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CD novo do Rei mostra discretamente que algo está mudando

O disco de 2002 de Roberto Carlos deixa muitos questionamentos no ar e na cabeça do ouvinte, seja ele fâ ou não – e RC é um daqueles casos em que ou se gosta ou se odeia, mas até quem apenas acompanha as fofocadas da mídia deve ter notado algo de novo. Primeiro: Roberto, dado a demoras históricas no lançamento de discos (vide o recente caso Acústico MTV e os complicados processos para o lançamento de um disco todo de inéditas), topou lançar de prima um disco trazendo o registro de um show feito há apenas um mês, no Rio de Janeiro. Os planos para um disco realmente novo foram deixados pra trás mais uma vez – mas Roberto ainda incluiu uma música histórica e polêmica, “Seres humanos”, que o Rei, sempre apaixonado e arrasado pela morte de sua Maria Rita (citada ao longo da apresentação ao vivo e homenageada com duas músicas), parecia ter pressa de lançar. Bom, como não se fabrica mais singles no Brasil…


Para quem vê crescer a cada dia a idolatria pela fase soul do Rei (início da década de 70), é interessante escutar o rap-conversa-mole da letra, que vem acompanhada de uma das melodias mais interessantes da atual fase de Roberto Carlos – o CD anterior trazia a bela e tristíssima “Amor sem limite”, um susto para quem até curte o Rei mas achava chatos os últimos discos, idênticos. Em “Seres humanos”, Roberto deixa de lado as músicas de louvor e as canções de amor e perda para voltar a antigos questionamentos e comentários, que permeavam sua obra nos anos 70 – em músicas como “Papai, não foi esse o mundo que você falou” (gravada por Tony Tornado), “O progresso”, etc – muito embora o que esteja sendo questionado aqui nem seja o mundo ou as pessoas em si, mas a própria relação com a religião, em vários momentos. Versos como “só quero a verdade/nada mais que a verdade” e “buscamos apoio nas religiões/e procuramos verdades em suposições”, vindos de um cara que já cantou “O apocalipse” e que encheu discos e mais discos com músicas católicas, podem até não querer dizer nada demais, mas são reveladores. Ainda mais ao lado das recentes fofocas de que Roberto estaria se tornando espírita e levando mais e mais questionamentos até para padres amigos.


Pouca gente deve ter parado para prestar atenção nisso, mas agora Roberto Carlos e Herbert Vianna, dois dos maiores hitmakers do Brasil – separados por vinte anos, mas unidos por uma declarada admiração mútua – têm muito em comum. A dor da perda, a busca por respostas, o apelo à transcendência e a consciência da paz como finalidade moveram meio mundo na música, de Pete Townshend a Gilberto Gil, e foram baixar em discos como Longo Caminho, dos Paralamas, e na única faixa inédita do novo disco do Rei. Talvez seja um sinal de que o Roberto de 2002, que evita falar até a expressão “fita demo” (dizem) e o Roberto de 1968, aquele de “Quero que tudo mais vá pro inferno”, ainda se parecem em muita coisa. E é bem melhor assim.


Ficou faltando falar do resto do disco. A apresentação de Roberto segue o padrão normal dos especiais de final de ano da Globo – comentários com voz fanhosa sobre a Jovem Guarda, piadinhas, homenagens à Maria Rita, etc. O clima de toque de caixa fica mais evidenciado pelo visual gráfico padrão, que repete até a fonte das letras da capa, e pela mixagem paupérrima – que aliás liberou frases inteiras do público (coisas como “Te amo, Robertooo!”, “Roberto, quero falar contigo!”, “Aaah, gostosoooo!”). Para quem nunca teve um disco do cara em casa, serve como uma coletânea de luxo: tem “Proposta”, “Parei na contramão”, “Força estranha”, “Amor sem limite”, “Divina luz”, etc (destaque para a bela “E por isso estou aqui”, uma das melhores músicas da época da Jovem Guarda). Para quem tem todos, mais um para a coleção.


Curiosidade: o verso “Católicos, judeus, espíritas e ateus/somos maravilhosos/afinal somos filhos de Deus”, também de “Seres humanos”. Tomara que os protestantes, esquecidos pelo Rei, não resolvam levar a sério – daqui a pouco, se bobear, rola até processo…

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