até que experimentou pouco – compreensível: os caras quase nunca vêm ao Rio e não podiam mesmo ficar enrolando no palco. Os tradicionais momentos “levanta-galera” da banda não faltaram e realmante levantaram o público: “Envelheço na cidade”, “Logo de cara”, “Superficial como um espinho” (aparentemente rejeitada pelo público feminino da banda, sabe-se lá porquê), “Gritos na multidão”, etc.


   Surpresas no repertório (como “Rubro zorro” e “Longe de tudo”, pedidas pelo público – que exagerou e pediu até “Mesmo distante”, esquecido tema acústico do disco “Psicoacústica”, de 1988, que o Ira! não iria tocar mesmo), foram poucas, mas a banda compensou voltando ao palco duas vezes, dessa vez sim, sempre voltando com surpresas para o público. Na última vez, vieram com uma energética versão para “Vitrine viva”. Durante o show, o público jogava papeizinhos com nomes de músicas que – detalhe – eram lidos no palco pelo Nasi, que até atendeu alguns pedidos, e “Vitrine viva” realmente costumava estar entre as mais pedidas. Sem querer deixar a banda ir embora, a platéia simplesmente não acreditou quando o show acabou de vez. Mesmo sob o signo do patrocíno da tal rádio, Nasi tomou a palavra e avançou em cima da mesmice que impera no Rio e da falta de maior investimento em shows de bandas como o Ira!. “Um dia, quem sabe, a gente estará dando show aqui no Rio toda semana”, prometeu. Quem sabe…


No Camarim


   O camarim do Ira!, depois do show, estava cheio de fãs, alguns vips (Arnaldo Brandão, o produtor Rafael Ramos – curiosamente ligado à gravadora que a banda havia dito estar deixando, a Deck Disc -  e até os globais Emilio Orciollo Neto e Selton Mello) e gente ligada ao staff da banda, como roadies, road-managers, etc. Detalhe: o show foi dado numa terça-feira e terminou por volta de uma e meia da manhã, mas ninguém queria saber de ir embora. Dando atenção aos fãs da maneira que podiam, Edgard, Nasi, André e Nasi conversaram bastante com todo mundo. Revelando que a banda ainda está em conversação com o selo DeckDisc, Edgard ganhou um presente da reportagem do Central da Música (uma cópia do vinil “Amigos invisíveis”, de 1989, que ele não tinha) e achou graça quando soube que vinis antigos do Ira! eram vendidos no Rio pela bagatela de cinco reais, às vezes dez – aproveitando para revelar que soube que “Amigos…” já foi vendido, em vinil, por 200 contos. Já Ricardo Gaspa, dando autógrafos em vários discos antigos de vinil, conversou com o Central sobre uma antiga banda que ele tinha na década de 70, o Mescla – um grupo de acid rock, pouquíssimo citado. “Acho até engraçado alguém lembrar disso… A gente nem chegou a ter disco lançado. Gravamos um, achamos horrível e desistimos. Nem sabia que alguém ainda lembrava disso”.


   Já André Jung, um dos mais falantes da banda, iniciava um papo animado com alguns fãs sobre automobilismo – assunto do qual o baterista do Ira! entende. E Nasi, após sacanear algumas figurinhas carimbadas do showbizz e falar sobre a crítica musical nos anos 80, revelou o que vinha ouvindo atualmente: “Muita música americana, blues, coisas do tipo. É só isso que eu ouço em casa”. No final, os últimos fãs demoraram tanto para ir embora, que tiveram que sair pela entrada dos artistas, passando pelo palco do Canecão. Uma história para contar para os netinhos…


Set List
   Além do set list abaixo (detalhe: roubado do camarim) a banda ainda tocou “Vitrine viva”, e uma cover de “Foxy lady” (Jimi Hendrix), incluídas numa das vezes em que voltaram ao palco.


“Naftalina” (CD “Entre seus rins”, 2001)
“Dias de luta” (CD “Vivendo e não aprendendo”, 1986)
“Milhas e milhas” (CD “Entre seus rins”, 2001)
“Bebendo vinho” (CD “Isto é amor”, 1999)
“Mistério” (CD “Entre seus rins”, 2001)
“Logo de cara” (CD “Ao Vivo – MTV”, 2000)
“Homem de Neanderthal” (CD “Entre seus rins”, 2001)
“Entre seus rins” (CD “Entre seus rins”, 2001)
“Um homem só” (CD “Entre seus rins”, 2001)
“Vida passageira” (CD “Ao Vivo – MTV”, 2000)
“A vida por um fio” (CD “Entre seus rins”, 2001)
“Flores em você” (CD “Vivendo e não aprendendo”, 1986)
“Para ser humano” (CD “Entre seus rins”, 2001)
“Pecado” (CD “Entre seus rins”, 2001)
“O bom e velho rock n roll” (CD “Entre seus rins”, 2001)
“Envelheço na cidade” (CD “Vivendo e não aprendendo”, 1986)


BIS:
“O tempo” (CD “Entre seus rins”, 2001)
“Superficial como um espinho” (CD “Ao Vivo – MTV”, 2000)
“Gritos na multidão” (CD “Vivendo e não aprendendo”, 1986)
“Núcleo base” (CD “Mudança de comportamento”, 1985)

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