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No tempo dos dinossauros: morte no Festival de Alegre

Olá! Quem escreve daqui é o Líbero e eu estarei com vocês toda semana, contando alguns casos bem absurdos que aconteceram há muuuiiiito tempo na cena musical capixaba. Antes do texto inicial, vai um pequeno perfil deste que voz escreve:

Nome: Líbero Penello de Carvalho Filho
Nascimento: 13/07/62
Profissão disfarce: Advogado
Profissão secreta: Musicólogo e musicófilo
Caracteristicas físicas: o elemento mede 1,80 m de altura, pesa 90 kg, cor branca, cabelos castanhos escuros. Usa óculos.
Atividades subversivas: foi muito visto no final dos anos 70 e início dos anos 80 em atitudes musicais suspeitas em festivais no ES e em MG. Investiga-se suas atividades subversivas como baixista de vários músicos, inclusive da dupla Henrique e Tadeu que, em 1981, foi convidada a depor no DOPS e explicar o refrão de sua música “Ombros Estrelados”: “ombros estrelados por aí a comandar/mas nosso povo forte um dia ainda há de lutar.” Atualmente parece que regenerou-se e casou com a médica Denise, com uem tem dois filhos, Isabela e Rodrigo. Estudou música em BH-MG.


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Aconteceu no Festival de Alegre de 1981. Era o segundo festival, apenas. Era novidade, esse tal de “Festival de Alegre”, e era uma época em que em cada esquina havia um festival. Competir era bom, mas o grande barato mesmo era aprontar.


A cada ano aparecia uma figura mais exótica. Neste festival em questão, tudo corria normalmente, o que quer dizer que a cidade estava de pernas para o ar, com um autêntico desfile de peças raras pelas ruas. É bom lembrar que há 21 anos atrás ninguém seguia uma moda específica, e todos literalmente “piravam” quando iam aos festivais. Não havia brigas como hoje, e o número de pessoas era muito menor nos eventos. A única moda era gritar “Fora Figueiredo!”, pedindo que o presidente do país abandonasse o palácio.


Nós achávamos que já tínhamos visto de tudo em termos de bizarrices de festival. Só para exemplificar, uma vez as pessoas fretaram um ônibus, roubaram um bode na beira da estrada, e foram de Vitória a Alegre dando cachaça ao pobre animal, soltando-o na rua quando chegaram.


Pois bem, achávamos que já tínhamos visto de tudo quando, numa bela manhã, lá pelo segundo dia de festival, fomos surpreendidos por um cortejo fúnebre que passava por toda a cidade. Várias pessoas seguiam em procissão, enquanto na frente de todos seguia um dos artistas participantes do festival (não me lembro mais o nome), aos prantos, e que gritava: “Por que, por que isto aconteceu com ele, como poderei viver sem ele? Me levem junto, eu quero morrer!”


Assustados, fomos ver quem havia morrido, certos de que tinha sido alguém importante, pelo desespero do pobre rapaz que ia à frente do cortejo e pelo número de pessoas que tudo acompanhavam. Para completar a cena, junto ao cortejo fúnebre seguia um outro rapaz tocando um bumbo, enorme, retirado de uma bateria, que marcava o ritmo da caminhada lúgubre, e assim todos atravessavam a cidade.


Quando chegamos perto do rapaz que puxava a procissão, reparamos que não havia nenhum caixão por perto, mas somente uma caixinha de sapatos que o chorão levava no colo. Na mesma hora uma idéia horrível nos ocorreu: quem morreu foi um recém-nascido! Que horror! E justo em pleno Festival de Alegre! Em seguida, porém, reparamos nas pessoas que seguiam o cortejo: todo tipo de gente estranha, como que acabados de chegar de Marte, e não parecia haver nenhum parente do morto.


Não aguentando mais, perguntamos: “Como era o nome da criança?” O rapaz parou de chorar, olhou para mim com o olhar mais sofrido do mundo e, por sua vez, perguntou: “Que criança?” Nessa hora pensamos ter dado um fora, e o enterro talvez fosse de um anão, mas seguimos firmes: “Esta que está aí dentro desta caixa de sapato.” E o rapaz, com o olhar ainda mais sofrido: “Não é uma criança. É o meu ratinho de estimação, que eu matei sem querer ao dormir em cima dele esta noite…”. Coisas que só aconteciam no Festival de Alegre. Muito mais virá por aí.


(Na próxima coluna: o dia em que o falecido cantor Jessé e seu irmão quase apanharam no Festival de Jacaraípe de 1982).

Abraços,
Líbero (email: penello@escelsa.com.br)

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