No tempo dos dinossauros: O Festival de Jacaraípe
Aconteceu em 1982. O prefeito da Serra, José Maria Feu Rosa, resolveu organizar um festival de música, e as atrações eram duas: a primeira seria o palco flutuante, em plenas águas da lagoa de Jacaraípe, onde os músicos se apresentariam, e a segunda seria o cantor Jessé, que fazia o maior sucesso com a música Porto Solidão (“se um veleiro repousasse na palma da minha mão …”), convidado especial que faria o show de encerramento.
Os problemas começaram já no primeiro dia de festival. Todo mundo ficou acampado às margens da lagoa de Jacaraípe. A polícia militar baixou de uma vez só, prendendo várias pessoas por porte de maconha, inclusive o Roberto, um chileno que estava ilegalmente no país, mas que logo foi liberado porque cantou um tango para os policiais, o que parece que agradou a todos.
Em protesto pela arbitrariedade policial, os músicos boicotaram o festival, e as músicas concorrentes foram executadas em volta da fogueira do acampamento, sem competição alguma. Eu, inclusive, que nunca fui usuário de drogas e nem fui importunado pela polícia, aderi a tudo, afinal era também um concorrente.
À noite, foi redigido um manifesto contra o ocorrido, e um músico se dirigiu ao palco para lê-lo. O dono do som quis desligar a aparelhagem, mas foi gentilmente convencido por um rapaz que ameaçava jogar um amplificador dentro d água.
Lido o manifesto, subiu ao palco o irmão do cantor Jessé, que pegou o microfone e começou a falar assim: “Gente, eu queria dizer que o Jessé não tem nada a ver com isso…” e foi interrompido por uma laranja voadora que lhe acertou o rosto. Então começou a correria, o Jessé e seu irmão para um lado, o dono do som (com o som) para outro, todas as lâmpadas do local foram quebradas, enquanto um coro entoava “Zé Maria demagogo, festival eleitoreiro”.
Esta foi também a última noite em que fiquei de pileque na minha vida, me lembro bem (ou melhor, não me lembro de nada). Só quando acordei de manhã é que ouvia umas vozes compadecidas dizendo: “Coitado…” ou então “Foi o único que dormiu neste acampamento cheio de mosquitos…” e aí vi que falavam de mim.
No dia seguinte, estavam todos ainda comentando o ocorrido, quando alguém sugeriu: “Vamos navegar pela lagoa em cima do palco!” Enquanto as pessoas iam embora, uma multidão correu para o palco flutuante, cortou as amarras e esta foi a última visão que tive daquele festival: o Roberto (o chileno imigrante ilegal, lembra?) meio pendurado, tentando subir na traseira de uma caminhonete que já estava em movimento, enquanto as pessoas remavam pela lagoa afora, usando o palco como barco. Sinceramente, dá pra imaginar? Acho que foi o melhor festival de que já participei. Até a próxima.
(A seguir: uma missa termina em pancadaria em pleno festival)
Abraços,
Líbero (email: penello@escelsanet.com.br)