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Crítica: “Todo mundo está feliz aqui na Terra”, do Lordose

Cinco anos depois do álbum “Os Pássaros não calçam rua”, a banda capixaba Lordose (agora sem o “Prá Leão”) volta ao disco com “Todo mundo está feliz aqui na Terra”, seu segundo trabalho. Contando com uma nova formação e com muito mais experiência (já são 10 anos de carreira!), o grupo conseguiu fazer um disco que fez valer a pena a espera.


Como cinco anos é um período de tempo durante o qual muita coisa muda, já era de se esperar que a banda voltaria com uma sonoridade diferente. Assim, a pegada quase hardcore dos primeiros anos do Lordose deu lugar a uma sonoridade mais aproximada do pop/rock, com presença marcante dos metais (principalmente o trompete de Zen Renato), e até mesmo a um certo “suingue” em algumas canções (guardadas as devidas proporções).


Já na parte lírica, não houve grandes mudanças (o que é positivo): as composições sarcásticas e bem-humoradas, aparentemente sem sentido, camuflam em seus versos, por vezes, um tom de crítica à sociedade capitalista. “Um indivíduo”, por exemplo, a música de trabalho do disco (e que vem sendo muito executada em todas as rádios do ES), é contra a globalização, a favor da diferença. A letra diz que “Um indivíduo que tem um só paletó / É um cara que nada / Quadrada / Na quadra envergada / Beleléu carrossel / Vai direto pro céu / Abelhão de papel / Não dá favo nem mel”. Parece realmente sem sentido, mas são detalhes sutis como esse que diferenciam os bons compositores do maus. O maluco beleza Adolfo Oleari, o principal letrista da banda, é um dos bons. Aliás, vale ressaltar ainda que as composições conseguem ser irônicas sem soarem “engraçadinhas”.


Passemos então, de fato, ao disco: “Todo mundo está feliz aqui na Terra” é um trabalho feito em homenagem ao cachoeirense (conterrâneo de Roberto Carlos) Sérgio Sampaio, que na década de 70 fez um certo sucesso Brasil afora. A essência do trabalho é a canção “Todo mundo está feliz” (o “aqui na terra” aparece só no refrão), uma composição de Sampaio, incluída no LP “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista” (1971), projeto do qual participou, dentre outros, Raul Seixas. Apesar de composta há décadas, a música serve muito aos dias atuais e foi “ressuscitada” pela banda para expressar, com a fina ironia de Sampaio, exatamente o contrário do que diz o título do disco. Contribuíram para isso o arranjo da música e a forma como os integrantes a cantaram, dando um tom circense à canção, definitivamente a melhor do álbum.


Trazendo doze faixas, distribuídas num total de 36m35s de música, o álbum tem seus melhores momentos em “Bonifácio Bilhões (melô do baseado, tendo como base)”, uma das canções com mais suingue; “Quase um poema”, com eficiente arranjo de metais e versos que rimam “chova” com “anchovas”, cantados por Serjão Nascimento com sua voz de locutor de rádio. Aliás, aqui, um parênteses: um dos grandes baratos do Lordose é o fato da banda ter três vocalistas (ou “gritadores”, como prefere Adolfo), que se revezam na função tanto no disco quanto nos shows: Adolfo (o que canta na maioria das músicas), Serjão (que participa muito também dos backing vocals) e Zen Renato (que segura o trompete numa mão e o microfone noutra nas músicas que interpreta).


Voltando aos destaques do disco, temos ainda “Pathos: patética apatia”, mais uma canção cheia de suingue roqueiro; “Flautim & Tuba”, com letra crítica e até mesmo um momento de profeta de Adolfo Oleari, nos versos “Do céu cairá menos avião / As coisas vão ficando como ainda não estão”. “Somos nada que interessa”, composição do amigo Sandro Letaif; “Gugu”, de Jack Daniels, com uma levada meio soul; “Hoje não vai dar”, com uma pegada hardcore; e “Um indivíduo”, a melodiosa canção que gruda nos ouvidos como chiclete; completam a lista das melhores canções.


Como o leitor bem deve ter percebido, “Todo mundo está feliz aqui na Terra” é um álbum quase todo de ótimas canções. As não citadas entre as melhores também não comprometem, sendo sim boas canções. Assim, o que pode-se dizer sobre este segundo trabalho do Lordose é que trata-se de um disco redondinho, que dá à banda condições de ser alçada ao rol dos grandes nomes do pop/rock nacional. Quem ouvi-lo certamente vai se sentir mais feliz aqui na terra.


“Todo mundo está feliz aqui na terra”, faixa-a-faixa – Por Adolfo Oleari
Bonifácio Bilhões: “É uma peça de teatro dos anos 70. Fala de dinheiro, é a história de um cara pobre que sugere que um intelectual jogue. Ele ganha, mas não aceita dividir a grana com o pobre. A música fala desse lance de divisão de bens.”


Quase um poema: “É um caso de amor. Um amor súbito, ao mesmo tempo, trata da impossibilidade de fazer uma cantada que estava programada. Pode tratar de um estupro. Mas também é um pouco sem sentido.”


Todo mundo está feliz aqui na Terra: “Aqui é a ironia, o humor, o non-sense de Sérgio Sampaio. Ele é uma referência para gente.”


Bido Ivo – Advogado astronauta motoqueiro boi: “Palavras com sons que se atraem. É um jogo de palavras sem siginificado.”


Pathos – Patética Apatia: “Trata da euforia e da apatia, de autos e baixos.”


Flautim e tuba: “Tem a ver com o campo de afetividades e tecnologia, a onda do retorno à produção artesanal. Relaciona-se com a produção pós-industrial.”


Modelo de filme, comida de aerosol: “Tem a ver com nutrição, colesterol.”


Somos nada que interessa: “Música de Sandro Letaif, um amigo da faculdade. Fala de não valer nada quando se está numa pior.”


Gugu: “Essa é de Daniel Simões (Jack Daniels). É um personagem. A pessoa é real mas a história não.”


Hoje não vai dar: “Música de amor, em ritmo hardcore, estilo Mukeka de Rato. Fala do amor platônico.”


Lara: “É uma personagem, uma menina teimosa. Tem também o jogo de palavras do refrão.”



Um indivíduo: “Contra a globalização. É a favor da diferença. Não se pode ter um único figurino na Terra, é o melô do paletó, que está na Rádio Litoral. Virou a Jullietzche do disco.”

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