Ed Motta volta a incorporar a veia funk-soul em Poptical
O sommelier Ed Motta apresenta seu mais novo vinho: “Poptical”. Nessa estréia na nova casa (a gravadora Trama), Ed usufruiu de toda liberdade acertada por contrato para compor seu trabalho e continua a surpreender lançando um disco todo cantado, conceitualmente pop, mas com uma ironia sutil e refinada a ser degustada pelo ouvinte, algo como “parece pop mas não é” (daí a referência a Optical Art).
A princípio, podemos pensar em “Poptical” como uma transição entre o ótimo “Segundas Intenções – Vol.2″ e o maravilhoso “Dwitza” (disco anterior de Ed, quase todo instrumental), entretanto isso não é pleno para exprimir o que ele quis transmitir. É complicado arranjar um “rótulo” para o que fora feito, e essa proposta sonora que torna “Poptical” muito interessante.
Prá começar: o pop proposto por Ed volta a incorporar a veia funk-soul do músico, mas a busca quase religiosa pelo retrô (escancarado em “Dwitza”) cresce em devoção; soma-se a isso o amor incondicional ao jazz e pitadas de pop dos dos anos 80 para fazer um retrato melhor do álbum.
Quanto ao instrumental, os arranjos cheios de orquestrações, instrumentos e instrumentistas foram simplificados em prol de uma postura meio “back to basics” – quem sustenta “Poptical” é o triângulo “baixo-bateria-teclado”; o resto, como guitarras e percussões, aparecem ocasionalmente sem serem fundamentais ao disco; não há naipes de metais ou orquestras de cordas. Falando em teclados (e foram muitos), entenda quase toda a espécie de pianos e sintetizadores vintages, que deram o principal colorido ao disco. A cozinha merece muitos créditos, com as execuções soberbas de Renato Massa (bateria) e Alberto Continentino (baixo elétrico e contrabaixo acústico).
Sobre as composições: Ed continuou optando por fazer todas as músicas e convidar letristas, mas aqui provavelmente resida o calcanhar-de-aquiles do CD – elas estão no geral boas, mas um pouco aquém do nível do artista. Não que “Poptical” seja fraco ou formado por músicas ou letras ruins, mas os dois últimos discos do artista falam mais nesse quesito. Apesar disso, é um discão.
As primeiras 5 músicas do disco são um excelente cartão de visitas: “Minha Casa, Minha Cama, Minha Mesa” (Nelson Motta) mistura o samba-jazz de João Donato com uma pitada de funk setentista, a música de trabalho “Tem Espaço na Van” (Seu Jorge) é a mais dançante do disco com um bridge que é impossível não cantarolar, “Eu Avisei” (Adriana Calcanhoto) é um funk mais classudo e de harmonia bem interessante, “The Rose Came To Bloom” (Bluesy, guitarrista do importante grupo inglês Incognito – inclusive Ed dedica o CD ao músico) é uma bela balada piano e voz, e “Que Bom Voltar” (Daniel Carlomagno) remete à disco music carioca do início dos anos 80 – o coro e a timbragem dos vocais não mentem.
A partir da faixa 6, Ed carrega um pouco mais na experimentação. Seja criando climas através de harmonias dissonantes e tempos bem definidos – cito “Coincidência” (Ivan Carvalho), funk com órgãos de timbres chapados misturados a um groove pulsante, e “My Rules” (Fábio Luiz, também conhecido como ParteUm, rapper do Mzuri Sana), onde a bateria grave de Massa e variações modais utilizando intervalos de quartas dão um sabor diferente à canção – ou revelando seu lado cinéfilo – “Rainbow s End” (Ronaldo Bastos) tem influência sonora européia e letra inspirada no filme “A Dama de Xangai” (clássico de Orson Welles, filmado em 1948) enquanto a jazzy “O Fox do Detetive” (Chico Amaral) parece uma homenagem ao compositor de trilhas sonoras Henry Mancini – o sobrinho de Tim Maia aproximou-se do “Dwitza”, trabalho do qual mais se orgulha.
Encerrando com um acento cubano e direito a poslúdio instrumental, a linda “Quem Pode Surpreender” (Zélia Duncan) fecha “Poptical” com classe. Classe esta peculiar aos bons vinhos.