Um pequeno passo para dois ingleses…
A expressão “projeto multimídia” deveria deixar qualquer pessoa em sã consciência com um pé atrás. Essas verdadeiras coqueluches do “artista” moderno servem de disfarce para as maiores picaretagens, estelionatos e patricídios.
Claro que isso não é exatamente uma regra. Os projetos mais comportados (digamos “profissionais”) até que se saem bem. Não chegam a ser “arte”, mas são belos produtos culturais. E chega de aspas.
É nessa categoria que está o 1 Giant Leap, dos produtores ingleses Jamie Catto (Faithless) e Duncan Bridgeman, cujo nome faz referência à célebre frase que Neil Armstrong soltou ao pôr os pés em solo lunar. A idéia é justamente fazer o ouvinte descobrir seu próprio mundo como o primeiro astronauta que aterrissa em um planeta exótico, maravilhoso.
Ok, a proposta não é nem um pouco original, e essa embalagem piegas de “redescobrir a eterna novidade do mundo” também não ajuda, mas o Giant Leap conseguiu tocá-la muito bem. Ao invés de coletar gravações foclóricas feitas pelo dr. Livingstone em sua última viagem ao congo e mixá-las com batidas de um funk empoeirado dos anos 70, Catto e Bridgeman percorreram os cinco continentes atrás de colaborações exclusivas, numa tentativa no mínimo divertida de construir uma world music autêntica.
Foram eles próprios os antropólogos que rodaram o mundo gravando sons e imagens num laptop e numa câmera dv. Resultado: um dvd de duas horas e um cd de 12 faixas. O disco (que caiu nas minhas mãos) é um verdadeiro projeto de música coletiva, um pouco como seria o nosso Re:combo se maracatu agitasse o baile e Recife fosse do tamanho da Terra.
As faixas foram tomando forma durante a viagem, na medida em que os músicos de cada lugar gravavam suas participações sobre as bases uns dos outros. E não foram apenas criaturas obscuras que contribuíram: até superstars, como o queridinho da Inglaterra Robbie Willians e o esquisito Michael Stipe (do REM), deram um tostão de sua voz para o álbum. Sem contar os figurões Maxi Jazz (a voz do Faithless) e Brian Eno (o pai da ambient music).
Os produtores juntaram étnico, cult e pop indiscriminadamente, numa pajelança de dar gosto. Mas a influência mais forte sempre prevalece, e o disco acaba optando por algumas soluções fáceis, baseadas em coros e vocais estilosos do gueto americano.
Sim, é muito R&B, muito cool, muito clean, para um disco de world music. Os ingleses parecem estar produzindo como perfeitos turistas: sem muita intimidade com os arredores, vão se hospedar naquele hotel cinco estrelas que é o mesmo em qualquer lugar do mundo. E quando saem pra passear, cuidam de se manter nos lugares-comuns.
Sinal de que, mesmo ao dar pequenos passos, os ingleses tomam muito cuidado para não tropeçar.
Faixas
My Culture – O dueto improvável entre Maxi e Robbie é um dos pontos altos do disco, um rap radiofônico com sotaque ragga. Até o inglesinho mostra algum rhythm na sua vez de cantar.
Ma Africa – Os loops de big beat abrem caminho entre o coro de mulheres africanas como um estouro de bestas selvagens, transformando a faixa em pura algazarra. Diversão certa.
Braided Hair – Você consegue ouvir heal the world? All we are saying? Nada parecido? Pois é, mas não podia faltar uma música de cidadão do mundo/fraternidade global. Apesar dos scratches, essa música é comportadíssima. Lembra o período “ONU” do Michael Jackson.
Bushes – A maior parte da faixa é construída em cima de ambiances insólitas e batidas suaves, com direito a uma voz ultragrave e outros sons das profundezas. Aí, lá pelo final ela se transforma de surpresa num drumba étnico.