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“Deus, a natureza e a música”, de Hyldon, é relançado

Deus, a natureza e a música, o segundo vinil de Hyldon, lançado em 1976, é mais um daqueles casos de “disco secreto”, lançado para cumprir contrato e sem divulgação. Hyldon, um dos três principais nomes do soul nacional (ao lado de Tim Maia e Cassiano), vinha de um sucesso estrondoso com o hit-single “Na rua, na chuva, na fazenda” e havia lançado um LP que, se não teve um grande sucesso, pelo menos projetou o nome do cara. Em briga com a gravadora após vários problemas no lançamento do primeiro disco – que quase não foi lançado porque a diretoria queria um LP com várias covers – Hyldon passava por problemas pessoais, desejava dar uma nova orientação a seu som e inovava fazendo um disco que era praticamente de soul radical. O romantismo de Na rua, na chuva… era mantido, só que misturado a algumas experimentações e a uma ambientação sonora bem mais elaborada e chique do que no primeiro LP. O resultado foi que, em 1976, apenas 5000 cópias foram prensadas e vendidas, sem alarde.

Correndo por fora das tradicionais séries de relançamentos (Brasil de A a Z, Samba Soul, 100 anos disso e daquilo), Hyldon resolveu reeditar seu segundo disco, só que a seu modo: o exigente soulman entrou em estúdio e, além de remasterizar as músicas, regravou todos os vocais – que ele julgava malfeitos – e mexeu em várias partes instrumentais, com o auxílio de alguns músicos participantes das sessões originais. Mesmo os puristas hão de concordar que ficou bem melhor, e o resultado é audível a partir da faixa-título, que abre o disco num clima quase gospel. O upgrade vocal melhorou bastante músicas que já eram quase perfeitas, como “Estrada errada” (uma alegre e comovente pré-disco, que poderia ter gerado mais um hit para Hyldon), “Homem pássaro” (jazz-soul aéreo, com Marcio Montarroyos fazendo wah-wah no trompete), “Pra todo mundo ficar sabendo” e a romântica e bela “Cor de maçã”.

Adiantando em duas décadas o trabalho de artistas como Jair Oliveira e Max de Castro, Hyldon enxergou conexões entre o soul e o nordeste em “O boiadeiro” e “Morte doce”, fez uma versão black de “Pra dizer adeus”, de Edu Lobo (com o auxílio de Cristóvão Bastos, hoje um requisitado arranjador de MPB)… Mas as músicas que mais chamam a atenção no disco são a única parceria de Hyldon com Caetano Veloso, “Primeira pessoa do singular” (um samba-rock que ganhou um grande acento jazz graças ao flugelhorn de Paulinho Trompete), a bela “Búzios” (uma espécie de soul progressivo, com várias partes) e a curiosa “Sheila Guarany”, uma ópera-rock girando em torno de uma figurinha bem peculiar. Hyldon, que havia recrutado, para a gravação original de Deus, a natureza e a música um verdadeiro dream team (o pessoal do Azymuth e da banda Black Rio, Márcio Montarroyos, Carlos Dafé, Tony Bizarro, Robson Jorge, etc), conseguira fazer, secretamente, um das maiores obras-primas da música brasileira.

Além das músicas originais do disco, o CD inclui três faixas bônus tiradas da fita master de Na rua, na chuva… e que haviam saído na coletânea Velhos camaradas 2, lançada em 2001 pela Universal (também quase secretamente, aliás). “Táxi pra Bahia” é uma das melhores definições do som de Hyldon: soul com a cabeça nos ritmos norte-americanos e os pés nas raízes nordestinas. “Palavras de amor ao vento”, um samba-soul, foi gravada por Hyldon com outro nome no disco Nossa história de amor (CBS, 1977). E “Pelas ruas de Los Angeles”, uma das melhores músicas do cantor, é um roquenrol negro que também poderia virar hit, mesmo que tardiamente. Hyldon é soul brasileiro como quase não se faz mais, desprovido de qualquer compromisso com modas, eletronices ou emepebismos. Compre correndo.

P.S: O site oficial de Hyldon, inaugurado pouco tempo antes do relançameto desse disco, é www.hyldon.com.br.

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