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CPF: Quando a história se repete, as turmas se reúnem

Festival de rock serve mesmo pra reunir as turmas. As bandas independentes aceitam tocar de graça, porque se algum executivo de gravadora ouvir e gostar, valeu à pena não boicotar o evento. Muitas bandas do cenário alternativo já são conhecidíssimas do público indie, volta e meia se apresentam nos festivais que porventura rolam pelo país, caso do paulista Upload e do recifense Abril Pro Rock. Algumas delas já têm clipe na MTV – como a gaúcha Bidê ou Balde e o seu recente Outubro ou Nada.


Outros que se divertem – e muito – são os jornalistas, principalmente aqueles do mainstream jornalístico impresso e televisivo brasileiro, cuja boa parte é convidada pela organização do evento, viaja de avião e fica deliciosamente hospedada em hotel cinco estrelas. Esse time sortudo, predominantemente indie, já conhece a maioria das bandas da programação, inclusive as papagaiadas da Cachorro Grande. O grande barato dos festivais para eles é encontrar e/ou reencontrar colegas de profissão, trocar figurinhas, paquerar umas minas sem compromisso, jogar pelada, tomar cerveja (uns preferem coca). E aqui faço um adendo: a carapuça me serve só no primeiro item. Isso quando não acontece de algum jornalista, atolado de trabalho no plantão do fim de semana ou que pensa “um festival a mais ou a menos tanto faz”, presenteia a passagem para um amigo querido e fala: “vai lá cobrir o evento por mim”. A diferença é que para Curitiba, os meus colegas vieram passar frio também. Uma pena, porque dois dias antes fazia um calor de trinta graus. Mas é sempre assim. Quando acontece um evento grandioso por aqui, normalmente a temperatura cai e tudo fica gelado. Só para sacanear os paulistas e cariocas que reafirmam o estereótipo de Curitiba cidade fria.


Ah…claro…o público: indies – como diz um conhecido meu: “os mods do futuro”. Indies supercoloridos (muitas listras) e os mods – com aqueles cabelinhos “prittados” à moda italiana (com o perdão da propaganda da cola) – fizeram do Opera de Arame nos dias 2 e 3 de maio o seu circo e se espalhavam em meio à minoria deslocada, tipo: “o que é que eu tô fazendo aqui com essa gente”. Uma amiga minha debutando em festival me disse: “Jana, nunca vi tanto all star e nerd na minha vida”. Nerd porque ela se referia aos óculos. Aliás, é muito indie com miopia! E não é de se espantar ouvir, ao descer uma escada para ir ao banheiro ou comer um cachorro-quente, um grupo conversando: “e aí, vai rolar aquele pó?”. Bem…eu só sei que tenho rinite e odeio pó.


Outra função de um festival de rock é projetar o nome de uma cidade. Neste caso, uma cidade com vários slogans no histórico: “capital ecológica”, “cidade sorriso”, “capital social” e o mais recente “capital americana da cultura”. E aqui chegamos ao objetivo principal do “Curitiba Pop Festival”:  um dos eventos que marcam a nomeação de Curitiba à Capital Americana da Cultura, que por sua vez tem o objetivo de projetar a cidade no circuito internacional. Curioso, pois mal existe uma ponte interligando Curitiba a São Paulo e Rio Grande do Sul, estados que recebem grandes eventos culturais, e já querem fazer um tunel até o estrangeiro. Leandro Knopfholz, diretor de ação cultural da Fundação Cultural de Curitiba, um dos patrocinadores do festival ao lado da Prefeitura de Curitiba e a Tim Sul, disse que a intenção é dar sequência ao festival, evidentemente, após uma análise dos prós e contras. E o saldo foi prositivo: somando as turmas (fora os mais de 100 da turma de jornalistas credenciados) 4.800 pessoas assitiram ao festival. 1800 na primeira noite e para a segunda todos os ingressos vendidos: 3000 pessoas num dos pontos turísticos que durante o ano serve de palco para colação de grau e …e…e ….acho que só! Ao todo, foram gastos 550 mil reais (contratação das bandas + infra-estrutura). Segundo Knopfholz o maior chachê, o pacote Breeders + Rubin Steiner ficou em torno de 30 mil dólares (pouco mais de 90 mil reais). 


A transformação do Ópera de Arame, num circo indie ultrapassou o limite do termômetro de críticas, principalmente quanto à acústica. Como disse Fábio Massari, ex-MTV que agora se ocupa de escritor e gostou da fusão eletrônica+rock da banda curitibana ESS, a acústica até que não estava tão ruim (observe o “tão”), o som não reverberou tanto quanto se esperava, mas certamente não é o ideal para show de rock. O som até que dava pra curtir, mas entender as letras, esqueça.


Com uma hora e meia de atraso, às 16h30, o vocalista da curitibana “Bad Folks” entra no palco e diz rapidíssmo: “O CPF começa agora com a banda Vurla”.


Ahn…o quê? Já começou? Assim… sem nenhum discurso pronto?


Sim…Simples e direto teve início o tão comentado festival desde quando a polêmica vinda de Strokes e Radiohead foi publicada num jornal. As grandes atrações do CPF ficaram por conta dos franceses Rubin Steiner, da dupla franco-germanica Stereo Total e a americana Breeders, banda da ex-baixista dos Pixies, a troncudinha Kim Deal, e sua irmã gêmea não menos troncudinha que ela.


A primeira noite chamada de “Opera palco eletropop” foi tranquila, sem muito empurra-empurra para ouvir Vurla (SP) – Bad Folks (Curitiba/PR) – Valv (Belo Horizonte/) – Suite # 5 (Campinas/SP) -  ESS (Curitiba/PR) -  Monokini (SP) – Taracode (Salvador/BA) – Otto (Recife/PE) – Rubin Steiner (França) – Stereo Total (Alemanha).


Muita gente nem tinha idéia de quem se tratavam as duas últimas atrações da primeira noite. Porém os telespectadores da MTV que assistiram aos shows das bandas puderam detectar que músicas de Rubin Steiner e Stereo Total são trilha sonora de vinhetas transmitidas naqueles comerciais repetitivos da emissora. 


Stereo Total é a dupla engraçadinha franco-germânica. O alemão Brezel Göring e a francesa Françoise Cactus são infuenciados por disco music, new wave, filmes de terror… o que mais…claro e se utilizam de sintetizadores, bateria eletrônica, grooves, grooves, grooves. No festival, a Cactus com seu cabelo vermelhinho, óculos e gravata cantou um My Way em francês bonitinho. Para um amigo meu jornalista, o Sex Pistols foi mais bem-sucedidos em questão de My Way. Aliás, o show da dupla foi curto e não levantou muito a torcida indie. Isso porque antes se apresentaram os franceses do projeto do músico Fred Landier. E que projeto é esse Rubin Steiner: jazz, hip hop e eletrônica com celo acústico e trombone. A música é poderosa e os quatro integrantes são animadíssimos. Mesmo tocando, o celista se contorce e o trombonista pula no palco e chama a platéia que o acompanha nos pulos. E se os caras chamassem a galera pra sair do teatro marchando, muita gente iria atrás. A performance dos franceses é seguida por imagens num telão de fundo e correm conforme o ritmo das músicas. Durante o show do RS, o cantor Otto que já havia se apresentado, tentava assistir ao show e se desvencilhar de uma garota indie que não largava dos seus ouvidos. Já, o jornalista-produtor-roqueiro Carlos Eduardo Miranda, da Trama, também gostou: “muito bom, muito bom”. Rubin Steiner foi o show da noite.


No entanto, depois de meia hora de um show tecno, a atenção começava a ficar um tanto perdida no ar, principalmente pra quem acompanhou as oito bandas anteriores do primeiro dia do CPF. Antes das duas atrações estrangeiras, dá pra contar numa mão quantas foram as bandas que cantaram em português: um pop apático da Monokini, a tentativa de fundir trip hop, acid jazz, e eletrobossa do Taracode com uma vocalista em dúvida sobre “o azul e o roxo”, e o Otto ao lado do DJ Primo, depois de muito rock, veio trazer uma batida nagô, cantando na nossa língua que às três e pouco da manhã já começava a ficar roxa de tanto frio: 9 graus. Azul não. Roxo.


Segunda noite, “Palco Pop Rock”, Ópera de Arame quase lotado já para o primeiro show das Criaturas, o nome da banda curitbana neo-Mutantes. Depois seguiram bandas datadas, sessentista, com apelo sexista como: Bidê ou Balde (Porto Alegre/RS), Faichecleres (Curitiba/PR) e Cachorro Grande (Porto Alegre/RS). O público pulou com Bidê, riu com os meninos do Feichecleres – que se apresentaram de fralda geriátrica (impressão de filhos dos Beatles) e encerraram o show com Shout do quarteto de Liverpool – e ficou perplexo com a banda encrenqueira Cachorro Grande que dessa vez arrumou uma confusão maior do que muitos imaginavam: no momento em que o baixista Jeronimo Bocudo começou a jogar seu instrumento contra o símbolo do festival e Gabriel Azabuja simplesmente invalidou a bateria, houve uma invasão de seguranças no palco que quase virou ringue de luta livre. Resta saber quando e como será o próximo episódio. O show dos caras acaba ficando em segundo plano!


Antes dos cahorros, se apresentaram a goiana MQN, num som alto com guitarras muito distorcidas e um vocalista bonzão (“Vocês de Curitiba são muito educadinhos. Quem gosta de Stereo Total vai embora. Isso aqui é rock…” E a platéia vaiava e fazia sinais obscenos para o rapaz); o heavy metal da Primal (Curitiba/PR); o baixo acústico com formato de caixão dos Catalépticos, banda de psychoabilly que fez a fama na Inglaterra e quase estourou o teto de vidro do Ópera de Arame, e mais gaúchos do Walverdes e seu rock pauleira.


Antes da tão esperada Breeders, a platéia pulando e empurrando os seguranças na fila do gargarejo ouvia que “Nação Zumbi também é rock”, como disse o vocalista. Pra quem nunca viu um show da banda representante do mangue-beat, o som ao vivo é pesadíssimo. A atitude e criatividade de unir ritmos folclóricos, hip hop e cibernética da Nação e de Otto (ex-Mundo Livre), por exemplo, merecem todo o respeito, uma vez que tentativas de copiar bandas estrangeiras é o que mais se vê em festivais e no CPF não foi diferente.


Enfim, Breeders. Kim parecia não acreditar que a fama da banda chegara a lugares como Curitiba. Imagina. “Vocês são todos de Curitiba?”. O público pulava, uns nem sabiam muito bem quem eles eram, mas afinal, é uma atração internacional com hits como “Cannobball”. E quando a platéia pediu Pixies, a resposta veio com “Gigantic”. Emocionante pra quem sempre foi fã dos Pixies. O show foi marcado por um som estremecedor das guitarras. Muito barulho, muito cigarro. Coca-cola e cigarros para as irmãs Deal. Mais cigarros do que música. E no final, três e meia da manhã, todo mundo de coelhindo da páscoa. Branco de frio e olhos vermelhos de….sono e a esperança de outra boa-nova: o Curitiba Pop Festival Parte II. Os indies daqui merecem.

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