Resenha: Renato Russo Presente, para fãs e amigos
Em vida, Renato Russo era um cara de poucos e bem escolhidos amigos. Gostava de flores, de artes plásticas, de livros, de mitologia e de rock. Conhecia a história do rock e da música pop como ninguém – e elevou o BRock, uma aventura ainda infanto-juvenil, à categoria de arte, de culto. Relatos dão conta de que Renato pensava cada disco da Legião como um documento sonoro, que envolvia mitologias pop, conceitos e etc. E esse “Renato Russo Presente”, ao afastar o mito frankesteiniano e algo tristonho de “O último solo” (primeiro póstumo solo de Renato, meio colcha de retalhos, mas útil para aplacar a sede dos fãs), soa conceitual e até mitológico em vários aspectos. É complicado mexer na obra de alguém que já se foi? Sim, mas não tanto quando as pessoas unidas no trabalho parecem conhecer as obras do artista “ido” como se fossem suas.
O nome desse disco não poderia ser mais apropriado. “Renato Russo Presente” traz uma série de “presentes”, não só para os fãs, mas também para as pessoas que o realizaram. Um dia, Carmen Manfredini, Renato Manfredini (pai de Renato Russo) e o pesquisador musical Marcelo Fróes, revirando o apartamento de Renato em Ipanema, encontraram o manuscrito original da letra de “Hoje”, parceria de Renato Russo e Leila Pinheiro – bela pérola perdida da obra de Renato, cuja gravação (com Renato e Leila, e em demo) ficara perdida por dez anos. Em outra ocasião, Marcelo Fróes e o produtor Nilo Romero mexeram na fita master original de “Mais uma vez” (parceria de Renato e Flávio Venturini gravada pelo 14-Bis em 1987), tencionando remixar a música – acabaram achando um vocal de Renato cantando toda a canção, apagado na versão original, e a partir do qual foi concebido o novo arranjo da faixa, com músicos convidados. Numa fita cassete gravada por Renato numa festa (segundo Marcelo Fróes, tem até Renato Russo cantando parabéns…) foram encontradas gravações de “Thunder road”, de Bruce Springsteen e “Boomerang blues”, música de sua autoria, mas pertencente ao repertório do Barão Vermelho – e incluída aqui com participações de membros do Blues Etílicos.
O disco ainda joga luz sobre duetos que Renato deixou gravados em discos de outras pessoas – como a comovente “A carta”, com Erasmo Carlos (que o Tremendão lamenta até hoje não ter feito sucesso), a curiosa “Gente humilde” (!), com o violão de Hélio Delmiro e a executadíssima nos anos 90 “A cruz e a espada”, com Paulo Ricardo, sem contar o cruzamento de “Cathedral song” (com Renato) e “Catedral” (com Zélia Duncan), que, não demora muito, vai tocar no rádio. Estranhamente, esqueceram de “Pressão social”, gravada ao lado da Plebe Rude no disco “Mais raiva do que medo”. Mas… quer se divertir? Escute as três entrevistas/bate-papos concedidas pro Renato Russo ao tablóide “International Magazine”, incluídas no final do CD – com direito a papos “em off”, comentários sobre bandas do BRock e estocadas bárbaras na crítica musical. Cantor ilimitado, e dono de um estilo próprio ao violão, Renato consegue revirar “Quando eu estiver cantando” (esquecida faixa-solo de Cazuza) de cima para baixo a ponto de transformá-la em uma canção da Legião.
Além da morte de Renato Russo, outra coisa deixa um gosto amargo: vai ser difícil aparecer um ídolo BRockeiro que sintetize tão bem, em um único “a” da sua obra, tanta informação e sabedoria pop-rock, com bastante ironia e poesia – e sem o menor resquício de cabecice, podendo agradar tanto a intelectuais de plantão quanto à grande multidão de fãs que se espremia em shows nos ginásios. É exagero quando Renato Russo afirma, em 1996, que “de rock, só sobrou a Legião”? É, lógico. Mas pare e pense.