Crítica: Java Roots à “1000 m/s”
O termo “acid reggae”, criado para rotular a mistura de ritmos promovida pelo Java Roots, pode até causar um impacto legal, diferente. Mas o adjetivo que acompanha o substantivo reggae no tal “rótulo” não qualifica o som do grupo capixaba. Se restringirmos a escolha do adjetivo mais adequado aos gostos distinguidos por nosso paladar, o que melhor caracterizaria o som do grupo é o “doce”.
Quem conhece o Java Roots ou ouvir o novo CD (e segundo da carreira!) da banda capixaba, chamado “1000 m/s”, poderá comprovar que, de ácidas, as doces músicas do grupo nada tem. Mas que fique bem claro: o “doce” aqui usado não tem a conotação pejorativa que este termo geralmente ganha quando associado ao som de algum artista. Muito pelo contrário: o tom poético da maioria das composições e o sons agradáveis das músicas estão para o ouvido assim como um bom doce está para o paladar.
Gravado e lançado três anos após o disco de estréia do Java Roots, “1000 m/s” é resultado do processo de evolução e amadurecimento – para melhor – pelo qual a banda passou durante os anos de estrada. A variedade de ritmos é, talvez, o elemento que mais ganhou com isso. Alguém que nunca tenha ouvido falar da banda, ao escutar as músicas de “1000 m/s”, dificilmente diria que trata-se de uma banda de reggae. E até que este alguém não estaria errado: ao ritmo jamaicano, o Java Roots mistura, no trabalho, elementos pop, rock, jazz, soul, maracatu e até mesmo samba e trip hop. O resultado? Um ótimo disco!
“1000 m/s” começa com a atmosfera envolvente da introdução da faixa-título, que fala de esperança e é uma das melhores canções do CD. Da primeira à nona faixa (de um total de quinze) estão as canções com maior pontencial para agradar ao grande público. É nesta lista em que se encontram, por exemplo, “Na Jornada” e “Além da Física”, ambas com grande aceitação pelo público (nas rádios jovens do ES, por exemplo, alcançaram o Top 10 das paradas), boas levadas e boas letras. Ainda na citada lista estão as singelas “Miragem” e “Os anjos”, a alegre “Fim de Semana” – um ska básico – e a excelente “O caranguejo e a Paneleira”, na qual a banda remete ao maracatu e ao mangue beat de Chico Science para cantar a destruição do mangue de Vitória e um romance entre as personagens do título.
Também dentre as nove primeiras faixas, “Por entre as plantas”, a oitava, destoa desse “primeiro grupo” de canções. A música tem uma letra mais poética e uma levada mais tranquila, caindo mais para o lado da MPB. Mais ou menos as mesmas características têm as canções “Todas as lágrimas” (um quase-samba, bem tímido), “Páginas da Vida” (iniciada por um poema incidental, e que tem uma levada preguiçosa) e “Gaivota”. As duas últimas canções são “Jóia”, uma homenagem ao Espírito Santo, e a chatinha “1,99 cada”, que entretanto tem uma boa letra.
Terminada a audição de “1000 m/s”, o que pode-se dizer é que o Java Roots conseguiu dosar bem apelo pop e honestidade artística. Ou seja: tem músicas para agradar o povão, feitas, entretanto, sem apelar para clichês, de uma forma “natural”, como a própria banda gosta de dizer. Vale destacar as boas composições do principal letrista, Chocolate, que mais uma vez mostrou ser um grande talento, e os climas adequados e envolventes que a banda conseguiu criar na maioria das músicas. Em algumas delas, é impossível não “viajar” junto com a banda. No mais, mermão, é ralar: a banda já tem um bom público aqui no estado e prova com este disco que tem boa música para mostrar ao resto do Brasil. Quem lhes der atenção, provavelmente vai se deixar conquistar.
“1000 m/s “, faixa-a-faixa – Por Chocolate e Thiago (vocalista e guitarrista do Java Roots)
1000 m/s: Essa música fala sobre esperança, a esperança vista pelos olhos de uma criança, com toda a pureza que só uma criança pode ter. Tinha um arranjo inicial totalmente jazzístico e quando entrou na banda mudou totalmente! Foi surgindo aos poucos, primeiro o refrão, depois a estrofe, depois a introdução, só ficou pronta perto das gravações.
Tenha-me: É uma poesia que fala da lua, clichêzona mesmo. É importante ser frizado que, por a lua ser uma coisa tão clichê, eu jamais pensei que fosse escrever algo prá ela. Mas fui obrigado a me render ao misticismo, àquela coisa que a lua causa. Foi a primeira música que nós fizemos quando voltamos de Niterói, no primeiro ensaio após a gravação do primeiro disco. E do jeito que ela veio, ficou até hoje. Tem um solo de guitarra que prá mim é um dos mais bonitos, Thiago sai rasgando todo mundo.
Na jornada: Mais uma música positiva, traz muita alegria ouvi-la. Particularmente, eu, toda vez que escuto essa música fico com um sorriso no rosto, o arranjo dela conseguiu passar toda a leveza, essa positividade de você acreditar que na jornada há mais pedras na estrada, e ainda falamos de amor, cantamos amor.
Miragem: É uma música de amor, bem recente (o arranjo). Já a letra foi feita há dois anos. Não existe uma música inspiradora porque, quando eu vou falar de amor homem-mulher, a maioria das vezes eu falo de desilusão amorosa, é mais gostoso você falar de desamor. O poeta é um fingidor né?
Além da Física: Essa quer dizer o seguinte, a expressão “Além da Física” se refere a tudo aquilo que vai além das norminhas, das regrinhas que os homens costumam colocar prá tudo, sacou? Prá tudo o homem tem uma regra, uma matemática, uma ciência. Essa música fala então das coisas que não se pode explicar, mas que mesmo assim você tem que conviver com elas porque sabe que isso existe. E ela tem uma coisa meio disco, né? Serve bem prá gente entender um pouquinho das grandes e diferentes influências da banda.
Fim de semana: É rock n roll total, né? Fim de semana é zueira, o sonho de consumo do brasileiro. Sábado, domingo, lesdo, zuar tudo no domingo, ficar chapada, zueira! Por isso que é um ska, esse ritmo traz essa energia, essa alegria do “vamos lá, vamos curtir”.
Anjos: É a música número sete? É nosso amuleto. Existe uma mística dessa coisa do número sete, a gente brinca com isso e acaba levando a sério. Toda música que a gente sente que assim, bate lá na alma mesmo, a gente escolhe prá ser a sete. Ela foi feita numa manhã de domingo de chuva, depois de um bom show no sábado. Quando você faz um bom show no sábado, no domingo, eu pelo menos, não quero saber de nada, não quero nem sair de casa. Pego uma fita, ponho no video, fico lá curtindo a chuva, amarradão, sozinho. A música reflete isso, o prazer da missão cumprida.
Por entre as plantas: Era um poema meu. Tem um tom confessionário, eu ainda não encontrei meu grande amor. O engraçado é que essa música a gente enrolou prá terminar, nunca conseguíamos arranjar ela completamente. Nós só conseguimos terminá-la dentro do estúdio, praticamente. Entrou meio que de última chamada, e hoje a gente escuta ela e gostamos muito. Tem um clima totalmente soul music, com a guitarrinha, uns tecladões.
O caranguejo e a paneleira: Começa com um rap, é uma homenagem à nossa cidade, mas num tom crítico. Ela é regionalista no sentido brasileiro da palavra, já que é um maracatu né? A idéia da primeira parte “Aos pés do Convento da Penha / No meio do mato se esconde…”, foi uma homenagem ao Chico Science, por isso o caranguejo e a paneleira, eu faço uma coisa meio Chico Science no vocal que é prá lembrar ele mesmo. É a visão dele, da relação que ele tinha com o mangue do Recife, transposta pro nosso mangue, que na verdade é a mesma situação, o nosso mangue foi destruído da mesma forma que o dele. Essa parte eu fiz quando estava indo pro ensaio, eu passando por baixo da ponte, estava uma maré braba, e eu escrevi. Já a segunda parte é um poema, que fala de amor. Daí o namoro do carangueijo e a paneleira. Vale a pena citar também o arranjo, com a levada maracatu e rock n roll, virou uma música pop muito forte.
Todas as lágrimas: Essa o Xuxinha falou que não conseguiu decifrar, mas talvez ela fosse um samba psicodélico. Quando eu compus a música, ela era uma coisa bem MPB, aí os caras chegaram, pegaram, o Xuxinha já levou uma levada na bateria, o Thiago pegou a guitarra e meteu um monte de delay, de eco, que criou uma atmosfera meio psicodélica, trip hop brasileiro. É meio samba reggae psicodélico também.
Vou te acompanhar: Essa é roots reggae total, clichê. A letra fala de acompanhar papai do céu, positividade, que tocar é bonito demais. É uma das melhores músicas prá mim, tem uma coisa de louvar mesmo, de agradecer a Deus por você estar aqui fazendo seu som com seus amigos, de estar na estrada, gravando disco novo. Reflete isso aí prá gente.
Páginas da Vida: O poema inicial, chamado “Outono”, que não entrou no encarte, é na verdade a letra da primeira música do Java Roots, que por motivo de força maior acabou não sendo tocada. Júnior fica revoltado até hoje por isso. Acho que pro terceiro disco essa música é ressucitada. Uma curiosidade é que a versão original de “Outono” tem três estrofes, eu recito dois estrofes na música, e cada uma delas foi feita num ano diferente. Jà a letra de páginas da vida fala sobre o fato do ser humano ser visto pelo que ele parece ser, parece que o cara é uma coisa mas, na visão de outras pessoas ele é outra coisa. No final, só vale mesmo o cara que tem grana, o cara só tem moral quando ele tem uma estabilidade. Não é assim cara, você é o que você rema. As páginas da vida são, tipo, um dia após o outro. As pessoas te vêem e já acham que você é pobre, mas você pode ser rico de espírito, de força de vontade, existe um preconceito, até com quem quer trabalhar com música. Isso foi inclusive o lance de uma família que eu conheci, e rolou esse astral de rolar aquele questionamento de, “será que a música vai te dar alguma coisa e tal”, e daí eu fiquei muito puto e fiz a música. “Vou voar com as asas desse amor que cega” seria assim, voar com as asas da banda, que é um amor que deixa gente cego mesmo, de voar sem limites.
Gaivota: Essa o Thiago, quando compôs, chegou prá mim e disse, “fiz uma música pensando em você”. Aí eu ouvi, viajei fácil, e a intenção da letra foi a mesma viagem que a minha, que era uma coisa de falar com o ser-humano. Ela foi baseada num livro. Vale a pena destacar o arranjo, ele é muito diferenciado, é um dos xodós da banda, todo mundo gosta muito, uma coisa meio soul.
Jóia: É um samba-funk né cara? É uma coisa com um suingue de guitarra e baixo muito legal, brincando com a bateria do Xuxinha, uma homenagem declarada ao Espírito Santo, fazendo referências a alguns pontos. Infelizmente não deu prá citar todos.
1,99 cada: É a pilha-mor, um tapa de luva. Uma música muito séria, um trip hop, que tem essa atmosfera viajante. Fala sobre o quanto os valores foram invertidos no mundo. O verso “Eu sinto falta daquele que um dia quis cantar: “cadê sua fração”?” é uma referência à Plebe Rude, “Até quando esperar, até me ajoelhar, esperando a ajuda de Deus”, saca? Ela termina questionando “Você acredita em quê? Acredita em que acredita? Acredita?”, que é uma das características da banda, essa pilha de deixar as pessoas boladas com o que está se falando na música. A gente canta prá pessoas e fala sério ao mesmo tempo. Eu sou um artista, essa é minha função, botar minhoca na cabeça das pessoas. E tem uma curiosidade sobre o disco, ele começa com “1000 m/s”, que fala de esperança, e termina com essa música. É importante se lembrar que é preciso ter esperança, já que o mundo anda desse jeito, tão descartável. Acho que essa é mensagem mais importante.