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Entrevista com a banda Moxuara

Cheiro de mato com o toque da cidade grande. Talvez isso ajude a explicar o que é o Moxuara, grupo de música genuinamente capixaba que trabalha numa harmoniosa combinação de diversos elementos culturais que influenciaram a cultura do Espírito Santo, misturando a ingenuidade romântica do interior à observação e crítica social tipicamente urbana. Com 10 anos de história, dois CDs lançados (Quarto Crescente, em 1996, e Pontos e Nós, em 1999), Flávio Vezzoni, José Elias, Marcos Côco, Luis Guilherme (produtor) e Paulinho (que entrou há pouco tempo, tocando baixo) mostram um som autêntico e honesto, ou como diria Vezzoni: “a gente canta o que a gente vive”.


O Central da Música Capixaba conversou com Flávio, Elias e Marcos (as vozes, violões e percussão do grupo) no dia anterior ao show de 10 anos da banda. Dentro do carro, após a passagem de som, conversamos sobre diversos assuntos e o que deveria ser uma pequena entrevista tornou-se um bate-papo extenso, onde diversas questões foram abordadas pelo grupo com muita propriedade. A leitura, apesar de um pouco longa, é muito interessante; confira!


Na apresentação da grupo vocês disseram que “no mundo globalizado, é universal quem canta sua própria aldeia”. (é nesse contexto que surge a música regional). Por que vocês consideram isso? (Até quem ponto isso é verdade?)
Flávio: É uma pergunta boa né, porque você tem que falar sobre globalização. Hoje as tendências mais modernas da música estão valorizando muito mais o trabalho das músicas regionais. A gente esteve num festival internacional em BH e estiveram presentes vários representantes de diversas partes do mundo, e parece que essa reflexão não acontece só aqui, está acontecendo em âmbito internacional. Os “mega shows” estão dando lugar prá esses eventos menores. Eu outro dia estava conversando com um rapaz da Alemanha e ele disse que lá não se encontra mais produtores de mega eventos. É muito difícil porque tem que juntar muita gente, movimentar muito dinheiro… hoje prefere-se fazer eventos menores, com públicos menores e com estilos de música específicos. Nesse caso a gente se encaixa sendo um grupo que trabalha com as músicas do ES, com algumas expressões do ES, e com um certo regionalismo, embora a gente queira não reivindicar esse rótulo de música regional.


Elias: A globalização tem por ponto central homogeneizar todos os gostos, homogeneizar a comunicação, prá vc conhecer a cultura.


Por isso a pergunta, porque a globalização que integra, também pode desintegrar a cultura.
Elias: Exatamente, só que aí começa a haver a necessidade da afirmação cultural. E ela se dá a partir das diferenças regionais. As pessoas, então, passam a valorizar as diferenças, esses pontos que identificam àquele país, aquele lugarzinho lá no interior, e vai reafirmar: “bom, esse aqui, apesar da globalização, é o nosso espaço, nossa contribuição para a cultura mundial”. E aí que as músicas regionais ganham muita força na globalização, como afirmação cultural do diferencial do próprio.


Moxuara foi criado em 1991 a partir de um festival de música, certo? Como foi isso?
Elias: Foi uma coisa despretensiosa. Nós tínhamos uma experiência muito efêmera antes de tocar em festas de comunidades, movimento popular, tal… no caso eu e Fábio. O Flavinho tinha umas composições boas e ele e o Luiz (Aguilar, percussionista) resolveram inscrever-nos num festival lá em Pinheiros (norte do ES). Houve um contato meu e deles, conheci as músicas, me convidaram prá participar do festival que participou também o Zé Renato (Lordose Prá Leão). Na época era um festival muito respeitado, muito badalado, do mesmo patamar de Alegre. Tinha muita gente interessante com trabalhos fantásticos. Classificamos uma música no meio desse monte de cobras e resolvermos arriscar mais vezes. No festival seguinte vencemos e assim nasceu o Moxuara.


Bem, vocês estão comemorando 10 anos de grupo. Quem são suas referências e influências?
Marcos: as influências são várias, né? Flavinho costuma dizer que na década de 80 aflorou vários estilos musicais da época, o rock nacional, a música mineira do Clube da Esquina…


Elias: houve uma questão especificamente política que explica um pouco disso também. A década de 80 foi a década da abertura política. Então os antigos cantores de protesto, Caetano, Chico, começaram a pipocar porque simbolizavam a resistência de 20 anos, simbolizaram essa abertura. Eles tiveram muito espaço na mídia, e aí nós passamos a conhecer esse pessoal. A influência forte nossa é desse pessoal e é claro de quem cantava esse pessoal…


Marcos: Era influência de mídia mesmo, de tudo o que se tocava. Hoje se toca estilos específicos, antes se tocava de tudo.


Também notei uma influência de seresteiros, algo de Goiás, do Mato Grosso…
Flávio: Da própria música de mídia do Brasil, desde Roberto Carlos e desse povo todo, da música brega, referência do sertanejo paulistano…


Marcos: a gente costuma dizer que isso é a cara do ES, na verdade…


Flávio:… por exemplo o forró do ES tocou muito tempo o forró gaúcho. Hoje tá cedendo um pouquinho de espaço pro forró do Nordeste…


Mas o forró que se faz hoje na mídia não é necessariamente o forró nordestino…
Flávio: A mídia tem uma tendência de adaptar prá ficar mais leve, porque quanto mais leve, mais barato prá ela vender mais rápido e em maior quantidade. Mas, por exemplo, quando o forró do nordeste começou a aparecer, perguntaram pro Sivuca o que ele achava daquele fenômeno de todos estarem curtindo, dançando o forró. Ele disse que achava muito bonito, mas que ele preferia que as pessoas aprendessem a ouvir o forró, antes de aprender a dançar o forró. Porque tem toda uma referência cultural, tem uma monte de coisa embutido nesse estilo de música. A gente acaba herdando isso tudo.


Elias: mas a cultura é isso, não é um coisa estática, não é uma coisa de fronteiras definidas geograficamente. Cultura é você querendo ou não ouvir um som da Índia, um som lá da África, e isso cria um registro na sua memória musical na hora de compor, na hora de fazer um arranjo, mesmo que você não queira. Você assume essa influência que é multicultural, não é única.


Então dentro desse caldeirão, como vocês classificariam o estilo do Moxuara?
Flávio: É Moxuara! (todos riem). É complicado porque a gente não tem o rótulo prá ele. A discussão é boa porque há a necessidade, até para poder explicar às pessoas e dizer: “olha, a gente faz esse estilo de música que quer dizer isso”. Um jornal de Minas definiu nossa música como “Música que tem cheiro de mato”, com o disco Quarto Crescente. Isso já caiu um pouco por terra porque o segundo disco aborda temas do mundo urbano, mais do que do mundo rural. Na verdade, prá cada disco, prá cada roteiro que a gente traça, não é que a gente nunca vai ter um estilo definido. Quem ouve a gente cantar sabe que é Moxuara. A medida que o tempo for passando o público vai definir o que é o estilo do Moxuara, mais do que a gente. E a crítica vai ajudar a contribuir com isso.


A temática da música do Moxuara é essencialmente romântica, muito singela e até inocente, aquela inocência de roça. Isso seria um reflexo do que vocês absorveram de suas referências e raízes (todos os 3 vieram de cidades do interior) ou seria um contraponto ao sentimentalismo banal presente na música popular feita hoje em dia por alguns? (Algo mais passional, porém sem reflexão)
Flávio: Na verdade as músicas trazem uma relação muito íntima, muito carinhosa das pessoas de uma forma geral e da relação dessas pessoas com a natureza. E toda a força do mercado exige das pessoas que se adote terminologias, estilos de música, de ritmo, de vestir prá fazer a música, que eu acho não combinar muito com música. Música é sensibilidade, carinho, é essa coisa de você conseguir entrar em sintonia com a pessoa que está te ouvindo e ter alguma coisa prá ela, mesmo que você não a conheça, ou nunca tenha ouvido você cantar, falar ou qualquer outra coisa. Se a música não consegue estabelecer esta via de comunicação, eu acho que ela perde um pouco o sentido. A gente bate um pouco nessa tecla porque dançar é legal, mas como o Sivuca disse sobre o forró, ele está além de esfregar uma coxa na outra, de dançar. A música deve estabelecer este contato entre quem diz alguma coisa e quem ouve, e depois vem a troca, o inverso disso. E nós acreditamos que a música tem uma função social, ela não existe gratuitamente. Se você for fazer qualquer análise história, econômica, conjuntural de qualquer país, se você for perceber e discutir a arte, vai estar lá inserida a música com temas apropriados prá aquele momento.


No mais, eu acho que nós somos muito românticos. A gente teve a vida história, social um pouco parecida, mas nós temos a nossa vida pessoal, individual muito diferenciada. Assim a nossa música estabelece a diferença entre aquele a pessoa que está dizendo uma coisa porque viveu aquilo e a pessoa que está dizendo aquilo porque é bonito, porque ouviu em algum lugar ou porque vai vender, etc. E a nossa trajetória tem sido marcada por isso. Tanto nos arranjos quanto em letras a gente faz porque acha bonito, porque a gente gosta daquilo, porque a gente vive aquilo. Eu acho que essa é a referência da nossa musica. As pessoas sempre que ouvem nossos discos tem sempre a impressão de que a gente vive no interior. Hoje a gente não vive no interior, mas a nossa vida se passou lá, a nossa raiz, o pé tá lá no interior. A nossa ética, a educação que recebemos dos nossos pais, os valores que a gente dá a pessoa, o prazer de cumprimentar a pessoa na rua, essas coisas que a cidade sufocou e matou nas pessoas.


Fazer música no Brasil quase sempre é muito difícil, ainda mais a música regional. Quais as dificuldades vocês passaram e experimentam até hoje?
Elias: A gente não tem uma dificuldade específica por ser música regional. Nós temos uma limitação de estar inserido num mercado muito restrito, o mercado capixaba é restrito. Tá melhorando, mas infelizmente aqui nós temos uma influência muito grande dos 4 irmãos nossos que cercam a gente, que faz uma filtragem de tudo o que vem prá cá, São Paulo, Rio, Bahia e Minas. E você acaba tendo pouca oportunidade de mostrar a sua cara, de mostrar o seu trabalho. Moxuara não tem muito o que reclamar disso. Nós sempre tivemos espaço em algumas rádios, está melhorando com o tempo, e pela coisa de cavar mesmo o espaço a mídia sempre deu alguma atenção; nós sempre tivemos um público bom nos shows que fizemos em Vitória, nunca fizemos um show com pouca gente. Evidentemente é um espaço restrito ainda, mas a tendência é ampliar porque hoje o mercado capixaba começa a despertar para o que é feito aqui.


Marcos: Isso é importante frisar porque é a forma como começa o conjunto. O que a gente tem hoje é fruto de uma forma de trabalhar diferenciada desde o início.


Como é essa forma de trabalho no Moxuara?
Marcos: Há mais ou menos 10 anos atrás não se falava em música capixaba. O Moxuara entrou na contramão da história. Só ele entrou de uma forma… ele nasceu dentro de movimentos populares, igreja e outras coisas neste sentido. Então o grupo nasce com toda essa universidade, nasce com esse apoio muito forte, com essa base. Talvez, a maior diferença do Moxuara tá aí. Ele não mostrou a cara primeiro para depois as pessoas passarem a gostar e a consumir. Ele nasce com toda essa sustentação.


Flávio: os movimentos populares foram os nossos primeiros parceiros.


Elias: As pessoas se surpreendem quando vamos fazer 2 dias no (Teatro) Glória que é espaço prá caramba, mas o primeiro show que a gente fez em Vitória foi aqui no Glória em 93, com o teatro cheio.


Flávio: Eu tinha esquecido disso! Um dia eu cheguei pro Dílio (ex-componente) e perguntei: “Dílio, cê já tocou aqui?” Ele disse “Já”. Era eu, Elias e Dílio no palco. O Fábio (proprietário) alugou assim meio com medo, mas depois que ele viu lotado, nunca mais, sem problema.


O Que vocês aprenderam com a evolução de banda? (Qual é o aprendizado?)
Flávio: Que o trem é mais difícil do que a gente pensava, rapaz! (risos)


Marcos: Convivência, a gente aprende a conviver melhor um com o outro, na medida que a gente vai conhecendo as pessoas e tudo. A dificuldade existe, é sempre muito difícil trabalhar junto com pensamentos diferentes. Crescemos bastante tecnicamente mas ainda faltam muitos degraus.


Flávio: Acho que o maior problema de se conviver em grupo é você criar condições de poder cobrar o outro sem ofender. É complicadíssimo! E a gente está construindo. Hoje no conjunto a gente tem essa liberdade de cobrar “Fulano de Tal, você nisso, nisso e nisso”. Até alguns tempos atrás a gente ficava meio receoso em nome de tudo que estava em jogo e aquela coisa toda; às vezes a gente botava pano quente em cima de uma questão que precisava ser resolvida. Aconteceram histórias de membros quase saírem do conjunto porque não se conversava, e fomos descobrindo isso com o tempo. A convivência vai te ensinando que é preciso sentar, conversar, fazer avaliação. Nós temos reuniões periódicas de “lavagem de roupa”, periodicamente a gente conversa “tem que acertar isso, isso e isso”; a convivência possibilita esse tipo de amadurecimento. E no meio desse bolo todo, eu acho que a questão técnica é a menor de todas.


O Moxuara sofreu algumas modificações ao longo dos anos, certo? No que isso alterou a identidade e sonoridade do grupo?
Elias: A evolução em termos de estilo, de forma de vida é inevitável; eu não sou a mesma pessoa de 10 anos atrás e nem tem como ser. Na época nós tínhamos uma visão mais interiorana de música, de música bem raiz. A gente usava muito efeito de voz, de instrumentos de percussão, era uma coisa bem terra, bem regional, aliás essa era a proposta inicial do conjunto. Só que o caminhar, o conhecer novas pessoas… no caso entrou primeiramente o Dílio que deu uma estilo mais pop ao conjunto, depois veio o Marquinho e veio o Roger, que trouxe uma coisa mais de blues norte-americano… isso é inevitável! Cada um acrescentou a sua marca pessoal que até hoje é presente.


Marcos: É importante ressaltar: aquele regional que era a proposta inicial do conjunto de repente não era o regional capixaba. Talvez esse de hoje seja muito mais o verdadeiro regional capixaba do que aquele, porque tinha uma referência muito mais forte do interior, de uma música caipira do Mato Grosso…


Elias: …mas aquele regional ainda está presente hoje. Porque você tem uma mesclagem, um sincretismo que permite criar um som do Moxuara. Certamente vamos ser outros daqui a 10 anos e teremos acrescentado outros elementos.


Sem descaracterizar o grupo…
Flávio: A gente espera que não, né? O público é meio exigente nesse tipo de coisa. A gente faz uma música um pouquinho diferente e já falam: “pô, vocês estão se vendendo? Qual é?” (risos)

Então vocês já sofreram um tipo de cobrança desse gênero?
Flávio: Sempre, diariamente! (mais risos)


Marcos: Por exemplo, o segundo disco tem instrumentos que são pouco diferentes do que a gente costuma usar. O sax na primeira música, aquilo ali causou um certo espanto em algumas pessoas que ficaram meio receosas. A última faixa tem um piano…


Elias: …mas o piano, por exemplo, é uma proposta do primeiro disco, que ficou guardada para o segundo. A gente não é fechado, pelo contrário, a gente está aberto criticamente. A gente desce o pau, e faz uma avaliação rigorosa de cada instrumento.


Marcos: E nada de graça, também. Não é colocar um instrumento lá porque ele seja, talvez não o mais bonito, mas o mais fácil de inserir, a questão nem sempre é essa. A gente sempre discute bastante com relação a isso. Se for àquele instrumento que tem de entrar e não tem outro, vamos colocar aquele, por mais simples ou óbvio que ele seja! Se a música tá pedindo, a gente tenta dar isso.


Vocês tem um lado político e sociocultural muito forte, fruto também das suas formações acadêmicas, além dos outros movimentos que vocês já integraram. (Guilherme é formado em Biblioteconomia; José Elias e Flávio em História.) Isso é visível em algumas das suas músicas, como “Remendos e Embornal” e “Onde Quiser Estar”. Baseado nisso e na função social da música que vocês comentaram: vocês vêem os músicos brasileiros e principalmente capixabas assumindo tal função?
Marcos: eu acho que não… o Flavinho pode falar melhor com relação à letra.


Flávio: Com relação à nossa música sim. Com relação aos outros… eu ouço pouca música e os compositores mais modernos eu não tenho ouvido. Acho que alguns compositores se mantém fiéis, inclusive à proposta deles mesmos, com relação as questões políticas. Agora tem outros autores que não, que preferem deixar a coisa solta. No nosso caso, não falar de política é complicado porque a gente enquanto pessoa e músico nasceu num meio de atuação política. Quando o Elias fala que o reflexo da nossa forma de ver o mundo, de ver e interpretar as músicas, eu acho que essa é a questão porque a gente nasceu dentro disso e sabia que em nossa vida caberia música por termos experimentado isso. Então antes de mexer com o Moxuara, conjunto, festival e essa coisa toda, a gente já subiu em traseira de caminhão em festa de comunidade, de movimentos populares prá cantar as músicas, e normalmente elas tinham temáticas políticas e sociais. Entendemos também que o romantismo que a gente traz em nossas músicas na relação da pessoa com a natureza ou da pessoa com uma outra pessoa também faz parte do mundo da pessoa política. Você não é 24h por dia político, você tem o seu “eu social” e o seu “eu particular”, é nesse momento que algumas outras músicas vão entrar, que é na hora de conversar com você mesmo, com suas reflexões, principalmente no momento em que você está sozinho em que você tem como fazer uma introspecção.


Quando a gente lançou o primeiro disco, teve uma pessoa que era muito próxima da gente, da época que a gente fazia as campanhas políticas, enfrentava polícia, greve, essa coisa toda, ela esperava do nosso show algo mais panfletário, que fossemos mais diretos, mais incisivos, como a linguagem do rock por exemplo. A gente achou estranho porque achávamos que a nossa música era mais do que política, só que contemplando essas dimensões da pessoa, que estão além da sua briga com a polícia na rua, no momento de greve.


Elias: Essa discussão sobre arte e política é muito antiga, é do século passado pelo menos. Qual a função da arte? Mais que a música no caso. Alguns autores defendem que a arte tem que ser uma arte revolucionária. O poeta Berthold Brecht defendia isso abertamente: a arte tem que ser uma coisa que defenda a transformação social, que defenda a revolução, e tem que envolver os operários… e tem outros teóricos que defendiam o não, porque a arte por si só é revolucionária, dependendo da forma como ela é feita. A estética dela pode ser conservadora, como pode ser revolucionária. Eu me filio a segunda corrente; você tem que buscar uma estética que rompa com a mesmice, que rompa com o academicismo. Por isso é que eu falo que o nosso pensamento é muito mais ligado ao movimento popular do que à academia, do que à universidade, porque foi ali a gente construiu a nossa visão de mundo, fundamentada na universidade. Lá nos fundamentamos esse pensamento que trouxemos desde as comunidades de base, pastoral da juventude e tal. Aí a arte se alinha, vai refletir o seu descontentamento, a sua inquietude frente à sociedade, independentemente da forma ou da letra que você esteja falando. Quando você abre mão de uma linguagem massificada e propõe uma outra, que fale de sentimento, que fale do amor de forma diferente, que rompa com o amor só romântico, que trate o amor fraterno, o amor materno, como é a proposta nossa, isso é de certa forma romper com a sociedade, romper com o estabelecido e propor que as pessoas vejam a música desse lado, que sintam e sejam elas mesmas, isso é revolucionário! A partir daí você constrói um outro referencial de cultura, um outro referencial de arte, e esse caminho é o aspecto social da música. E nesse ponto a música Moxuara é muito política, não só quando a gente fala do Planalto Central.


Para quem não conhece, falem o que é o MUSICULTURARTE.
Marcos: o MUSICULTURARTE é um projeto que nasceu da prática, nas escolas quando lançamos o primeiro CD, o “Quarto Crescente” em 1996. O CD começou a rodar e algumas pessoas que já conheciam o Moxuara começaram a divulgar o nosso trabalho nas escolas e viu-se que as letras eram um bom material para a análise, e as crianças começaram a gostar disso. Através do convite de duas amigas nossas que eram professoras, visitamos as escolas e tudo começou daí.


Elias: E resolvermos teorizar a partir da prática quando nós vimos que as escolas produziam bastante e que isso melhorava as condições de aula, as relações entre professor e aluno; a nossa música tinha como contribuir. Ao mesmo tempo vimos também, porque esse custo social é relevante, que nós tínhamos essa necessidade de criar um espaço maior para divulgarmos a nossa música. Então são duas vias e a gente não desvincula isso, nem somos hipócritas de dizer “não, nós estamos aqui só prá contribuir com a educação”. Também com isso, mas também com o objetivo de divulgar o nosso trabalho e criar um mercado nesse meio jovem que infelizmente não tem chance de ver outro tipo de música senão aquilo que passa na televisão. E tá funcionando, não só porque está produzindo coisas belíssimas nas escolas, mas também o nosso nome tem uma boa apresentação nesse campo escolar.


Marcos: Daqui a dez anos a gente vai ter a noção mais exata dos resultados disso aí. A criança que nos ouve hoje na escola, que pega autógrafo, que fica empolgado com a gente, jamais vai esquecer disso.


Me parece que a música capixaba experimenta um crescimento e expansão extraordinários neste ano em diversos estilos musicais, como a muito tempo não se vê. A que vocês atribuem isso? (Modismo, valorização local, etc…)
Elias: Eu acho que esse fenômeno é mundial, vem na esteira daquela pergunta lá no início sobre globalização. Mas como o mercado capixaba é um mercado virgem, acaba tendo um impacto maior. As pessoas pensam: “pô, tem música aqui?!” Quando digo que é virgem é porque as pessoas não tinham noção do que é música capixaba, só tinham o olhar voltado para outros estados. Em todos os estados hoje há esse movimento do pessoal local. O maracatú hoje é muito mais forte hoje em Pernambuco do que era na época do Alceu Valença. E quem colhe esse fruto não é mais o Alceu Valença, é o Nação Zumbi, por exemplo. O diferencial aqui no estado é que a música não tinha valor, antes pouquíssimas pessoas conheciam música capixaba. Então essa necessidade de ter alguma coisa daqui fez com que tivesse um “boom”. O mercado, que não é bobo nem nada, percebeu isso e investiu.


Flávio: Eu acho que o Moxuara é bastante responsável por este momento que acontece aqui, pelo menos na Grande Vitória. Como nós tínhamos muito pouco apoio de mídia, graças a Deus agora está melhorando um pouquinho, nós fizemos a nossa mídia alternativa. A partir dela começou essa coisa da gente em 93 peitar todo mundo e fazer o show aqui no Glória; depois foi a FAFI e a UFES, sempre lotado. E o pessoal do movimento popular é guerreiro por natureza, eles fazem questão de pegar o material e mostrar prá amigo, mostrar prá outros, e a divulgação vai pegando. Os frutos são colhidos por essas bandas e a gente se sente orgulhoso, mas nós ajudamos a construir isso. A turma da década de 80, Carlos Papel, Lula de Vitória, João Pimenta, Carlos Bona, teve uma dificuldade muito maior que a nossa. E querendo ou não, gostando da nossa música ou não, estamos inseridos nesse momento da música capixaba.


Falem sobre os novos projetos.
Flávio: Nós estamos com as músicas novas prontas para a gravação. Nós fizemos algumas pré-gravações em estúdio, uma espécie de pré-produção, é a primeira vez que estamos fazendo laboratório com as músicas. E um outro projeto é em parceria com o programa ambiental da CST que é a gravação de um disco com a participação das crianças por onde o MUSICULTURARTE passou. Esse disco deve ficar pronto até Julho.


Quais as mudanças entre os dois títulos e o próximo CD. Ele já tem nome?
Marcos: A gente está fazendo muitas provas, muitos testes inclusive com essa coisa de gravar mais músicas, umas 18 ou 20 músicas e aí selecionar talvez 12, não sei… então não dá prá ter muita noção do que rola. O que a gente pretende, pelo menos, é não tem muito medo de colocar aquilo que, de fato, a música está pedindo. No primeiro disco a gente fez um som até inocente com aquilo que tínhamos pronto e colocamos; ficou muito legal e todo mundo gostou. No segundo disco nós fizemos um trabalho pouco mais erudito; ficou legal também mas às vezes deixamos de colocar alguns instrumentos que poderiam dar mais vida a determinada música. Neste terceiro trabalho queremos suprir todas as necessidades que a música tenha a pedir.



Ouvi algo sobre um DVD…
Marcos: (risos de todos) isso foi uma coisa que surgiu agora, de última hora, que resolveram gravar o show. Isso é coisa do Guilherme, que vai escolher umas imagens e ver como é que fica. Também tem o áudio que na verdade é o mais difícil de fazer. Vamos ver como vai ficar e se desse show sair um material legal, talvez façamos alguma coisa comemorando os 10 anos.


E a revista Moxuara?
Elias: É uma conclusão de curso da Amanda, fã e amiga nossa, estudante de comunicação, e ela está fazendo essa revista dos 10 anos, bem legal e com muita pesquisa, fotos, entrevistas, é trabalho para a conclusão do curso. Conta com a ajuda do GAM (Grupo de Amigos do Moxuara, uma espécie de fã-clube mais informal).


Algum recado pro pessoal do Central da Música Capixaba?
Marcos: Leiam! Procurem se informar mais sobre a música capixaba, sobre a arte capixaba em geral. Já tem bastante coisa aí na Internet prá buscar, valeu!


Flávio e Elias: No mais desejamos muito sucesso pro Central da Música Capixaba, porque o sucesso de vocês significa o nosso sucesso e vice versa! Um abraço!


Para entrar em contato com a banda
http://www.moxuara.com.br
grupo@moxuara.com.br

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