Entrevista com Casaca
Manhã de sexta-feira, 28 de setembro. O horário combinado, 10 horas, se aproximava. Poucos minutos antes, uma chuvinha pentelha começou a cair. Ainda assim, me dirigi ao Parque da Pedra da Cebola, onde conheceria e entrevistaria a rapaziada do Casaca, a banda que vem fazendo a cabeça da galera do ES, e que já vendeu 18 mil cópias de seu CD de estréia, um recorde na história da música capixaba propriamente dita. O local foi sugerido pela produtora da banda, a Sandrinha, já que o visual do Parque era propício para fazer umas fotos bacanas. Mas acho que nem preciso dizer que a chuva estragou essa pretensão. Sem contar que as fotos que fizemos acabaram ficando escuras. De fato, o dia não estava para elas…
Jura, o guitarrista da banda, chegou às dez em ponto, debaixo de chuva e tudo. O restante da banda, que estava vindo lá da Barra do Jucú, chegou por volta das 10:30 horas, já brincando: “por favor Sandrinha, não marca mais entrevista de madrugada não”. Dos nove integrantes, três acabaram não aparecendo para a entrevista: Renato, Piriquito e o recém-incorporado tecladista, cujo nome, eu, jornalista de meia-tigela, acabei não anotando. Mas tudo bem. Depois de nos acomodarmos num espaço coberto, com umas mesinhas destinadas a refeições, iniciamos um bate-papo de 45 minutos. Durante este tempo conversamos principalmente sobre os primórdios da banda, sobre o CD de estréia e suas músicas, a sondagem da Sony Music, shows e algo mais. Bem-humorados e com a humildade que os caracteriza, Jura, Márcio (os dois que mais falaram), Vinicius, Jean, Flavinho e Thiago Grilo contaram algumas curiosidades sobre o Casaca e fizeram revelações interessantes.
A íntegra desse bate-papo, com pouquíssimos cortes, você pode conferir abaixo. Como a entrevista ficou bem grande, tipo aquelas que saem na Playboy, resolvi dividir em duas páginas. Espero que gostem e que tenham paciência para lê-la até o fim:
Como surgiu o Casaca, quem teve a idéia de chegar, juntar a galera e montar essa banda?
Jura: O conceito do Casaca surgiu de uma idéia, há uns cinco anos, do Cleber Gouveia, que é o pai do tecladista da banda hoje e que é um conceituado artista plástico. Ele sugeriu a fusão do congo com música pop. Na época eu, Magrisan e Renato tinhamos uma banda que tocava cover de uma galera, bem anterior ao Kalango Congo. Marcinho se juntou à gente também, na época ele arranhava um violão muito mal, mas tudo bem. Essa idéia surgiu e tal mas não tava pronta ainda, a gente não conseguiu pôr ela em prática. Eu acabei indo prá Europa, Renato casou e procurou barzinho e Magrizan entrou no Salvação. Já essa galera aqui, que tocava em banda de congo mirim, batia um tambor fácil, e teve passagem pelo Kalango Congo.
Márcio: Quando montaram o Kalango Congo é que juntou-se essa galera toda.
Jura: É, mas acabou não dando certo também, porque derrepente a cabeça da galera não era boa…
Márcio: O Kalango Congo não era o som que a gente queria fazer, era mais puxado pro forró e não era bem a onda da idéia que a gente tinha no começo, que era puxar mais pro rock e pro reggae, e acabou não dando certo por esse e vários outros motivos.
Jura: Depois de um ano e oito meses, a galera já tinha parado com o Kalango, tinha resolvido fazer uma música própria, tinha resolvido parar de bater a cabeça com uma coisa que não tinha nada a ver e pô, no meu caso, eu tinha acabado de chegar da Europa…
Márcio: No dia em que o Jura chegou da Europa era o dia do primeiro ensaio do Casaca, que não era Casaca ainda, e na verdade a gente só convidou ele prá fazer um som porque ele não ia ficar no Brasil, veio só passar o verão e o carnaval e voltar prá Europa. E acabou que deu nisso.
Jura: O Casaca foi uma banda na qual aconteceram muito rápido as coisas, eu acabei ficando por causa disso também.
Isso tudo foi em final de 99/início de 2000?
Márcio: Isso. Em dezembro de 99 agente começou a ensaiar, fizemos quatro ensaios.
Jura: o primeiro show do Casaca foi no reveillon, na verdade o Casaca nos primeiros ensaios ainda tinha até um baterista
Márcio: Foram dois ensaios com baterista.
Jura: Esse baterista chegou prá gente no show de reveillon e disse: “Olha galera, eu tenho um free lance prá fazer em Guarapari e não vou poder tocar com vocês”. Pô, a gente tava com o show marcado, não dava tempo de arrumar outro baterista, e resolvemos subir ao palco prá tocar sem bateria. Foi quando pintou o DNA da coisa, logo que a gente desceu do palco o pessoal chegou e falou “pô, que som que é esse, genial essa idéia de pôr o tambor batento junto com guitarra, um suingue mais de reggae.”
Tinha muita gente nesse show?
Jura: Pô, era reveillon, na Barra, tinha muita gente e todo mundo parou prá olhar prá ver “o que é isso”, e depois disso a gente nem fez ensaios mais (todos dão gargalhadas), estamos precisando até. E foi engraçado que o baterista voltou prá conversar com a gente depois, e perguntou “cadê a bateria”? Aí respondemos, “a banda Casaca não tem baterista”. A gente tinha achado a solução ali, tinha uma galera que tava afim de fazer congo, e a partir do momento que agente pôs o tambor prá base, o tambor deixou de ser acessório prá ser principal, porque a partir do momento que agente colocasse bateria o tambor ia virar acessário e ia passar despercebido, o ritmo ia acabar atravessando um pouco da idéia que a gente queria, e quando pussemos o tambor só fazendo a base, fazendo a congada, pô, ficou fácil isso aí.
E por que vocês optaram pelo reggae para fundi-lo ao congo?
Jura: a galera tinha toda uma história tocando rock e reggae, todo mundo curtiu Bob Marley, apesar de todo mundo ter um gosto musical diferente. E começamos a tocar num barzinho prá surfistas na Barra e, sei lá, cada um pôs um pouco de si nas músicas, e nesse barzinho o engraçado é que agente começou fazendo música própria, não era cover, com a congada rolando o Renato às vezes punha uma guitarra e sei lá, a guitarra do reggae se aproximou do congo, não sei te dizer por que, apesar de ter música da gente que é mais rock n roll. Mas não posso te dizer se é reggae ou se é rock n roll, agente não pode definir ainda o estilo do Casaca, agente não sabe. E tem pessoas que dizem que é mais um movimento do que um estilo.
O Casaca foi um grupo que chegou à gravação do seu primeiro CD muito rapidamente, vocês não tinham nem dez meses de vida, foi até meio precoce…
Márcio: a verdade é que agente soube fazer as coisas do jeito certo.
Jura: É, a gente acabou fazendo um projeto e mandando prá Lei (Rubem Braga), não gosto nem de falar muito isso, porque esse mesmo CD que hoje tá vendendo horrores não passou na lei. Então, tipo assim, isso, ao invés de desanimar a gente, não, deu força prá gente chegar e falar assim, agente vai gravar esse CD, vamos dar um jeito.
Porque não passou?
Márcio: A gente não sabe, a gente chegou lá e não foi aprovado, o pouco que disseram é que a gente era da Barra do Jucu (a lei é de Vitória). Mas o Jura e o Renato moram em Vitória pô.
E como então que vocês conseguiram gravar esse CD, rolou algum apoio de grana?
Márcio: Nós juntamos grana de shows.
Jura: A gente tinha um público muito grande na Barra do Jucu, e assim, na época de campanha eleitoral tinha um comício do Max Filho na Barra, e o Pé do Lixo ia tocar na Barra e a gente “pô, deixa a gente abrir, aqui é o território da gente, deixa a gente subir e tocar uma só, bater o tambor pelo menos”. E eles liberaram prá gente entrar e fazer uma participação.
Jean: Tocamos cinco músicas.
Jura: Rapaz, tocamos as cinco músicas e caiu todo mundo olhando assim e pô, “que banda que é essa, da onde que veio isso?” Ali era território nosso, a gente mandava.
Vinicius: Os caras do Pé do Lixo deram até um pouco de azar, porque chegaram lá na Barra e quem comandava lá era o Casaca, ninguém conhecia o Casaca em lugar nenhum do estado, mas na Barra do Jucu, onde a gente tocava, era bar lotado sempre.
Jura: E bom, depois disso, como era campanha política, o Max acabou fechando 20 shows com a gente. A gente se reuniu e falou, “desses shows ninguém vai tirar um tostão, esses shows são prá gente conseguir gravar nosso CD, que a gente precisa prá mostrar prá Vitória, prá todo mundo, que pô, agente tem um som legal, lá da Barra do Jucú, que merece ter o seu valor, merece ter seu lugar ao sol”. A gente tinha convicção de que o congo tem um poder muito forte, uma batida muito contagiante, não tem como você ficar parado, sabe? Então, com esse objetivo, todo mundo com uma coisa só na cabeça, voltada prá isso, divulgar o congo.
Márcio: Desde o início da banda que a gente sempre conversou que todo o dinheiro ia ser revertido prá gravar um CD.
Jean: E se foi precoce gravar com onze meses, com três meses de banda já tinha uma cobrança, já tinha nego perguntando, “cadê o CD, não vai sair não”?
Vocês não fizeram nem um demo não?
Márcio: na verdade a gente chegou a gravar duas músicas que várias rádios por aí não quiseram tocar, hoje tá todo mundo tocando Casaca, mas teve nego que não quis tocar na época.
Jura: É, sabe, neguinho olhava a gente antes dos shows e perguntava, “que é isso, é Candomblé, o quê que vai rolar aí”? Sabe, é meio uma barreira que agente tinha que quebrar. Quando nós começamos a tocar, congo era considerado coisa de velho, toda vez que aparecia na TV apareciam velhos com saia rodada, essas coisas toda. Nâo é cara, na Barra do Jucu, festa de congo, é a galera que vai lá prá dançar, não tem essa de se é velho ou se é jovem, é uma música boa que todo mundo gosta.
E em quanto tempo a banda compôs todas as músicas que estão nesse primeiro CD? Vocês pararam antes do CD e falaram, “vamos compôr”, ou foi sendo feito pouco a pouco…
Todos: não, não.
Márcio: No disco, das músicas que tinhamos desde o início da banda, estão só quatro, “Sereia”, “Anjo Samile”, “Ligado” e “Camarada”, as outras foram surgindo em shows.
Jura: A gente nunca ensaiou, mas a gente tinha um termômetro bom, a gente fazia um show, batia uma música, a galera dava aquele retorno prá gente, e pô, a gente falava, “essa música fica”.
E como era esse processo de composição?
Márcio: O Renato chegava mais ou menos com uma levada e falava pro Jura “ó, é o arranjo tal, tal e tal, essas notas… se vira” (risos).
Jura: É bem isso mesmo, tipo assim, saia um arranjo, claro que às vezes, como eu, Marcinho e o Renato tocamos muito tempo em bar, rolava muita união, a cabeça dos três funcionava fácil, um olha pro outro e já sabe o que tá acontecendo, agente rolava um pouco na base do improviso, quando a frase era boa, ficava guardada. O improviso tem muito disso, quando você tá fazendo um improvisso numa guitarra, e a frase é boa, ela sempre fica na memória, se ela não for você esquece, mas se a frase ficar, pode guardar que ela é boa, então as músicas rolavam muito assim. E tipo, a gente tocava num bar uma música de um jeito, no outro dia a gente tocava de outro jeito, e ia se lapidando até ficar pronto.
Márcio: A gente fez todas as músicas durante os shows, com exceção de Sabrina, que foi a música que saiu dentro do estúdio.
Jean: E também não foi ensaiada.
Vinicius: Nós chegamos um dia dentro do estúdio, e, tinha uma galera atrasada, estavam só eu, o Renato e o Marcinho no estúdio, o Renato falou “e aí, o quê que nós vamos gravar?”. Aí falei, “bicho, não sei, não tem ninguém aí, vamos gravar o que a gente quiser”. E ele “vamos gravar Sabrina”. E eu: “Que música é essa”?
E quem é Sabrina, ela existe mesmo?
Jura: Sabrina era uma fã da gente.
Márcio: Faleceu com 12 anos
Vinicius: Ela assistiu um show da gente na sexta-feira e na segunda ela foi atropelada.
Jura: A agenda dela, pô, só falava de Casaca, você abria e só viu o nome Casaca lá, isso pegou a gente de surpresa, ter uma pessoa assim sabe, tão fã. E o Renato acabou escrevendo essa música numa noite, e levou pro estúdio. Hoje “Sabrina” é uma das músicas que eu mais gosto no disco, tem um ritmo bom, flui fácil. E tem um detalhe que é doido, Flavinho…
Jean: Foi o Piriquito!
Jura: Então, o Piriquito pegou a letra prá ler e conseguiu achar o nome dela (Sabrina) dentro da música.
Márcio: Dentro do refrão “SAldades BRIlham NA calada da noite”.
Jura: Foi uma coisa meio de mágica né, de mensagem, prá gente é uma música especial. E fora essa música, quando a gente entrou em estúdio prá gravar, todas já vinham de show, já estava tudo praticamente pronto.
E ficaram músicas de fora do disco?
Jura: Várias, ficou muita coisa de fora. Tem uma letra que a gente chegou a gravar…
Jean: tocamos até no Rastapop também…
Jura: É, mas não sei, pô, por detalhes técnicos, a gente acabou não colocando no disco, mas é uma música boa que está lá guardada, a galera do Jucu conhece ela.
E essas músicas vocês tocam lá na Barra do Jucu ainda?
Vinicius: Raramente a gente toca, deixamos elas guardadas.
Jura: É, tipo assim, a gente não ensaia, a gente não é uma banda de garagem, fizemos aquele show no reveillon e até hoje não paramos numa garagem prá ensaiar.
Márcio: A gente ensaiou muito pouco, na verdade eu, o Jura e o Renato nunca ensaiamos prá valer.
Sério?
Vinicius: Mas isso de não ensaiar tem seu lado bom.
Jura: Pessoal de congo não ensaia né? (risos).
Márcio: A gente que era músico também não ensaiava.
Jean: E quando eles chegam com uma música nova prá gente dos tambores, é assim, ou é rock ou é reggae, o rock tem uma batida mais rápida, ou então falam, “leva um reggae aí”.
Flavinho: Fora quando no show rola um improviso.
Márcio: a melhor parte do show é matar esses caras de raiva.
Jura: As vezes o Renato entra cantando uma música assim de improviso, um olha pro outro e pergunta, “o què que é isso?” (gargalhadas de todos).
Isso era no início ou rola ainda?
Jura: Rola, rola, às vezes.
Márcio: Dia desses Renato cantou Charlie Brown né?
Jura: é, Charlie Brown, Legião.
Flavinho: A gente tava fazendo um show e pow, ia entrar um solo, Renato começou a cantar Legião Urbana e a galera olhou prá cara dele… “o quê que esse cara tá fazendo”?
Vinicius: E entrar no ritmo de improviso é fácil, o pior é sair depois. Mas no final dá tudo certo.
Jura: Essa surpressa é que dá o pique prá galera no palco, se alguém notar que nós estamos rindo em cima do palco é porque, pô, já sacanearem alguém. (risos)
Só voltando, quanto às músicas que ficaram de fora do disco: vocês pretendem lançá-las futuramente?
Jean: Lógico.
Jura: tem muita coisa, tem muita coisa. Tipo assim, o Renato faz muita música.
Márcio: o Jura também tem muita música, tem muitas do irmão deles lá de São Paulo (o Renato e o Jura são irmãos).
Jura: é, ele é um compositor muito bom também. Então cara, tem muita coisa boa guardada, a gente senta com um violão aqui e toca entre a gente sempre, mas nunca colocamos em show porque por enquanto temos esse CD prá trabalhar né?
Márcio: E a gente não faz mais esse lance tanto de zuar um com o outro e fazer os umprovisos justamente porque temos esse show e a meta de trabalhar o disco, não estamos variando tanto o repertório como antigamente.
Jura: Porque hoje também tem o público que quer ouvir a música do CD, não dá prá você pôr uma outra música de fora do disco, é muito recente o lançamento.
Bem, quando saiu o CD, a galera foi comprando, os shows lotando, as rádios tocando… quando é que foi que vocês perceberam que a banda “pegou”?
Jean: Eu percebi pela “Ondas do Barrão”, falei, “acho que esse negócio vai dar certo”.
Vinicius: Isso aí foi quando a gente falou, “é, a gente leva jeito prá coisa.”
Mas isso foi bem antes do CD sair?
Jean: é, foi em fevereiro ou março de 2000.
Márcio: Os caras trouxeram a música em cima da hora, antes de um show, e o Renato falou “vamos tocar. É assim, toca aí” e virou prá gente e “ó, é rock n roll tá?”. Aí a gente puxou a música, mas só que, como a gente tava puxando pela primeira vez, o Jura foi e passou pelo refrão, prá galera da banda entender como era a levada, quando ele começou a galera já estava perto do palco e gostou.
Jura: Essa levada que eu fiz prá eles no começo, prá mostrar como era a música, dura até hoje.
Márcio: Foi uma coisa sinistra, a primeira vez que eu me arrepiei, a gente tava lá e eu falei “pô, não vai dar ninguém”, e derrepente o bar estava lotado. Na hora de tocar a música, quando voltamos no refrão pela segunda vez, no meio da música, metade do bar já estava cantando, quando acabou a música, estava todo mundo cantando, e o Jura repetiu o refrão só na guitarra de novo, como foi na introdução, como a gente acaba no show.
Jura: E quando saiu o CD, foi o seguinte, em Vila Velha a gente já tinha um público, sabia que ia vender. Mas não tinha chegado em Vitória ainda. Chegou em Vitória mesmo com os shows na Curva do Jurema, tentamos trabalhar um pouco da barreira que eu falei prá você, porque, era impressionamente os lugares que a gente tocava, e os caras não conheciam.
Jean: O lance do comício ajudou muito a gente, porque tipo assim, teoricamente se a gente não tivesse os comícios tocaríamos nos mesmos lugares de Vila Velha, tipo na Barra e derrepente nos clubes Arci e ITC. Cara, a gente tocou em Cobilância, Paul, Ilha das Flores…
Márcio: e eram todos shows abertos né…
Aí eu queria dar uma voltada no início: no cadastro de vocês lá no site, na descrição, vocês dizem que o objetivo da banda é fazer com que o povo brasileiro conheça e passe a respeitar o congo. Desde o início vocês tinham ciência, acreditavam no potencial que o Casaca tinha de conquistar um bom espaço junto ao grande público?
Màrcio: Não, a gente pensava assim, que o objetivo da banda era esse, mas não fizemos a banda prá ser metade do que é hoje, até porque não tínhamos tempo prá levar uma banda a sério, a gente sempre tocou em bar, sempre fomos meio que prostitutos da música. E aí derrepente, quando a gente se viu, porra, tivemos que parar tudo, largamos tudo que fazíamos extra-Casaca.
Vinicius: A banda, na verdade foi formada por hobby, era a galera que gostava de tocar, mas não tinha tempo de levar uma banda a sério. Então pensamos em formar uma banda prá tocar dentro da Barra, era prá tocar em aniversários, em barzinhos, era um negócio bem fechadinho. A idéia era quê, quando alguém viesse prá Barra, ter sempre aquele barzinho em que o Casaca estaria tocando ali, entendeu? Só que quando fomos ver não tinha mais como ficar tocando naquele barzinho, não tinha palco. Foram quatro ensaios, no segundo já deu tanta gente que colocamos na cabeça, “bicho, não pode parar, já é show”. Aí fizemos mais dois assim, e já não dava prá colocar mais gente lá no barzinho. O último show que nós fizemos dentro de um barzinho na Barra, nós tivemos que parar, não dava mais, o dono do bar já estava desesperado porque as paredes estavam balançando, arriscando cair dentro da casa dos outros.
Jean: E era a casa do delegado do lado… (risos)
Vinícius: Foi a hora que nós começamos a tomar consciência do que estava acontecendo.
Mas bem, numa entrevista à Tati Wuo (do Crivo), o Renato disse que, sinceramente, não tinha muita intenção de sair do Espírito Santo, “deslanchar” fora…
Jura: Tipo, tem umas bandas que sairam daqui prá passar um tempo em São Paulo, tentar o sucesso lá. O Casaca nunca teve muito esse objetivo, a gente queria é que São Paulo viesse aqui. A gente não tem aquele pensamento do tipo, “ah, vamos fazer um som lá em São Paulo ou não sei aonde, vamos juntar a mochila e se tacar na estrada, porque lá a gente vai fazer sucesso”.
Márcio: É, se chamarem, é claro que a gente vai prá São Paulo, vamos até prá Rondônia se for o caso.
Jean: Quando a gente disse que não tinha vontade de sair não era isso, a gente quis dizer que não tem vontade de morar fora. Que venha todo mundo prá cá, mesmo que a gente viaje o país inteiro, pô, é o nosso objetivo levar o congo prá fora, mas a gente que ficar aqui.
Márcio: Até porque, no momento, a gente quer se firmar mesmo no ES inteiro, a gente fez muita coisa na Grande Vitória e estamos indo pro interior agora, temos visto como tem sido a aceitação no norte, estamos tocando muito no norte, em Linhares, Aracruz, São Mateus, Guriri e Itaúnas. E no sul, só tocamos em Cachoeiro, na abertura de um show do Rappa.
E em quais lugares fora do estado vocês já tocaram?
Márcio: Só em Porto Seguro, Rio e São Paulo. Mas no Rio e São Paulo a gente não tinha CD ainda prá divulgar.
Jura: É, foi uma pena, porque se tivéssemos o CD naquela época ia dar prá quebrar.
Vinicius: Tipo, em São Paulo foi na CD Expo e no Rio foi na Bienal da UNE.
E como foram essas experiências fora e a recepção do público?
Jura: Muito boa, excelente, a gente recebe email até hoje de uma galera de Porto Alegre, Acre, por causa disso.
Jean: É, tem também os encontros nacionais e regionais de estudantes aqui na UFES que são muito legais, depois deles pessoas de várias partes do país mandam emails prá gente.
Nos últimos dias a galera que acompanha e torce pelo Casaca e pela cena capixaba tá meio que na expectativa em relação a um possível contrato de vocês com a SonyMusic, que veio acompanhar o show do Casaca no Pop/Rock. O que rolou neste sentido?
Jura: O que tá rolando dessa história aí é o seguinte: alguém ouviu lá em São Paulo que tem uma banda que tá vendendo horrores aqui no Espírito Santo, e daí mandaram um carinha prá conferir isso. Chegando aqui, o sujeito pegou um movimento, toda uma história de música capixaba, que deixou ele meio de cara, viu muita banda boa, de vários estilos.
Márcio: Ele chegou a ver show de bandas como Bacana e Macucos, que ainda não tem disco, e a galera já canta as músicas.
Jura: E o cara, “pô, genial, tem CD essas bandas”? Aí responderam, não, são bandas bem novas. E o cara questionou: “E como é que a galera já tá cantando essas músicas dos caras?” Então, quer dizer, ele viu um movimento muito forte. O Casaca, por acaso, tá dentro desse movimento, é uma engrenagem dessa máquina, e o cara está voltando sempre, está prestando atenção no movimento capixaba, que está muito forte. Em relação à Sony com o Casaca, é o que te falei, ele acabou conversando com a gente, chegou a falar conosco.
Márcio: Nos conheceu lá no Camarim do Pop/Rock, deu os parabéns e tal, perguntou se a banda tinha interesse num contrato, respodemos que sim, e ele disse, “então vamos conversar”, mas parou por aí.
Nada concreto então? Um jornal dizia que eram grandes as possibilidades, algumas pessoas até me disseram que leram, não sei se certo ou não, que vocês tinham assinado…
Màrcio: Não, não tem nada concreto.
Vinicius: Foi só um parabéns…
Márcio: O engraçado (rindo) é que eu vi isso e liguei prá produção e falei, “quero meu salário pô”!
Jura: É, neguinho ligou prá mim e falou, “pô, parabéns!”, e eu “não, não, não é nosso aniversário”. (risos).
E você disse que tinham duas gravadoras no Pop/Rock né?
Jean: Tinha representantes da BMG e Universal, parece.
Jura: A galera sabe que tá um movimento grande aqui, tem muita gravadora grande rondando por aí, qualquer show hoje de banda capixaba a galera pode esperar…
Márcio: A galera pode ficar ligada, pode dar o melhor de si, porque o bicho vai pegar…
Tipo, nesse contexto em que se espera que um grupo capixaba assine com uma grande gravadora e “estoure” logo em nível nacional, o Casaca é, na opinião de muita gente, o grupo com mais chances de conseguir isso primeiro. Sentem uma certa responsabilidade?
Màrcio: Responsabilidade? Pô, não sei… responsabilidade? Sim, existe cara.
Jura: Eu acredito que o ES hoje, sabe, é um estado que tem uma força muito grande na cultura, e acabou não tendo seu valor reconhecido no Brasil em termos de cultura, e pô, já tava mais que na hora do ES aparecer e mostrar essa cultura forte. Os culpados disso são cada pessoa que compraram os discos das bandas, essas pessoas estão alimentando um gigante.
O sucesso do Casaca não despertou nenhuma rivalidade com outras bandas, não, né? Ou rola alguma concorrência?
Jura: Tem sempre essa pergunta. O que faz a força da cultura capixaba é a união das bandas, essa rivalidade não existe, cada um sabe que precisa do outro, prá gente ter essa força um precisa estar sempre ajudando o outro, dessa forma todo mundo vai chegar. Como é que é a frase Jean?
Jean: “No céu tem várias estrelas, mas nenhuma ofusca o brilho da outra”.
E qual dos grupos daqui do ES estendeu a mão primeiro ao Casaca, no começo?
Márcio: Foi o Java, foi a galera com a qual o Casaca começou a tocar junto no começo, tivemos um contato grande. Mas a gente sempre foi amigo de todo mundo.
Jean: Tipo, tem também o Manimal, porque a gente sempre tocava música do Manimal.
Jura: Era legal prá caramba, a gente queria fortalecer isso, tinha o repertório da gente, no qual tocavámos o que gostamos, Pé do Lixo, Java Roots, Manimal eram essas coisas que a gente gostava.
Voltando ao Pop/Rock: muita gente considerou a apresentação de vocês a melhor da noite. Foi o show mais importante do Casaca? Pelo menos em termos de público foi né?
Márcio: Com certeza foi o show que teve mais gente.
Jura: Foi um dos shows mais importantes também.
Màrcio: Chegou a emocionar né?
Jean: Chegou a arrepiar, você cantando “do mar, do mar”, de cima do palco deu vontade de se jogar em cima do mar, era um mar de gente, impressionante.
E como foi o contato no backstage com as atrações nacionais?
Márcio: a gente teve contato com o Superfly um dia antes, super gente boa a galera.
Jean: Foi judiação o que fizeram com a gente.
Márcio: É, tinha show em Linhares depois e tivemos que sair correndo, tinha toda aquela galera prá gente conhecer, trocar idéia, conversar…
Jura: tirar foto, paparicar um pouco…
Márcio: Agente também é fã né! (risos) Nòs descemos do palco, pegamos a Van e fomos embora. Mas o Gustavo (empresário da banda) ficou lá, estava com nosso disco, a Cássia Eller levou uma cópia, o Cidade Negra também.
Mais uma perguntinha sobre os shows: há umas semanas li que vocês iriam dar uma parada num final de semana prá reformular o show do Casaca. Vocês tem essa preocupação de estar sempre mudando o show, fazendo algo diferente, ou querem é ir levando esse mesmo show por um bom tempo?
Jura: Tem que mudar. Mas na verdade a gente vai fazer isso hoje, não temos shows agendado neste final de semana e acabou sobrando esse tempo prá reformulação.
Márcio: Pois é, a gente tem um certo tempo fazendo um mesmo show.
Jura: E prá gente também, que está em cima do palco, é importante que o show seja bom prá gente, porque, os prmeiros que tem que gostar somos nós.
Jean: A partir do momento que começa a ficar mecânico perde a magia.
Márcio: O grande lance do Casaca é a espontaneidade, o gostar do que agente faz, então se nós não ficarmos satisfeitos com o show, achamos que o público também não vai ficar, então a gente acha que é hora de dar uma mudada.
E dá prá adiantar algo do que vai rolar nesse novo show?
Márcio: A gente não sabe ainda.
Vinicius: Vai sair hoje!
Jura: Tem muita vinheta, tem muitca coisa que a gente tem pronta, muita bagunça, cada um vai vir com uma idéia, acho que vai ser massa, tem Sérgio Sampaio, tem coisa nova…
Vocês gravaram uma participação nesse CD tributo ao Sérgio Sampaio né?
Márcio: Gravamos, tá na fase final, acho que o CD vai sair em janeiro. E tem a coletânea “Ilha em Movimento 2″ também, que a gente tem uma música boa aê, uma música inédita, chamada “Barra”. Tem uma levada mais rock.
E vem cá, atualmente todos os integrantes estão se dedicando integralmente ao Casaca ou tem algum que exerce alguma outra profissão não relacionada à música?
Jura: Só eu que dou aula de música.
Márcio: Mas é em casa, ele tem um horário bem flexível. Ele dava aula numa escola…
Vinicius: Foi demitido também (gargalhadas).
Jura: E tá todo mundo por conta do Casaca mesmo. Tem um negócio que todo mundo falava prá mim, “faz o que você gosta que vai dar certo”.
Márcio: Parece clichê mas é verdade.
E alguém tem algum projeto musical paralelo? O Renato fez um show solo dia desses né…?
Márcio: Não foi um show solo, chamaram ele prá tocar num barzinho, como a vida inteira ele fez, o Jura foi…
Vinicius: É o seguinte, esses caras tão na banda, mas adoram aquele lance do barzinho, de estar ali no meio da galera. Daí ele recebeu o convite, o Jura foi, o Marcinho… mas não foi um show solo, foi barzinho, cover.
Flavinho: É, tem também uma banda chamada Balaio de Gato (gargalhadas), conta aí prá gente Grilo…
Thiago Grilo: Tamo aê, tamo aê.
Jura: Tem dez músicas já né?
Márcio: É uma produção de “Os Véi”, sacou?
Jura: Nâo não, essa banda, tipo assim, quando agente vai prá show, eu gosto muito de chorinho, eu levo o cavaquinho prá ficar brincando, ensaiando na Topic, então a gente sai daqui, leva um pandeiro, leva alguma coisa, e sai um chorinho, é bom que aquece os dedos até.
Márcio: E tá com um repertório bom já né?
Jura: Rapaz, tem muita coisa boa aí (risos)
Vocês tem usado a internet para se comunicar com os fãs?
Márcio: A galera manda vários emails.
Jura: Muitos, a gente tem respondido todos, é legal isso, a gente tem respondido email por email.
Márcio: Na verdade ultimamente não tenho respondido porque não está sobrando muito tempo, mas acho que vou conseguir fazer isso hoje, responder todos. Eu tô com uns cinquenta emails acumulados.
Jura: A gente tem recebido muitos emails, e nós fazemos questão de fazer um negócio, tipo assim, de responder cada pergunta.
Márcio: Ia ser muito fácil deixar uma resposta pronta lá, mas não é legal. Umas pessoas mandaram email me dizendo que eu era muito grosso prá responder e tal, mas às vezes você está sem tempo, responde rapidinho e manda, mas a galera não gosta.
Jean: No começo a gente fazia isso com mais calma, tipo “oi, tudo bem, como vai, espero te ver de novo nos shows”, mas agora não dá mais. Antes eram 10 por semana, hoje são 30 por dia.
Vinicius: A nossa página, casacaabanda.hpg.com.br, até ontem estava com 110 mil visitas, com apenas três meses no ar. E a gente só começou a divulgar nesse mês…
Por falar em fãs, as do Casaca são singulares né? Esse fã clube de vocês, que tem as Casaquetes, existe desde quando?
Jean: Organizadas mesmo, as Casaquetes tem uns dois meses.
Vinicius: Agora elas estão registradas, com ficha de inscrição, carteirinha, site.
Jean: Mas elas já vem acompanhando a gente desde o início da banda, iam em todos os shows…
Jura: E a gente sempre que pode se reúne com elas prá um churrasco, tocar uma viola, fazer uma bagunça.
Márcio: A gente procura participar do fã clube, é legal, você faz um show e elas estão sempre lá, você acaba aprendendo o nome das meninas. Um abraço prá Renatinha, presidente do fã clube, prá Lorena, Cintia, Juliana e pro resto do pessoal!
E como é que está a Oficina de Congo no Deares, que vocês comentaram conosco num bate-papo anterior?
Márcio: Não deu certo porque o governo do estado não liberou a grana nem prá comprar os instrumentos, prá comprar o material que seria necessário prá dar as aulas.
Jura: Deu pena, porque era um projeto bonito…
Vinicius: os meninos estavam animados, mas aconteceu todo esse problema no governo com o Zé Inácio, e acabou que não deu prá liberar a verba. Nòs chegamos até a botar prá eles que não era preciso pagar o salário que nos foi oferecido, a gente só precisava que eles comprassem os instrumentos, do material, porque eram muitas crianças.
Vocês ainda teriam disposição prá tocar um projeto assim se pintar uma nova oportunidade?
Vinicius: Lógico, esse é um projeto da banda que vem desde muito tempo, uma moça da prefeitura de Vitória chegou a nos procurar a respeito disso mas não rolou nenhum outro contato. E aí, quando o pessoal do Deares apareceu a gente falou, “pô, agora vai funcionar”, era uma coisa que agente tinha vontade de fazer.
Márcio: Mas tem outros projetos legais, tem o do Fábio (Manimal), tem o Jogue Limpo, que é do pessoal do Pé do Lixo… parabéns prá eles!
Jean: E tem um lance, que foi até uma surpresa prá gente, que as escolas estão colocando trabalhos sobre cultura capixaba e estão chamando a gente prá fazer palestras, falar sobre congo, sobre história.
Jura: É meio estranho só falar de cultura capixaba, quando dá a gente também leva um tambor de congo prá tocar um pouco.
Aliás, tem algum outro grupo por aqui, além de vocês e do Manimal, que se apóia basicamente na mistura de congo com música pop?
Màrcio: Cara, tem lá na Barra um trio de forró, o Bem-ti-vi, que colocou a casaca e o tambor, é uma molecada que começou agora.
Jean: Foi assim, eles foram fazer um forró e perguntaram a opinião do Renato, e ele disse “bicho, banda de forró, no estado, tem caído pelas esquinas, ou vocês colocam uma coisa diferente ou vão ser mais uma banda de forró”.
Jura: Na Barra do Jucu eles já tem um certo público, a gente sempre que pode dá uma ajuda, porque é um pessoal congueiro também.
Vocês tocam sempre com os pessoal das bandas de congo de raiz, do Mestre Alcides, Mestre Honório?
Márcio: Quando tem congada que a gente pode estar, a gente vai.
Vinicius: E nós fazemos parte ainda das bandas de congo, quando tem fincada de mastro a gente tá sempre participando.
Márcio: Sempre que dá, que é um show favorável, que vai tocar só o Casaca, a gente também leva eles para tocarem conosco no palco, e aí só Deus sabe o que que vai acontecer. Jà rolou isso no lançamento do disco, por exemplo…
Prá finalizar: vocês já estão planejando algo pro futuro da banda ou o lance por enquanto é só tocar, tocar e tocar…?
Vinicius: Tocar, tocar, tocar!
Màrcio: A gente não sabe o que vai acontecer com o Casaca….