Entrevista com Herança Negra
É possível resumir, de maneira satisfatória, sete anos de trabalho em pouco mais de 60 minutos? Quando o meio utilizado é a música, e o trabalho, mais especificamente, é o da banda capixaba Herança Negra, é sim. Baseada no bairro Jesus de Nazareth, na periferia de Vitória, a banda está finalmente lançando seu primeiro disco, “De um povo guerreiro”.
Apresentando um som diferente do feito pelas outras bandas de reggae da nossa ilha, o disco traz ótimas canções, como o samba-rock-soul “Herdeiros Guerreiros”, a balada-reggae “Sempre Assim” e o hip-hop “Cego no Tiroteio”, mas destaca-se mesmo é pela gama de estilos: além do reggae, há rock, pop, samba, black music, hip-hop, dub, forró e ska.
Em conversa com o MúsicaCapixaba.com numa manhã de sábado, o vocalista Jonathan falou um pouquinho sobre este álbum, suas músicas e disse que precisa achar a caixa de uma loja de discos do Carrefour que indicou o disco da banda para o produtor Carlos Miranda (Trama): “tenho que dar um beijo na boca dessa mulher”, brincou.
Em linhas gerais, o que é o disco “Povo Guerreiro”?
Jonathan: Nesse disco a gente quis fazer uma homenagem aos nossos parentes, são pessoas que lutaram muito na vida e que são como o restante do povo brasileiro, um povo que rala pra caramba, toma toma na cabeça e continua com ela erguida. Um povo guerreiro. Também quisemos escancarar na capa o porquê do nome Herança Negra, pensamos nas pessoas que nos perguntavam isso. Antes a banda se chamava Vó Preta, e quando nos perguntavam por que esse nome, respondíamos: porque temos uma herança negra.
E como são letras?
Há a “Herdeiro Guerreiro”, uma letra do meu irmão, que fala um pouco sobre essa característica do povo brasileiro de ser guerreiro. Todo mundo na banda compõe, então são várias idéias, várias cabeças pensando. O disco fala de problema social, namoros, essas coisas. São quinze faixas que resumem os nossos 7 anos de trabalho, a cada ano a gente foi pensando e vivendo coisas diferentes, ouvindo e vendo coisas diferentes.
Vai haver um show de lançamento do disco?
É o seguinte, a gente botou o CD na praça pra ter um termômetro de onde e como fazer um show de lançamento, quanto público esperar e tal. A expectativa que a gente tem está sendo ótima, em cinco dias vendemos 500 cópias, sem estar na Laser Discos ou grandes lojas, só na base do trabalho de formiguinha ainda. Agosto está lotado de shows já acertados, então não vai dar pra gente fazer o lançamento oficial, mas estamos pretendendo fazer em setembro, a gente vai estar anunciando. Estamos pensando em chamar uma galera de outras bandas pra tocar conosco, fazer algo bem legal.
O show no Dia D, pelo fato de o CD ter começado a ser vendido lá, deve ter sido bem preparado por vocês. Os atrasos e problemas no palco em que vocês tocaram foram um balde de água fria?
Não foi um balde de água fria não, tudo que é mais difícil é mais gostoso. Lógico que atrapalhou um pouco, mas subimos no palco e foi ótimo. Tinha uma luz na minha cara no início, estava acabando o show do Casaca e o pessoal foi pro palco da gente. Eu não estava enxergando a galera, mas quando botaram a luz no público, eu vi aquele mar de gente, muitos com o nosso CD na mão, comprado lá mesmo. Foi super irado.
A banda perdeu um integrante recentemente, antes do show do Dia D. Por que que saiu?
A gente sempre tem um pouco de problema com baterista, não sei o que que é. Nosso primeiro, que ficou até 1998, foi o cara que compôs “Dia-a-Dia” e “Todo Homem”, o Alan Patrick, irmão do Barol, mas ele resolveu casar e saiu da banda. Aí veio o Léo Cobal, que gravou o CD, estava com a gente há quatro anos e também resolveu sair, quis engrenar na carreira de jornalista, ele está com um programa na Rádio Universitária aos sábados às 14:00 horas. Mas quem entra no Herança Negra nunca sai, ele continua amigo, hoje trabalha na nossa assessoria. E agora entrou o Júnior Radaelli na bateria, espero que fique muito tempo com a gente. (risos)
Além do Bob Marley, que é inspiração pra muitas (se não todas) bandas de reggae, que outros grupos do estilo que vocês ouvem e que mais influenciam o Herança Negra?
A gente houve muito Twist-a-Fire, que é uma banda evangélica de reggae, Steel Pulse, Aswad, Inner Cicle, Jacob Miller… pô, e a gente também ouve muito samba, forró, rock. Nossos guitarristas sempre curtiram rock n roll. Eu não vou falar pra um cara quem ouve Black Sabbath e Deep Purple há dez anos pra ele não botar distorção numa música, dizer que “reggae não é assim”. Pelo contrário, a gente quer que ele toque o que acha legal. Isso é botar um pouco da suas influências na sua música, a gente faz reggae, mas um reggae nosso.
Qual a sua opinião sobre o reggae capixaba?
Acho que o reggae em Vitória precisa se desenvolver mais um pouco, às vezes os programas de rádio ditam um pouco o que é o reggae, acho que Bob Marley, quando dizia nas letras que amava a Jamaica, ele queria que você amasse a sua terra também, ele queria que você colocasse as suas idéias, dando continuidade ao reggae. O rock está vivo até hoje porque evoluiu, veio Nirvana, New Metal, acho que o reggae tem que seguir essa tendência, sem perder sua base. Daqui do estado, eu e meu irmão, pelo menos, gostamos muito do Java Roots, que faz um som maneiro, a gente ouve Salvação, que foi uma das primeiras e tem idéias legais, o Macucos, o Rastaclone, mas realmente às vezes as bandas partem muito pra um mesmo caminho, acho. Cria-se um rótulo e não se consegue sair dele. A galera pensa que reggae é só ficar lá arrastando, arrastando, botar um chaca-chaca, uma bateria paradinha, um camisa de Bob Marley, fumar um baseado e enrolar o cabelo
Quais as pretensões da banda da banda em termos de mercado? Já dá pra viver do Herança Negra?
A gente quer se fixar aqui e temos a ambição de ir tocar fora também, mostrar nosso som pelo Brasil, mas sem ir morar por lá. Ainda não dá pra viver de música, fazemos uma média de 5 shows por mês, mas continuamos trabalhando em outros empregos. Pô, tem integrante que sai Flechal de bicicleta e vem aqui pra Jesus de Nazaré, onde fica a nossa bat-caverna, ensaiar.
Faixa-a-Faixa:
Cidade do Reggae: um reggae muito pulsado, com guitarra, um pouco de dub. Fala dessa cidade maravilhosa que é Vitória, a gente fez esse som em 2000, um momento em que o reggae estava fincando forte aqui.
Sempre assim: foi a primeira música que a gente fez, fala um pouco da história de cada um de nós. É uma balada, a gente pensou em fazer algo meio Legião Urbana, uma banda que a gente gosta muito.
Adeus Menina: é uma música sobre uma antiga namorada, faz a gente lembrar das mulheres. É um roots meio apaixonado.
A Força de Jah: nessa a gente fala de Jah com um pouco de guitarra e batidas pesadas, um pouco de atitude, com letra forte. Sobre o verso “te peguei meu irmão fazendo maldade com o coração”, foi pro meu irmão, por causa das brigas que rolavam entre nós, isso machucava o coração.
Herdeiros Guerreiros: é uma música em que a gente tenta envolver ritmos brasileiros e protesto social, tem samba e hip-hop, guitarras pesadas, é o tema do disco, todo mundo tem uma tendência negra no Brasil, uma herança negra, fala um pouco disso, e de política também.
Incidental: a gente queria ter algo diferente no CD, são quinze faixas, queríamos uma coisa que descansasse os ouvidos, catorze músicas direto eu, particularmente, acho chato. Então colocamos essa faixa no meio do disco.
A Nova: foi uma música que a gente preparou uma semana antes de entrar no estúdio, antes tinhamos a melodia mas não a letra. Sempre que a gente ensaiava o pessoal sugeria, “vamos tocar aquela música nova que a gente fez”, daí o nome “A Nova”. Ela tem uma influência muito forte de black music.
Som do Verão: é um ska, a gente até 99 não conhecia o ska, foi meu primo que mostrou um CD e aí a gente fez essa música.
Nosso Amor: é uma homenagem ao meu pai, ele é do Nordeste, um dia ele me mostrou um discos antigos de Luiz Gonzaga, falou da terra dele.
Nos Caminhos do Reggae: tem um quadro na minha casa, estou até olhando pra ele, que tem um caminho. Tive um desentendimento com nosso guitarra, o Kim, e nesse dia conturbado eu fiz a letra, inspirado nesse quadro.
Babylon System: tem uma parte dessa música que eu gosto muito, “Enquanto houver esperança, quero ver sorrir cada criança”. A criança é esperança, acho que um dia vai ter um fim essa crise que o mundo, o Brasil, está vivendo. Essa música é de 99, mas ainda é realidade.
Todo Homem: Fala sobre o homem, que tem poder de construir e destruir, mas está mais destruindo, acabando com a natureza, matando seus semelhantes. É um som mais levadão, pop, eu gosto muito da parte final “basta você querer, que você vai entender, que no amanhecer do dia, uma rosa pode florecer”. No final até muda bastante a música, como o Pearl Jam, que faz muito isso nas músicas deles.
Dia-a-Dia: fala um pouco sobre nossas diferenças, já que a gente é irmão, porque que a gente briga? E também sobre a questão de haver crianças e idosos na rua, passando fome, enquanto outros passeiam de carrão importado e ganham muita grana.
Insônia: Não tem nada sobre insônia nessa música, mas o nome veio porque passei praticamente uma noite inteira fazendo ela, em 99. É uma balada meio árabe, inspirada numa música do Cidade Negra, “A Minha Irmã”.
Cego no Tiroteio: Fiz pra um primo do Barol que foi assassinado na festa de São Pedro, por isso que tem o verso “São Pedro é mais que passa pelo rádio da polícia”. Quando aconteceu o assassinato, fiquei com aquele negócio na cabeça e fiz a letra na escola. O som e um hip-hop, a gente teve a idéia de chamar um DJ, e agora em junho ele veio pra botar os scratches e inseriu um sampler no meio da música com um menino falando assim: “não me matem, eu tenho apenas 12 anos”. Foi uma coincidência que o Barol comentou depois com o DJ, o primo dele morreu com 12 anos também.