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Maníacos, pregadores e competentes

O mundo do rock sempre foi marcado por personalidades esquisitas, bombásticas, curiosas. Nesses mais de cinqüenta anos foram muitos os ídolos com tendências depressivas, suicidas, manias estranhas, e a maioria infelizmente acabou tendo um fim antecipado.


O Manic Street Preachers também foi vítima dessa tendência. A banda do Pais de Gales que está lançando em outubro sua coletânea de sucessos é bem diferente da que iniciou suas atividades no final da década de 80.


A história toda começou na época de comemoração dos dez anos do Sex Pistols, em 86, quando uns amigos que costumavam jogar futebol juntos resolveram montar uma banda de rock. Estes eram James Dean Bradfield (vocal e guitarra), Nick Wire (baixo) e Sean Moore (bateria). Eles colocaram o projeto em prática três anos depois, quando prensaram por conta própria 300 cópias do EP “Suicide Alley”.


No mesmo ano, um amigo deles, Richey Edwards, assumiu a segunda guitarra da banda e os Manics lançaram o segundo EP, “New Art Riot”, que chamou a atenção da mídia européia. Nesse período os gauleses já começavam a dar mostras de seus ideais por meio de letras com forte conteúdo político-social, posições socialistas e influências punk.


Em seguida a banda assinou contrato com o selo cult inglês Heavenly Records, que lançou mais dois singles notáveis: “Motow Junk” e “You Love Us”. Após o lançamento deste segundo, o MSP saiu numa turnê muito conturbada por todo Reino Unido. Num destes shows, em maio de 91, estava na platéia o jornalista Steve Lamacq, do renomado semanário inglês New Music Express. Lamacq não creditava muita seriedade às atitudes dos Manics e ao final da apresentação teve uma conversa nos bastidores com o guitarrista Edwards. No meio do papo o guitarrista escreveu em seu braço, com uma gilete na frente dos fotógrafos, “4 Real” (four real, de verdade) em resposta às dúvidas do jornalista.


Claro que eles ganharam capas de várias revistas na época e alguns dias depois veio o contrato com a Sony. Em 92 saiu o primeiro disco, “Generation Terrorist”. Este vendeu cerca de 300 mil cópias e apresentava para o mundo uma banda com pose glam que fazia um hard rock competente. Em junho de 93 foi lançado o segundo álbum, “Gold Against The Soul”, trazendo uma sonoridade mais pop e menos crua que o disco de estréia.


No ano seguinte os Manics continuavam fazendo seus shows, mas o alvo da mídia britânica era Richey Edwards. Ele foi internado numa clínica psiquiátrica com colapso nervoso em agosto, mês do lançamento de “Holy Bible”, o terceiro álbum. Apontado por crítica e público como o melhor do grupo até então, “Holy Bible” trazia um clima mais depressivo e sombrio, resultado da fase pela qual passava o compositor Edwards.


Com uma viagem de promoção aos Estados Unidos marcada em janeiro de 1995, eis que acontece o divisor de águas na carreira da banda. O conturbado Edwards simplesmente desapareceu dias antes da excursão. No início os outros integrantes não deram muita bola, Richey já havia ficado alguns dias sem dar notícias. Porém, o tempo foi passando, a polícia entrou no caso e o fato é que ele nunca mais foi visto. Algum tempo depois seu carro foi achado próximo a uma ponte conhecida pelos suicídios acontecidos no local. Seu corpo nunca foi encontrado e a polícia tem o caso como paralisado.


O que poderia causar o desmoronamento da banda, age com força inversa. Dois meses depois os três integrantes decidiram levar o MSP adiante e reestreiaram como um trio no final de 95, abrindo para os Stone Roses. No ano seguinte o grupo lançou o clássico “Everything Must Go” (menção clara ao período que passaram), cujo primeiro single, a bela “A Design For A Life”, atingiu o segundo lugar na parada britânica. O álbum foi um sucesso na Europa e ganhou disco de platina duplo com 2 milhões de cópias vendidas só no Reino Unido. “Everything Must Go” apresenta um Manic Street Preachers distante dos exageros (visuais, sonoros, …) do início da carreira e traz melodias que seriam aprofundadas no disco posterior.


Em fevereiro do 97, o MSP ganhou os prêmios de melhor banda e melhor álbum do ano no Brit Awards, feito que se repetiu em 99. Um hiato de um ano e meio seguiu-se para a preparação do próximo álbum. Em agosto de 98 veio o primeiro single, “If You Tolerate This Your Children Will Be Next”, que logo chegou ao primeiro lugar na Inglaterra. “If You Tolerate…” traz mudanças musicais fortes: saem as influencias punks e entram as progressivas, muito bem moldadas para darem suporte a um texto rico mais do que nunca.


“This Is My Truth Tell Me Yours” saiu em setembro e também alcançou o primeiro lugar nas paradas britânicas. Ele todo segue as influências do primeiro single e é recheado de citações nacionalistas. Enfim os Manics atingiram o radical “mega”, passando a se apresentar em arenas e grandes lugares abertos. Em 99 eles estrelaram vários festivais, como o Glastonbury, o T in The Park e o V 99.


No ano seguinte a banda se dedicou à gravação de um novo álbum, que só sairia em 2001. “Know Your Enemy” aparece como o disco mais plural dos Manics. Eles utilizaram mais elementos eletrônicos e retomaram assuntos antigos, a exemplo da temática política. Bons singles se destacam, mas o álbum não veio com o mesmo brilho dos dois CDs anteriores.


Está previsto para hoje o lançamento mundial de “Forever Delayed”, o primeiro greatest hits do MSP. O disco traz dezoito músicas produzidas ao longo dos treze anos de carreira mais duas faixas inéditas – “There By The Grace Of Gold” e “Door To The River”.


Passada mais de uma década de muito rock n roll, auto-multilações, prêmios e um desaparecimento inexplicado, um disco resumindo a produção nesse período se encaixa muito bem. Por todos esses fatores e, principalmente, pela rica produção musical desses 3, ora 4 músicos, “Forever Delayed” é um documento importante de uma banda que nunca teve o reconhecimento de um Radiohead, mas que merece muita atenção.

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