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Entrevista com Lordose

Com mais de dez anos de carreira e lançando, depois de cinco anos, seu segundo disco, os roqueiros do Lordose, agora sem o “Prá Leão”, dizem que a banda nasceu de novo neste ano. A nova fase está refletida no novo disco, “Todo mundo está feliz aqui na Terra”, que segundo a banda tinha tudo para ser um disco ruim, “mas que ficou mesmo muito bom”. A crítica, que aprovou quase que com unanimidade o trabalho, e o público, que voltou a ver no Lordose uma das principais bandas do movimento capixaba, pelo jeito, concordam. Nesta longa entrevista ao Central da Música Capixaba, os integrantes Adolfo (vocalista), Serjão (vocalista) e Sandro (baixista) falaram sobre as gravações do CD, sobre a nova fase da banda, sobre a mudança na sonoridade, sobre o show de lançamento do disco, sobre a profissionalização do mercado musical capixaba; criticaram a tentativa de imprensa e artistas de definir o que é a identidade cultural do capixaba; e contaram curiosidades sobre o novo CD e as novas músicas. Em “off”, revelaram, por exemplo, que o hit “Um Indivíduo” não iria entrar no disco. Quer saber mais? Então confira a íntegra da entrevista imperdível, gravada há duas semanas na sala do “Novo Canto do Brasil”.

Para começar, falem sobre as gravações do “Todo Mundo Está feliz aqui na Terra”…
Sandro: Prá mim, a gravação do CD funcionou mais ou menos da mesma forma da do primeiro cd, no sentido de que foi feita uma espécie de compilação de coisas que a gente tinha, coisas antigas guardadas, até mesmo de coisa que a gente ainda não tinha de músicas, coisas que tocávamos há muito tempo e ainda não tinhamos gravado, e coisas novas. Claro, várias coisas ficaram de fora.

Qual o conceito de disco?
Adolfo: Bicho, eu defino assim, é um disco de pop/rock brasileiro.

Mas tem uma linha temática?
Adolfo: Pô, eu acho que o tema é o que está na capa do CD, é satirizar o que der prá satirizar né, tirar onda de um monte de coisa, e fazer as críticas sem panfletagem, questionar certas instituições, certo hábitos…

De uma forma camuflada…
Sandro: Sem cair naquela mesmice, aquele negócio de ficar falando sempre o óbvio né…
Adolfo: sem entregar o jogo.

Voltando às gravações, em que a produção do maestro Flávio Modesto foi melhor para a banda? Vocês chegaram com os arranjos feitos ou foi ele quem trabalhou isso?
Serjão: Ele resolveu com muita facilidade os problemas que a gente tinha. Foi uma escola, o cara ia nos ensaios, a gente tinha determinados problemas e ele resolvia.
Adolfo: Problemas de sequência harmônica de composição.
Serjão: A gente tinha, por exemplo, uma sequência harmônica numa música que não ficava legal, ele identificava que aquilo não era bom, a gente refazia, ele dava umas idéias, e foi assim. Na realidade, ele trabalhou junto com a gente e dava o caminho e as opções que a gente tinha prá seguir.
Adolfo: Se sobrava ou faltava algum acorde, ou se a combinação na era boa e tal, ele chegava pro compositor e tal, prá tentar mudar, sempre pedindo “cara, ó, faz alguma coisa nessa linha”. Ele, durante todo o tempo, respeitou a criação da banda. Ele já havia sido roqueiro, mas hoje só lida com orquestra…
Sandro: Também ajudou a galera a desenvolver a criatividade em cima de quem tava falando, nunca dava pronto.
Serjão: Ele não deu o peixe em nenhum ponto, ele ensinou a pescar.
Adolfo: É isso até que a gente pode usar lá prá primeira pergunta. A gente não dá o peixe… e nem ensina a pescar (risos). Não tem esse papo de você achar que é dono da criação, ela continua criação na cabeça das outras pessoas…

Houve uma troca de integrantes durante as gravações. Na entrevista coletiva antes do lançamento do CD, vocês disseram que limaram as músicas que tinham a cara da formação antiga e incluíram as que tinham a cara da nova formação. Qual era a cara antiga e qual é a nova cara?
Adolfo: Rapaz, em primeiro lugar, a gente teve um processo de desânimo muito grande durante a gravação desse CD, e a gente conseguiu digerir muito bem, isso não tá nesse disco, a gente eliminou, evacuou mesmo, um processo fisiológico! Havia vários membros cansados da banda porque os arranjos eram cansados, velhos, enjoados. Sandro, por exemplo, toda hora reclamava, tava insatisfeito. A gente conseguiu jogar isso tudo fora, não sei como na verdade, porque o CD ficou assim, totalmente alto astral, redondo (risos). Mas isso que o Serjão falou na entrevista que a gente jogou fora, que não tinha a ver, eram músicas nesse clima, não rolaram, duas não rolaram porque o maestro ia mecher até nas composições, mas a gente não teve tempo, e outras que a galera não curtia mais. A nova formação pegou um gás muito maior que a formação cansada…
Serjão: Tanto que eles saíram né cara, era até um processo de saída, aquelas músicas eram desanimadas, os caras já não estavam no astral da banda, de ter a banda, de estar lá, dando gás por isso. Quando entrou sangue novo, as músicas receberam um novo ânimo, e a partir daí foi uma seleção natural, o que ficou tá no disco, o que não ficou são aquelas músicas…
Adolfo: São aproveitáveis as composições, boas até, mas em outros arranjos. A gente tem repertório prá uns dois discos na gaveta. (Sandro olha espantado). Eu tenho a lista, tá espantado Sandro, tá duvidando? Eu te mostro! (gargalhadas). Mas rapaz, esse disco é interessante, porque tinha tudo prá ser o maior fracasso. É incrível como o trabalho conseguiu superar até o baixo astral de certos momentos, assim, nefastos da produção. Tomou um corpo que ninguém esperava que fosse surgir, saiu um trabalho altamente feliz, as pessoas estão gostando muito, até da capa, tudo uma confusão cara, não sei como ficou tão bom.

Falando em encarte, tem uma foto nele de uma criança, e está escrito “Pedro (de lara)”. Tem alguma coisa a ver com aquele cara do show de calouros?
Adolfo: A foto é do filho do Serjão.
Serjão: Tem, tem a ver. Lara foi inspirada numa criança, por conta disso a música é dedicada às crianças, no clipe dela tem a Manuela, que é uma atriz infantil. Quer dizer, a música tem esse esquema infantil, é uma criança desordeira. Por conta disso, Pedro entrou aí, na realidade eu pedi, foi um ato coruja mesmo.
Adolfo: Mas foi semanticamente justificável, e pô, pedro, de quem? De Lara! (risos)
Serjão: Ou não, pode ser o cara que levava lírios lá no júri do Silvio Santos. Aquele cara é muito bom. E ele foi o papai papudo também, que é um palhaço. (gargalhadas)

E vem cá, como as pessoas podem ver esse clipe?
Adolfo: As pessoas não podem ver (risos). Não tem cópia prá distribuir também não, a banda é muito desorganizada, pode botar aí. A banda é excelente, mas desorganizada. Só que isso vai acabar. (gargalhadas de todos) Sério! Vai acabar essa desorganização bicho, vai ter cópia de video, vai ter dinheiro, vai ter tudo. Rapaz, vai mudar 78% nos primeiros três meses!

É o Edu Louzada que vai ser o empresário de vocês agora né?
Adolfo: Bicho, Edu Louzada, Gustavo Grilo e Paula Bastos estão fechando com a gente, por isso que é 78% de modificações nesses primeiros três meses.

Que modificações são essas?
Adolfo: Organização, metas, agenda cheia, entendeu?
Serjão: Capital de giro.
Adolfo: Eles vão estar investindo em vender a banda, que já tem o respeito de muita gente no mercado e tal, mas tem que ter uma estrutura de venda, sem a venda você não sai do lugar. E aí bicho, os caras vão estar sempre raciocinando, vão saber discernir onde é bom a banda estar ou não, onde dá prá tocar, em troca disso ou daquilo, onde sobra um cachê, não sei, é um pessoal experiente. O Edu tem o Manimal há um tempo, é empresário de show. Gustavo e Paula já venderam muito Trio Forrozão pro estado inteiro, vendem o Casaca, o Pé do Lixo, tem tempo no mercado, já tiveram casa de show, um monte de coisa. E pô, fizeram a proposta prá gente e a gente precisa disso, sem administração hoje, sem alguém prá organizar sua vida, não adianta fazer. A gente não consegue fazer, não sabe, não gosta, eu odeio administração, todos nós da banda odiamos administração, não dá certo. É mesma coisa que colocar os empresários prá criar as músicas…

Sobre o show de lançamento, vocês pensaram em fazer algo grande. Não acabou rolando e teve o show na Megazoom. E parece que não foi o que vocês queriam…

Adolfo: Não foi não, foi ótimo enquanto foi ótimo, depois não foi muito bom. Bicho, a gente pensava, pro lançamento, em fazer um show gratuito na UFES, com 3 ou 4 bandas capixabas convidadas, mas isso dependia de patrocínio, e daí não rolou. Prá es se show que teve na Megazoom, a gente fez uma sequência, que também não é uma coisa fácil, uma sequência que começou detonando tudo. A gente tinha um final que pô, também era lá no alto. Serjão fez a sequência, ele tem experiência nisso, ele é radialista, trabalha com isso. Aí bicho, os caras (Charlie Brown) começam a tocar lá, também pô, problema de produção, mais uma vez desorganização, a gente tinha um show de 1hora e 20 minutos, por aí, o normal é 1 hora. A gente preparou um lance e na verdade não executamos aquilo, porque a conjuntura fez a gente tomar um outro caminho. A relação com a platéia no primeiro tempo foi excelente. Agora, tudo cara, tava muito quente na boate. E tinha ar condicionado, mas não foi ligado, as pessoas não aguentam. Mas se bem que aquela boate está decadente né, aquilo é um ambiente decadente.
Serjão: É, tem uma cabeça de burro lá.
Adolfo: Vou dizer mais, a gente até seguraria mais tempo tocando, mas também tinha antes do Charlie Brown um som alto lá fora que tava fora do script, já estava combinado que não teria som porra nenhuma. Então, a gente tirou proveito do que deu prá tirar, tinha muita imprensa.
Sandro: Fomos barrados na porta, na área vip.
Adolfo: Quer dizer, furou um monte de coisa, entendeu? Mas isso não interessa, rolou coisas que não são comuns, mas tinha as bolas de soprar, teve bolo no final, e o palhaço foi, cara, o Caramelo.
Serjão: O bolo era muito pequeno, mas foi ótimo, quem tava ali, merecia o pedaço.
Adolfo: Já pensou se tivesse aquele monte de gente prá um bolo daquele tamanho. A gente se adequou ao bolo. (risos)

Vocês de certa forma já vivem de música, você (Adolfo) escreve sobre música, o Serjão é radialista, enfim. Mas na coletiva, disseram que querem agora viver da banda. Assim, na idade que estão (não chamando-os de velhos), vocês já tem uma vida mais ou menos estabelecida… tem disposição mesmo prá largar isso, e sair com a banda prá tocar fora e tal?
Adolfo: Pode chamar de velho, pode chamar! Mas bicho, eu não tenho mais disposição é prá não largar isso que eu tenho. Sei lá, a gente obedece o destino e desobece as circunstâncias da vida prática né? Porque o mais fácil seria realmente a gente seguir carreira de comunicador, eu poderia ser jornalista de qualquer empresa aqui, buscar um progresso, querer virar editor-chefe da casa do caralho, e tá tudo beleza. Mas pô, ao contrário, eu não estou a fim. Ele, Serjão, é rádio, ele faz um programa que tem tudo a ver. Mas não sei, a resposta que eu posso te dar é essa, eu não aguento mais é fazer o que eu faço. Acho que todo mundo na banda pensa assim.
Serjão: É, senão a gente não estaria aí há 10 anos dando murro em ponta de faca. Não é fácil. Acontece muita coisa legal, mas acontece muita roubada também, entendeu? E apesar de tudo a gente engole muito sapo, engole seco, mas vai em frente, porque é disso que a gente quer viver. É o que a gente acredita que é o melhor prás nossas vidas.
Adolfo: É o destino mesmo bicho, destino não num tom religioso, num tom existencial. Pô, a coisa que te segura mais, você tem que seguir. E é difícil porque estava num caminho que tinha muita coisa mal resolvida, financeiramente tinhamos que ficar cobrindo. Mas tem a galera que já vive de música, o baterista toca, grava, toca na orquestra filarmônica, dá aula prá caralho, Jean Pierre também, mas a galera tá toda a fim de fazer só Lordose.

Com esse plano então de estar levando a carreira de um jeito mais organizado, já está previsto o lançamento de novos discos com maior frequência? Afinal, o primeiro CD de vocês saiu há cinco anos…
Adolfo: Pô, em dois meses a gente consegue gravar um novo CD (risos). Uma semana prá gravar, uma prá mixar, dois dias prá masterizar, e o resto prá prensar. Vamo botar um mês prá ensaiar né? É, três meses. Não vai acontecer isso, mas material a gente tem.

E o Lordose pretende focar seu trabalho só aqui no estado ou quer ir prá fora também?
Adolfo: Esse, por exemplo, é um papo que os caras comandam, os empresários e tal. Eu acredito que seja agora um lance deles, trabalhar o Espírito Santo bastante. Eu tava conversando com Paula, e a galera dos anos 80 tocava muito mais no interior do que a gente toca hoje. Dani Boy, que saiu daqui há pouco, era do Pó de Anjo nos anos 80, ele conhece…

Eu sou do interior também, morava em Guaçuí
Adolfo: Tem quantos anos?

Dezoito. Hoje, de fato, não rola show no interior, lá em Guaçuí mesmo raramente tem shows de bandas daqui da Grande Vitória, segundo me contam. Não sabia que aconteciam esses shows por lá…
Adolfo: Pô, você não lembra…
Serjão: A gente tocou em Guaçuí, cara, você devia ter uns oito anos de idade.
Sandro: Lá tinha até show de heavy metal cara.
Adolfo: Pois é, em Ibiraçu cara, eu vi o Thor em Ibiraçu, Fábio Boi lá, cabeludaço, calça colada, Thor em Ibiraçu. Pô, onde que hoje o Silence Means Death (atual banda de Fábio Boi) vai em Ibiraçu? Pô, Pó de Anjo era uma banda “popaça” mesmo, foi o auge do pop aqui, Juca era o Renato Casanova da época.
Serjão: O Rock in Rio, no início de 1985, ajudou muito aí nesse crescimento do rock.

Tá, não só no interior, mas também na Grande Vitória, vocês não acham que o público de rock diminuiu? Aqui cresceu muito o reggae, por exemplo…
Adolfo: É mesmo, cresceu o reggae.
Sandro: Eu acho que cresceu o público em geral, independente do estilo, acho que cresceu o público de música local, muito.

Em 1993, vocês estouraram com a música “Jullietzche”. Acham que aquele público ainda acompanha a banda?
Adolfo: Estourou mesmo, virou febre mesmo. Eu acho que acompanha sim, e estamos arrumando mais gente até. Essa música “Um Indivíduo” tá meio febril, bicho, você vai aos lugares e tal, mas ainda tem muita gente que acha que é de banda de fora.
Serjão: Na época da Jullietzche foi assim também, o pessoal pensava que era Titãs, essas coisas.
Adolfo: É. Agora, a inocência, que é muito importante prá criação, não cabe muito no marketing, entendeu? O marketing hoje tem que ser muito mais agressivo que naquela época, ao mesmo tempo que você tem uma platéia muito maior para a música capixaba, ou então você tem uma festa com bandas capixabas, você pode ter certeza que vai dar público. Agora, se for uma banda só tocando, é difícil, tem que estar estouradaça, tem que estar nas rádios populares. E elas não tocam bandas capixabas. A Litoral, que é a líder, só toca Casaca, geral, e está tocando a gente, tocando “Um Indivíduo”. A gente quer tocar nas rádios populares, nas rádios de frequência AM. Não existe esse papo de tocar só nas rádios segmentadas. Raimundos não toca só em rádio segmentada. Não existe fórmula também, mas pô, se você tem a canção própria prá isso, pô… aí é um trabalho de promoção do disco também.

Está faltando isso por parte das bandas capixabas?
Adolfo: Tem profissionais aqui que trabalham com isso há duzentos anos prás grandes gravadoras, como o Mignoni (Sony), o Casado (Abril Music e Trama), levam o disco prá rádio, vão promover o CD lá, nas lojas também. Esses profissionais, as assessorias de imprensa, estão começando a se relacionar profissionalmente com as bandas daqui.
Serjão: Hoje em dia você vê também que a Lona Records e Laser Discos estão com um trabalho de bancar prensagem, no caminho pelo qual a coisa tá indo, daqui a pouco o pessoal já vai estar investindo numa gravação de disco de uma banda que sabem que vai dar retorno, um trabalho de selo de verdade, que banca gravação. Dizem até que o Java Roots tá começando agora num esquema desses, o mercado está muito forte. Casaca vendeu 23 mil aqui dentro. Num selo pequeno, você pode vender seus 15 mil discos e viver de música, viver fazendo show, porque você não vai ter aquela ganância das multinacionais levando 98,8% do seu disco, vai ter menos, e vai ter show prá vender.
Adolfo: É 92%.
Serjão: É, eu exagerei, falei um número absurdo, mas você diminui essa porcentagem de lucro dos selos trabalhando com os daqui.
Adolfo: Você arrecada, tem como bancar esses profissionais de imprensa, de divulgação do produto, também a parte artística, uma direção eu acho que não é ruim, montar um show comercial, prá agradar uma multidão, também não é uma coisa fácil. Pô, você vai a festival aí, Abril Pro Rock, o Paralamas toca um monte de covers. Tudo que tem a ver, óbvio. Ah, é óbvio, tem que ter a ver, é mais elementar. Mas não é fácil, por exemplo, achar cover prá tocar, e é importantíssimo ter. Ou seja, está faltando mesmo uma constituição de equipes em torno dos grupos capixabas, mas parece que está no caminho. E é aquele papo do José Roberto (jornalista dA Gazeta), “vocês perderam o bonde da história”? Não, nós fizemos o bonde de história, só existe um bonde, uma história, pô, a gente tá aí, trilhando nosso caminho.

Ao mesmo tempo em que se profissionaliza, a cena capixaba cresce também, em número de novas bandas. A que vocês atribuiriam isso?
Serjão: É, prá quem tá começando, hoje em dia, você faz uma banda e grava um disco com a certeza de que você vai tocar em rádio, todas as rádios tem programa específico de música capixaba, e isso incentiva muito também o surgimento de novas bandas. E de repente você entra num festival como o Dia D, e vai ter um espaço legal prá tocar, prá uma multidão te ver, entendeu, isso seduz muito uma banda que tá começando, por isso que a gente vê esse crescimento.

Vamos voltar ao disco: houve uma mudança de sonoridade nesse álbum em relação ao primeiro, o som vai mais pela linha do pop/rock, até com um certo suingue nas músicas, antes era quase hardcore. Essa mudança foi um lance mais pragmático, prá atingir o grande público, ou foi natural?
Adolfo: Não cara, criação, arranjo, isso tudo é inocente, não tem utilitarismo nisso não. No começo da banda a gente era tipo Titãs, sabe, que no começo era punk prá caralho.
Serjão: Adolfo quando começou com a banda, a história era Dead Kennedys, o Lordose começou na realidade como uma banda mais punk que qualquer coisa, depois entrou os metais e a gente começou a mudar o som.
Adolfo: Era uma intenção Dead Kennedys, mas tinha a idéia também de formar uma orquestra, Tinoco ia comprar uma clarineta, o outro uma gaita, tinha três guitarras, o Ronaldo tocou cello um dia num ensaio, só que isso era incompatível, tudo doidera das idéias que a gente tinha de fazer algo tipo Frank Zappa, Mutantes, uma coisa bem psicodélica. Pô, a gente estava na UFES, né bicho, no começo dos anos 90. O Balão Mágico tinha acabado aí sua ação, tinha muita porra-louquice no ar ainda, graças a Deus… infelizmente não tem mais. Agora, a banda, no começo, não era o primeiro disco.
Sandro: O primeiro disco foi feito de músicas antigas com roupagens da época do disco, não da época em que foram feitas.
Adolfo: A gente tinha tudo, funk, lambada, era horrível, a banda era horrível, o instrumental horrível, vocal não vou nem comentar (gargalhadas).

E vocês tem alguma formação de estudo de música?
Adolfo: Não, não, eu estudei música quando era guri, mas não sobrou nada. Eu ouvi muita música.
Sandro: O baterista e o guitarrista da banda são músicos profissionais, estudaram, dão aula.
Serjão: Zen Renato também, tocou trompete na Escola Técnica, estudou música.
Sandro: Eu ficava ouvindo discos do Iron Maiden em casa e ia atrás no baixo.
Adolfo: É uma escola né, não é acadêmico, mas é uma escola. E Serjão era rato de karaokê.
Serjão: E também vi surgir o movimento de rock de Brasília, vi show do Aborto Elétrico, vi nascer Plebe Rude, vi nascer Legião Urbana. Nessa época eu estava em Brasília né, eu era rato de show, de show dessa galera, valorizando muito a música local, naquela época meu local era Brasília. E eu, pô, valorizava muito aquele som, bandas como Heróis do Dia, Escola de Escândalo, que não fizeram sucesso nenhum, mas eram coisas que a gente vivia naquela época, começo dos anos 80 era um movimento muito forte de música em Brasília, eu comprava os discos, tinha meu acervo só de música local.

Adolfo: Agora eu que faço a pergunta: é mais ou menos isso que você está vendo hoje aqui no ES, tem a ver?
Serjão: Ter, tem, ou melhor, ter, tinha. Mas é outra época, hoje tem mais facilidades, tecnologia. Naquela época, é o que eu falo, prá você gravar um LP, já era de uma gravadora, fora desse esquema tinham apenas as coletâneas como “Rock Brasília – Explode Brasil”, de várias bandas, como essa do “Dia D”, gravada ao vivo num show na rampa do Congresso Nacional. As coisas aconteciam também, de uma forma mais lenta. Mas em comparação com aqui, aqui demorou muito mais prá acontecer o que aconteceu lá. Daquela forma lenta brotou Capital Inicial, Paralamas, Legião Urbana, Plebe Rock e outras tantas.

Vocês acham que agora, com essa formação, a banda está coesa, querendo seguir nessa linha…
Adolfo: Pô, dez anos depois a gente está recomeçando a banda praticamente, a gente já fundou e refundou a banda mil vezes, cada novo integrante que entra é um novo fundador. Mas eu acho que, se a gente for bem administrado agora, vai. Você citou a idade, a maturidade… é uma formação mais exigente também, todos somos mais exigentes hoje.
Serjão: Há 10 anos nós tocávamos a troco de cerveja, uma grade prá cada um tava beleza.
Adolfo: Não foi bem feito e tal, hoje a gente não quer mais isso, claro. Não dá prá prever o futuro, mas se a gente conseguir fazer oito shows por mês, por exemplo, acho que fica todo mundo no Lordose por muito tempo. Só não sei também quanto tempo dura uma banda de rock, depois que você faz passa dos 40 e tal. Os caras do Ira! já passaram dessa idade e a banda acabou de lançar um CD muito bom, já os Titãs não, enfim, é a mesma idade, não sei, só acho que tem que continuar inocente, prá criar.

Uma curiosidade, sobre a música “Flautim & Tuba”: há quanto tempo você a compôs?
Adolfo: Não sei bicho, tem bastante tempo.

É que ela tem um lance que parece meio profético, aquele verso “Do céu cairá menos aviões / As coisas vão ficando como ainda não estão”…
Adolfo: (gargalhadas). Não, isso vem desses livros de sociologia, esse papo de nova ordem tecnológica, 3ª onda. É sobre o retorno ao ambiente econômico meio medieval, do artíficie que fazia as peças uma por uma, prá cada cliente. E hoje você tem no mercado, assim, com esse lance de fazer em série, muito mais modelos, e menos quantidade de cada modelo, isso aí na verdade tá no livro, não sei nem onde tá esse livro, não quero nem saber também, a gente lia na época de UFES, fazia sucesso na universidade. E lá dizia, pô, você manda os dados, e a fábrica faz uma roupa só prá você. Esse papo de máquina inteligente, que é uma burrice do caralho, nesse campo da fabricação tudo bem, problema são as bombas inteligentes né, que erram 10% dos alvos. Mas você entendeu o lance né? Não tem nada a ver com o avião batendo nas torres americanas não. Mas pô, esse lance de “profecia”, isso é planejado pela tecnologia. Com a videoconferência, vai haver menos viagens de negócio, menos aviões vão circular, e menos aviões vão cair. É por isso que a Embratel vai concorrer com a VASP, como diz a letra. Tá vendo como é ruim explicar? Perdeu todo o charme. Mas enfim, eu gosto bastante dessa letra, o refrão que o Serjão fez salvou a música.
Sandro: Essa música, inclusive, foi feita de várias formas, fizemos muitos testes, arranjos, foi a música que mais demorou prá ficar pronta.
Adolfo: Rapaz, isso é até uma redenção prá quem acha esse disco chato, porque bicho, quem achar esse disco chato, é porque não sabe como eram as músicas, no começo. Elas vem no violão de Zen Renato, que é um cara perturbado, no ótimo sentido do termo, e daí prá passar isso prá banda é uma doidera mesmo, tem que malhar, malhar, malhar, fazer um arranjo diferente.

Sobre essa coisa da mensagem das músicas, tem a “Um indivíduo”, que segundo vocês é uma música anti-globalização, e ela está tocando na Litoral e tudo. Vocês não acham engraçado, as pessoas cantam sem perceber o verdadeiro sentido da letra?
Adolfo: Mas a gente também canta sem entender nada. E isso da globalização a gente disse lá no dia da entrevista coletiva, foi foda, os caras queriam saber mesmo, tavam em cima… hoje já tem outro sentido (gargalhadas).
Serjão: Tem uma história do Renato Russo, que todo mundo cantava feliz da vida aquela música “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”, e ele ficava puto, tipo, “pára de cantar cara, a música fala sobre suicídio, não é prá ficar feliz”. Então, tem essa história, deixa o pessoal cantar do jeito que quiser.
Adolfo: Não é nosso, é de quem tá ouvindo. Agora, entender, eu duvido que alguém entenda. Tem alguma coisa prá entender ali? E prá que entender? É que a gente está na era do entendimento né, totalmente razão, mas na música a gente não tem essa obrigação de ser racional. Mas voltando ao lance da globalização, essa é uma música que combate a universalidade das idéias, tudo é histórico, você não pode pensar que, fora do tempo, você tem como estabelecer o que é com o que não é bom ou ruim. Lógico, esse papo de globalização é um palitó só, porque simplesmente unifica as idéias, as pessoas, os costumes, então tem o idiota, o cara que tem um palitó só, não é um palitó de roupa, se quiser entender assim pode.

No cenário cultural capixaba, onde se insere o Lordose, no que diz questão à identidade capixaba, já que ele não fala de congo, paneleira?
Serjão: Isso pra gente não é importante, já que o folclore não é só congo pra ser capixaba. Siecrist é capixaba, Dead Fish também. O Espírito Santo tem muita variedade, é um caldeirão. Eu acho a cena daqui mais rica que o lance do mangue beat.

Adolfo, você, em entrevistas para matérias que saíram na Gazeta, combate muito esse lance do Ufanismo, de um “fascismo” com essa questão de música capixaba. Qual o lado bom e qual o lado ruim dessa atmosfera ufanista?
Adolfo: É super ótimo as pessoas gostarem do que é daqui, mas é super péssimo as pessoas quererem engessar o que é ou não daqui, determinar o que é capixaba e o que não é. Isso não é uma crítica ao público não, acho que o público tá cagando e andando prá isso, mas a imprensa, os artistas, o pessoal do folclore, fica com esse papo de congo, que não representa a totalidade do que é o capixaba. Quem sabe dizer o que é capixaba? Pô, é uma palhaçada querer reduzir a uma manifestação, que obviamente é capixaba. No momento é correto você dizer que essa é a manifestação, ou é o material, sei lá que palavra que é, que mais empolga a galera. Será? É, parece que é mesmo. Mas não as bandas de congo, sozinhas. Dá certo dentro do pop. E o pop é capixaba? Foi o capixaba que criou o pop? Não foi. Então, esse lance da intolerância, do fundamentalismo e tal, é nesse sentido, eu estava numa roda outro dia e tal, zémaria não era capixaba, Kátia Rocha não era capixaba, Zé Moreira não, só o Casaca era capixaba. Aliás, Renato e Jura são paulistas. Entendeu? As pessoas não percebem que polenta é capixaba prá caralho! O ticumbi. Pô, o quê que o ticumbi tem de influência no bairro de Jardim de Penha. Ticumbi é capixaba e o bairro de Jardim da Penha é capixaba. Veio muita gente prá cá, de 150 anos prá cá. Tem polonês, negro, holandês, tirolês, austríaco, pomerano, alemão, açoriano, enfim, mistura total. As pessoas estão tentando forjar o que identifica a cultura do ES, aí eu me aborreço, porque esquecem dos italianos, dos negros, dos pomeranos…
Sandro: E fazer essas coisas prá quê? “Vamo catalogar e classificar, isso é capixaba, isso não é”.

Prá finalizar, uma pergunta bem clichê: O Lordose está feliz aqui na terra?
Adolfo: Eu acho que está, não é não, Sandro?
Sandro: Tá sim.
Adolfo: Por tudo que a gente falou aí bicho, que o trabalho surpreendeu a gente mesmo, saiu um disco super feliz, alto astral, e bem feito, lógico que podia ser melhor, mas foi uma produção barata, todo cuidado que a gente pôde ter a gente teve, e o resultado na praça parece que está sendo muito legal, então estamos felizes sim.

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