Manimal lança seu 3º e melhor disco
O amor, todos dizem, é universal. O congo é a manifestação cultural mais forte do Espírito Santo nos dias atuais. E o mar, bem, o mar é… azul! Inspirado nessa irrestível tríplice, o Manimal, com tudo azul na carreira, mescla com intensidade ainda maior o universal e o regional, em seu terceiro disco, “Espírito Congo”.
O novo trabalho foi apresentado a imprensa e convidados na noite da última terça-feira, durante festa realizada no Cais do Hidroavião, em Santo Antônio. Antes da festa, os cinco “manimais”, Alexandre, Amaro, Fábio, Queiroz e Ronaldo, conversaram descontraídamente por 1 hora e 30 minutos com cerca de 15 jornalistas capixabas, numa escuna ancorada perto do local.
De acordo com os integrantes, este é o disco mais congueiro (logo, regional) e ao mesmo tempo mais pop (logo, universal) da banda. Depois de definir o “rockcongo” no disco de estréia, e deixá-lo meio que em segundo plano no álbum seguinte (“Tow-Tow”), o Manimal volta com os tambores em primeiríssimo plano. Amaro Lima explicou o porquê dos dois primeiros discos não terem uma marcação tão forte dos tambores de congo como esse terceiro:
“No 1º, não havia como gravar bem o tambor de congo, nossa maior dificuldade foi fazer em estúdio o tambor soar tão pesado como nos shows. A partir do Tow-Tow já começamos a usar o congo não só nos ritmos, mas nos discursos das letras, falando da cultura popular”. Alexandre prossegue: “Nesse terceiro disco soubemos traduzir o congo melhor. A gente começou a ter essa sacação agora, tanto é que decidimos gravá-lo aqui, não saímos do estado nem mesmo pra mixar, pra não perder em nenhum momento a característica”. “Extraímos dos tambores a máxima sonoridade que eles podiam dar”, finaliza o percussionista Fábio Carvalho.
De fato, os tambores não só aparecem “a todo vapor” como também fundidos a um sem número de estilos. “Espírito Congo” não traz apenas “rockcongo” ou “popcongo”: há o congo-reggae “Marina”, o congo-elétrico “O congo, o mar e o amar”, o congo-hardcore “Velho da Palmeira”, o forró-congo “Na puxada de rede”, o techno-congo “Mandinga do Congueiro”, o congo-bolero “Amor Matador” e o samba-congo “Bendito Benedito (um breve congo enredo)”. “É fácil trabalhar o congo com qualquer outro estilo”, explicou Léo Caetano, que cuidou dos loops, samples, sequencers e teclados do disco.
E a overdose não é só do ritmo folclórico. Das dezessete faixas, pelo menos nove têm a palavra “amor” ou algo sobre relacionamentos amorosos. “O Manimal é uma banda romântica”, sentencia Fábio, entre gargalhadas. “Vivendo num lugar chamado Espírito Santo, onde se acorda olhando o mar, você não vai ser romântico?”. Amaro endossa: “Somos uma banda completamente emotiva”. E Fábio retoma a palavra: “Eu chorei com o release do Edu Henning! Outro dia a gente estava esperando o Fantástico começar, e enquanto eu fazia churrasco e servia a todos, os caras sentaram na frente do Faustão e ficaram. Daqui a pouquinho sai um por um, todo mundo chorando, com a história da Vanessa Jackson! É realmente uma banda emotiva”, contou, para mais uma sessão de gargalhadas.
Com tanta emotividade, teria o lado contestador de músicas como “Quero Entender” ou “Eu não nasci pra ser pobre” ficado de fora das letras de “Espírito Congo”? Alexandre acha que não: “Falar de amor pode ser algo contestador também. Na música Barco do Amor, quando a gente fala que só o amor pode nos salvar, não é num sentido banal. A indústria e a cultura contemporânea banalizaram muito o amor, então quando se ouve um verso desses, a primeira visão é de que aquilo é banal”. “E há outras letras contestadoras sim”, diz Fábio. “Esse congo, O Velho da Palmeira, é contestador pra caramba. Essa coisa do oh, oh, oh, ai que saudade da fazenda do sinhô, pô, o cara está liberto mas está com saudades da fazenda, porque está vivendo pior ainda”.
Como poderia ser “traduzido”, então, esse disco de letras românticas, letras contestadoras e vários ritmos mesclados ao bom e velho congo? “Esse CD se traduz no próprio nome. A alma dele é congo. A gente demorou quase cinco meses pra gravá-lo, houve sessões de gravação de quatro horas das quais não aproveitamos nada, porque não sentíamos essa alma, esse espírito congo no que foi feito. Acho que o grande resumo é a alma da batida, que está com a gente desde o primeiro CD, mas que nesse está à flor da pele”, filosofa Ronaldo.
O bom resultado obtido no disco foi creditado ao clima das gravações. “Esse foi o disco com o astral mais bacana que a gente viveu no estúdio”, declarou Fábio. Até dentro dele, definido por Amaro como “um ambiente frio”, houve espaço para a emoção. “O ápice foi a gravação de “Amor Matador”, com o mestre Maurício de Oliveira. Ele chegou, passou talco nas mãos e soltamos lá o que a gente já tinha gravado pra ele poder gravar. Rapaz, quando o homem começou a solar, foi igual a desenho animado: todo mundo ficando com os olhos arregalados e vermelhos. A gente saiu de fininho, um por um. Todo mundo abriu a cara de pura emoção, chorando mesmo, igual criança”, contou Ronaldo. “E no final ele ainda perguntou: está bom pra vocês”?
Com o álbum nas lojas desde o final de julho, o Manimal pensa agora no lançamento oficial, que acontecerá no dia 14 de setembro, na festa de comemoração dos 25 anos do bairro São Pedro. Voltar a tocar nos exterior também faz parte dos planos da banda. De acordo com Alexandre Lima, um cinegrafista francês acompanhou o processo de gravação do álbum. As imagens vão dar origem a um documentário, que estará pronto até setembro e que deve ser exibido em breve na TV da França. “Além disso”, completa Fábio, “esse cara produz um festival por lá, isso deve nos abrir portas. Eu acredito que esse disco vai nos levar muito mais longe, já fomos até a Bélgica, agora acho que vamos parar no Japão”, sonha o percussionista, antes de explicar que nas duas vezes em que foi para a Europa, a banda tinha apenas um show em vista, mas acabou fazendo mais de dez.
Nesse momento, inclusive, o grupo faz questão de afirmar a importância de seu pioneirismo para a cultura capixaba. Atualmente as “febres” da cultura local são o congo e bandas como o Macucos e Casaca, que assim como o Manimal, fundiu o ritmo à música pop. “Mas quando começamos, o congo não era nada, era coisa de preto, bêbado e cachaceiro. Hoje está nas rádios, está no Faustão, está nas multinacionais”, lembra Fábio, referindo-se ao fato da música “Na puxada de rede” ter sido tocada no programa da Globo no último domingo e ao Casaca, que assinou contrato com uma grande gravadora. E puxa mais a sardinha: “Somos os maiores divulgadores desse estado”.
Sendo o Manimal a banda com carreira mais consolidada no estado (os dois primeiros discos venderam 30 mil cópias e o terceiro já caminha para a marca das 5 mil cópias, em menos de um mês), não estaria na hora de ir para uma grande gravadora (há rumores de que eles estariam de namoro com a Universal Music)? Alexandre Lima, com a experiência de quem é filho de um ex-executivo da Sony e já se decepcionou com um grande selo (o 1º disco da banda foi distribuído pela Polygram), parece não ter pressa: “Há propostas, mas por enquanto é algo bem tímido”, despista. “A indústria fonográfica mundial está vivendo a maior crise de sua história, o mercado brasileiro está tomado pela pirataria, mas aqui no ES as vendas continuam crescendo. As gravadoras estão olhando pra cá principalmente por isso. Mas é preciso que as bandas abram os olhos para não serem congeladas”, finaliza.