Nação Zumbi se liberta da sombra de Chico Science
Aviso de antemão que o novo rebento da banda Nação Zumbi vai levar cinco estrelas – nota máxima aqui no Central da Música. Infelizmente a pequena constelação não basta para indicar a qualidade do disco, de tão bom que ele é. Seria preciso, assim, mais umas duas ou três estrelas. Mas aí ficaria complicado procurar adjetivos acima de excelente.
O álbum é uma orgia de timbres orgânicos, programações eletrônicas, passagens viajantes, levadas calcadas na soul music setentista e até influências metálicas. Tem hip-hop cantado em inglês de xamã caribenho (“Amnesia Express” e “Know Now”) e groove oitentista na melhor tradição break (“Faz Tempo”). Os momentos etéreos ficam por conta da cadenciada “Prato de Flores” e do mantra futurista “O Fogo Anda Comigo”, que tem a participação de Nina Miranda, do Smoke City, no vocal. Já a faceta pesada, presente desde o primeiro trabalho da Nação Zumbi, é representada pelas faixas “Amarelo”, “Meu Maracatu Pesa Uma Tonelada” e “Caldo de Cana”. Essa mistura garante duas estrelas ao disco, batizado com o mesmo nome da banda.
O groove, a sensibilidade e o peso são casados por uma produção coesa, que insere discretamente elementos eletrônicos no som, temperando tudo com ecos e com uma sujeirinha que lembra os tempos do vinil. Mais uma estrelinha para eles.
A quarta estrela atingiu em cheio o guitarrista Lúcio Maia. O músico está em sua melhor forma, construindo riffs pesados, como o da faixa “Blunt of Judah” ou frases jazzísticas carregadas de psicodelia. Ele consegue criar atmosferas riquíssimas sem tropeçar no exibicionismo desnecessário.
Sua guitarra, misturada à parede de tambores e ao vocal duplicado de Jorge Du Peixe, se transforma no hino “Meu Maracatu Pesa Uma Tonelada”. É uma canção intensa, de arena, cuja letra sintetiza a própria história da banda: “carrego pra onde for o peso do meu som lotando minha bagagem, meu maracatu pesa uma tonelada de surdez e pede passagem (…), sempre foi atômico, agora biônico, eletro-soulsônico”.
A derradeira estrela vai para uma única música, que renderia uma resenha extra tamanha a sua beleza. “Ogan Di Bele” é uma das melhores coisas compostas recentemente no Brasil (eu pensei em escrever “no mundo”, mas faltam-me dados empíricos). Mistura canção de terreiro, levada jazz, e fragmentos de bossa nova, tudo envolvido por um manto de timbres cósmicos. Simplesmente esplêndida.