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Novo CD põe Ritchie no nível de seus influenciadores

A vida é mesmo engraçada. Ritchie, se morasse na Inglaterra, onde nasceu e viveu algum tempo – a História diz que o cara viveu vários anos como globetrotter – provavelmente seria aclamado como um gênio da canção pop. No Brasil, um país marcado pelo preconceito e pelo autoritarismo, onde as pessoas vivem falando da antiga ditadura militar mas não prestam a menor atenção às pequenas ditaduras que rondam nossas vidas por aí afora, o cara ficou mais de dez anos sem gravar, tem quase toda a sua discografia ainda necessitando ser redescoberta em CD.


Auto-fidelidade, o disco, só torna isso tudo bem mais dramático. Depois de anos estigmatizado pelo hit-massacre de “Menina veneno”, Ritchie fez um puta disco de rock. De rock-balada, músicas cheias de romantismo, acentuadas pelas imagens poéticas escolhidas pelo time de letristas (Bernardo Vilhena, Ronaldo Bastos, Alvin L., Nelson Motta e até mesmo Erasmo Carlos) e por um clima de rock antigo, com influência direta do som inglês dos anos 60 e 70 e do rock norte-americano dos anos 50 – épocas das quais Ritchie foi testemunha ocular. Ritchie consegue impor uma assinatura tão marcante quanto a que Paul McCartney impôs ao fazer músicas como “Silly love songs” e “My love” e também passa a todas as músicas algo que nunca foi comum à MPB ou ao rock nacional: tranqüilidade. Todo o CD tem um clima pop que chama a atenção, mas não soa como se o disco fosse totalmente vendido, feito para tocar no rádio ou vender CD.


Essa serenidade, que é absolutamente estranha (em tempo: todas as melodias de Autofidelidade soam como se não tivessem sido feitas para serem lançadas no mercado brasileiro, e essa sensação aumenta muito quando se escuta as duas canções em inglês do CD), dá ao disco um clima difícil de se encontrar em produções nacionais. O resultado é a beleza de canções como o hit “Lágrimas demais”, o soul-rock “Sede de viver” (que vem num clima bem anos 70), e “Antes que o amor acabe”, um baladão que só não é mais chrisisaakiano porque Ritchie tem idade suficiente para ter ouvido Elvis Presley e Roy Orbison quando eles eram jovens. De modo geral, o som do disco privilegia o lado do antigo, do vintage, mas com fórmulas novas e bastante atualizado. “Ninguém sabe o que eu sei”, por exemplo, traz para o disco o melhor do clima retrô-new-wave – a gaitinha da abertura, não por acaso, remete logo ao acordeãozinho daquele hit do The The (lembram?) – e encerra num clima meio psicodélico, meio Syd Barrett, que é o tipo da coisa que muita gente jamais pensaria que Ritchie fizesse. “Shadowland”, que traz o cara pela primeira vez cantando em inglês, é um tema folk que chega a lembrar aquelas canções tradicionais norte-americanas. “And we fall”, outra em inglês, é Peter Gabriel puro.


O melhor fica para o fim: “Onde que eu errei” é um rock n roll agitadinho, no qual Ritchie toma o lugar do Rei, compondo com Erasmo Carlos (que ainda faz uma aparição especial no fim da música). Depois, vêm as faixas bonus, que na realidade são músicas que já apareceram no disco em português, mas com as letras originais que Ritchie havia feito em inglês. “Lua lua” (uma balada anos 50 composta por Ritchie e Alvin L) vira “Radar radar”, “Ninguém sabe o que eu sei” vira “Give it all back” e “Sede de viver” vira “Running for our lives”. Se o mercado musical brazuca tantas vezes deixou Ritchie de lado, aqui ele mostra que seus pares são mesmo Bryan Ferry, David Bowie, Elvis, Roy Orbison e outros – sem contar Beatles, Beach Boys e todo o rock dos anos 60 e 70. Fazer discos como esse, hoje em dia, deveria ser obrigação.

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