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Banda N.E.R.D: Cinco muleques fazendo som de gente grande

“Quem vê cara não vê coração”, diz o ditado. Adaptado para definir a banda N.E.R.D, formada por cinco garotos com idade média de 16 anos, poderia dizer: “Quem vê cara não imagina o som”. É exatamente esta a frase que diria a um desavisado que, ao olhar para a foto ao lado – onde cinco adolescentes posam fazendo cara de mau, não acreditasse que esta banda de garagem consegue mesclar rock n roll e ritmos afro-brasileiros com a competência de gente grande, fazendo um som gostoso e trazendo um discurso afiado e politizado em suas canções. Pois consegue.

Banda formada em 1998, na pequena cidade de Cachoeiro de Itapemirim – ES, a N.E.R.D traz no próprio nome – que significa “Nada Está Realmente Democratizado”, e nas influências dos integrantes, que vão desde Chico Science e Nação Zumbi até Rage Against The Machine e Sepultura, a prova de que não são apenas cinco muleques querendo se divertir com sua bandinha de garagem, mas que tem uma mensagem a passar, o que expressam nos versos “Por enquanto nossa missão é lhe informar mas se for preciso nóis vamos lutar com força, vontade, cara e coragem”, da canção Canto de Guerra.

Nosso colaborador Vitor Lopes conversou com essa moçada, que são mais um destaque da Central de Talentos. Confira como foi o bate-papo:

Como surgiu a banda N.E.R.D? Já mudaram a formação alguma vez?
N.E.R.D: A banda começou com Thadeu (bateria), Felipe (guitarra, atual Banda Fratura) e Roberto (primeiro vocal). Os primeiros ensaios apareceram logo que eu (Thadeu) comprei a bateria. As músicas que tocávamos eram aquelas que todo mundo começa, como “Hey Joe” e “Smell Like Teen Spirit”. A coisa era tão precária que nem microfone nós tínhamos. Teve um dia que resolvemos tocar Planet Hemp e precisaríamos de dois vocalistas, então chamamos o André (atual vocalista). O Estéfano, baixista, nem baixo tinha, e ia para os ensaios só mesmo para conversar. Duas semanas antes do primeiro show o Roberto (vocal) saiu e entrou o Alexandre, o baixista conseguiu um baixo para tocar e fizemos a apresentação. A banda era dividida, pois Felipe e Estéfano gostavam de punk e o resto gostava de algo como Chico Science, logo os dois saíram. Achamos que a banda ia acabar, só que chamamos Jamilsin e Maróquio, respectivamente baixo e guitarra para tocar. Com essa nova formação decidimos gravar a primeira demo, que tinha somente uma música, a primeira versão de “Canto de Guerra”. O guitarrista Maróquio só podia ensaiar a cada quinze dias, assim precisaríamos de outro guitarrista, e resolvemos chamar o Paulo “Junin”. Depois da gravação da demo o baixista teve que sair, entrando assim o Caio. Complicado?

Com todo esse entra e sai, como a banda foi afetada, positivamente e negativamente?
N.E.R.D!: A desvantagem é que quando alguém sai o ritmo da banda cai, fica tudo muito morno e desanimador. A vantagem é que quando entra um novo músico ele sempre trás idéias novas para a banda, reciclando o som e mostrando novos conceitos.

Por favor, falem um pouco a respeito do estilo da banda e de suas influências musicais
Thadeu – bateria: Sempre gostei de sons mais pesados, como Sepultura e Pantera.
Paulo “Junin” – guitarra: Gosto de sons mais instrumentais com guitarra, ou seja, tudo que envolva guitarra.
Alexandre – vocal e percussão: Apesar de tocar percussão sempre toquei violão. Ouço muito Guns and Roses. Na percussão o que mais me influencia é Nação Zumbi.
André – Vocalista: Eu gosto de muito de Nação Zumbi, NOFX e as bandas de Hard Core.
Caio – baixo: Minhas influências são mais para o lado Pop-Rock, como Engenheiros [do Hawai]. Ouço muito Guns e Nirvana. Eu sempre toquei guitarra, comecei a tocar baixo quando entrei na banda e acabei tomando gosto.
Thadeu: Inclusive, depois que o Caio entrou, nosso som caiu mais para o rock. Nós misturamos muitas coisas pesadas, principalmente a bateria e guitarra. Mas temos também a percussão que nos trás mais para os ritmos afro-brasileiros.

De uns anos para cá vem surgindo uma quantidade enorme de bandas de rock, hardcore e heavy-metal, todas basicamente iguais e sem nenhum atrativo. Só que vocês estão se destacando por apresentar uma mescla de rock com ritmos brasileiros. Como vocês vêem o mercado para este tipo de música, as rivalidades entre as bandas, e como se originou essa mistura inusitada de ritmos extremos?
N.E.R.D!: Por nossa parte a rivalidade não existe, fazemos músicas porque gostamos, e não para dizer que somos melhores e que os outros são piores. Nós moramos no Brasil e aqui tem muita banda de hardcore e heavy-metal, logo para você se sobressair fica difícil, a não ser que você seja muito bom. Já que moramos no Brasil, resolvemos mesclar o som pesado com o som afro, como maracatu, capoeira e ritmos regionais que mostram a cara da nossa terra. No ES temos bandas que fazem isso, um exemplo é o Pé do Lixo, mas aqui em Cachoeiro não existe. Toda essa mistura começou a partir do momento que o Alexandre ingressou na banda. O povo tem idéia de que no Brasil, música que não é pesada é samba e pagode, e é por isso que só ouvimos o rock feito pelos gringos. Precisamos valorizar o rock nacional!

A média de idade da banda é de 16, 17 anos. O mercado é bem fechado para grupos novos, e principalmente para banda iniciantes e com integrantes tão novos. Como vocês encaram isto?
N.E.R.D!: Seria até uma injustiça se começassemos a fazer sucesso agora, pois precisamos ainda de tempo para ganhar experiência. As bandas novas que surgem tem componentes com idade de 20 e poucos anos, e isso é um incentivo imenso para nós, pois esperamos atingir a maturidade com essa idade.

E como vocês vêem o mercado fonográfico do Brasil?
O mercado fonográfico brasileiro é engraçado. Nas rádios só toca o que o povo quer ouvir, enquanto o povo quiser ouvir forró e axé, só teremos isso, aqui raras são as rádios com som mais alternativo. Um exemplo é o Sepultura, se eles ficassem no Brasil, provavelmente eles não iriam fazer sucesso, é por isso que eles saíram do país. O mercado não dá chance aos novos grupos, as gravadoras insistem em ficar relançando os grupos com CDs “Ao Vivo” e “Acústico”, querendo ressuscitá-los, preocupando-se apenas com o dinheiro.

Como vocês encaram esta onda de mp3, já que vocês estão nessa também? E onde vocês acham que fica o papel da gravadora nesses tempos digital?
N.E.R.D!: Antigamente era a banda que corria atrás das gravadoras, hoje em dia você joga sua música na Internet e fica mais fácil para as gravadoras ouvirem, e se eles te procurarem, é porque eles ouviram a música por iniciativa própria. Na Internet, você tem um campo vasto de público para explorar, logo muito mais pessoas poderão ouvir seu som. Além disso, o custo de divulgação é zero.

As letras de vocês se caracterizam principalmente nas críticas à sociedade e diferenças sociais. Como se dá o trabalho de composição?
N.E.R.D!: Nossas letras falam sobre a situação de outras pessoas. Nós relatamos o que vemos e o que passam para a gente, tanto é que acolhemos à todos, temos letras de outros compositores amigos e letras da própria banda. Na N.E.R.D! todo mundo compõe, nós misturamos os pontos de vista de cada um e juntamos tudo no ensaio, onde todos dão palpites. Sempre rola divergências quanto a alguma música nova, mas no fim é superado. Nós fazemos a música porque gostamos e não fazemos pensando no sucesso. Nós queremos mudar a idéia de que todo roqueiro é maconheiro, sujo e não tem educação. Quando você chega para alguém e fala que é de uma banda de rock, os caras já jogam aquele olhar de discriminação.

Vocês tem uma característica que é a de escolher cuidadosamente os locais onde irão se apresentar. Qual o motivo disso, como são organizados os shows da N.E.R.D e como foi tocar dois anos seguidos no palco livre do Festival de Alegre-ES?
N.E.R.D!: É claro, pois não adianta tocarmos junto com um grupo de forró pois o público será totalmente oposto ao nosso, logo eles não irão gostar. Apesar de já termos tocado num trio elétrico, o trio foi só um palco, não tinha nada a ver com axé. É até interessante um dia tocarmos com o pessoal do pagode e forró, pois quem sabe eles não gostem do som?! Nosso show é muito interessante pois nós não planejamos quase nada, tudo é decidido um pouco antes da apresentação. Nós tocamos músicas nossas misturadas com covers de Nação Zumbi, Garotos Podres, entre outros. A melhor coisa que pôde ter acontecido para nós foi termos tocado no Palco Livre de Alegre, pois só estava lá quem gosta do gênero, tudo é muito bem preparado para um show de rock. Temos que dar valor a música de raiz, ao rock, que também é popular.

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