Roger Moreira: “acho os Raimundos o melhor do rock mundial”
A idéia inicial era ser uma banda de covers. Beatles, rock dos anos 60, punk e new wave eram a base do repertório da banda, que surgiu em 1980 e não tinha nome fixo. Nome aliás, não poderia ser outro. Os covers que tocavam não eram muito fiéis as versões originais, o grupo sempre avacalhava e distorcia as canções, e o nome Ultraje a Rigor veio a calhar.
Devidamente batizados, o Ultraje, composto por Roger, Leôspa, Maurício e Edgard Scandurra, que nessa época já tocava também no Ira!, participou do projeto Bôca no Trombone, em São Paulo, tocando apenas composições próprias. O sucesso veio com o segundo compacto em 1984, “Eu me Amo” e “Rebelde sem Causa” estouraram nas rádios. “Nós Vamos Invadir sua Praia” foi o primeiro LP que, impulsionado pelo hit “Ciúme”, conquistou o título de primeiro LP de rock nacional a ganhar discos de ouro e platina. No total foram 4 anos de sucesso ininterruptos. O segundo disco, “Sexo!”, também foi bem nas vendas, mas o LP seguinte, “Crescendo”, não emplacou e o Ultraje começou a sumir da mídia. Vieram as mudanças de integrantes e um longo tempo longe dos estúdios até o ano passado, 1999, quando o Ultraje pintou novamente no mercado com o CD “18 Anos Sem Tirar”.
Agora, trabalhando em um novo disco para o próximo ano, o Ultraje se prepara também para se apresentar no Rock in Rio III, no dia 14 de janeiro. Nesta entrevista ao MúsicaNews, o vocalista Roger Moreira fala sobre as formações da banda, a relação com as gravadoras, mp3, Rock in Rio e muito mais. Confira:
Música News: O Ultraje, desde o início da década de 80, foi uma banda de formações instáveis, um exemplo foi o Edgard Scandurra, que deixou a banda para se juntar ao Ira!. Com quase 20 anos de entra e sai na banda, como você conseguiu manter o Ultraje firme até hoje? O que a banda perdeu e ganhou com isso?
Roger – Infelizmente, isso parece verdade, observando-se à superfície; mas na verdade, tivemos um núcleo bem estável, no começo, com o Leôspa, o Maurício e eu. O Edgard já era do Ira (na época, sem o ponto de exclamação) quando tocava com a gente, era só uma questão de tempo até que ele não pudesse mais dividir-se entre as duas bandas (entre outras de que ele também fazia parte). De 90 para cá, tivemos também a mesma formação fixa, com o Flávio, o Heraldo e o Serginho Petroni, que em 99 deu lugar ao Mingau. Quando o Maurício saiu (e o tripé inicial foi desmontado) em 89, passamos por um período de entra e sai que não me agradava, por isso resolvi arrumar outra formação que quisesse se manter estável. Consegui manter o Ultraje às custas de muita perseverança e teimosia, pois julgava que ainda não tinha completado os planos para o Ultraje, mas o fato de termos muitos fãs fiéis nos ajudou nisso, pois sempre tivemos público para continuar tocando.
A banda perdeu em credibilidade como banda, dando a impressão de que o Ultraje era eu, o que não é totalmente verdade, principalmente no começo. Apesar de eu ser o compositor da maioria das músicas, eu traduzia o espírito coletivo da banda em minhas composições. O Leôspa, o Maurício e eu éramos (e somos até hoje) muito unidos, muito criativos e muito divertidos. Hoje, eu procuro manter o espírito daquela época, mas é mais difícil. Em compensação, acho que tocamos muito melhor hoje em dia, além de sermos mais maduros com relação à vida artística.
Música News: Vocês começaram como uma banda que tocava covers dos Beatles, de bandas punks e de rock dos anos 60. Em 86 gravaram “Marylou” em ritmo de carnaval, mas sempre se concentraram no punk-rock. Como você definiria e quais as diferenças do Ultraje de 80 para 90?
Roger – Além das que descrevi anteriormente, ainda que nunca tivéssemos mudado de formação, não é possível continuar igual para sempre, já que todo o resto está mudando. O ambiente em que aparecemos, nossa idade, a idade do público, o aparecimento de outras bandas, etc. No entanto, a idéia básica ainda é praticamente a mesma, rock animado e divertido (o que é quase uma redundância, mas às vezes não é levado em conta) e, de quebra, se possível, com algum conteúdo para reflexão.
Música News: Na Revista ShowBizz (outubro/00) o disco “Nós Vamos Invadir Sua Praia” foi dito como o maior disco do rock nacional. A revista comparou a qualidade deste álbum com LPs do Beatles, Elvis P., Led Zeppelin e Nirvana. Para você, qual a importância desse disco para o rock nacional?
Roger: É claro que eu sou suspeito para falar, mas realmente esse disco é, se não o maior, um dos maiores do rock nacional. O repertório é excelente, muitas barreiras forma quebradas com ele, é uma referência para diversas outras bandas e acho que foi a melhor tradução do espírito do rock para o ambiente brasileiro, não simplesmente um pastiche de outras bandas importadas, nem uma colagem dos famosos três acordes com letras em português. É, sem dúvida, uma das mais bem sucedidas aclimatações do rock no Brasil.
Música News: Na década de 90 foram lançadas mais de 5 coletâneas do Ultraje, umas contra a vontade do grupo, outras sem nem o conhecimento da banda, e ainda houveram duas coletâneas que não eram fiéis aos originais. O que você acha dessa intromissão da gravadora na carreira da banda e até que ponto a banda fica vulnerável à ação da gravadora? Por que trocaram a gravadora Warner pela Deckdisc/Abril Music?
Roger – Nós provavelmente fomos ingênuos ao assinar o contrato, não nos dando conta de que eles poderiam fazer isso quando quisessem, tornando-nos, assim vulneráveis à essa ação. Um contrato mais bem feito, se possível com a ajuda de um advogado, restringe as ações danosas da gravadora ao grupo, mas nem sempre é fácil conseguir o que se quer, ou mesmo perceber o que pode atingí-lo mais tarde. A gravadora é, via de regra, muito mais experiente que qualquer banda de rock. É claro que não aprovo, mas um artista pensa em arte (ou deveria pensar), enquanto a gravadora pensa em dinheiro. Não simplesmente trocamos de gravadora, pedimos rescisão de contrato com a Warner ao percebermos que eles não nos dariam mais tudo de precisávamos (em 95, se não me engano), e assinamos com a Deckdisc/Abril em 99 pois foi a única que se interessou em lançar nosso disco ao vivo, que era o que eu queria fazer. Ficamos sem contrato (mas ainda fazendo shows, o que, em suma, é o que nos sustenta) por cerca de 4 anos.
Música News: Algo crescente na indústria fonográfica mundial é a divulgação de músicas pela Internet. O Ultraje é uma banda que disponibiliza grande quantidade de músicas próprias no seu site. Como você vê essa nova fase da música e qual a importância da MP3 nesse contexto?
Roger – Acho ótimo poder trabalhar direto com o público, sem a interferência freqüentemente nociva, mas por enquanto necessária, da indústria fonográfica como um todo. Da maneira como as coisas funcionam hoje em dia, tocar nas rádios e TVs é mais uma obrigação, já que não recebemos por isso e os direitos autorais são uma piada. Gravar discos quase não dá dinheiro para o artista, comparando com o que ganhamos tocando ao vivo. Tudo isso serve apenas para marcar shows, que é o que realmente nos sustenta. Se a internet um dia substituir os meios normais de divulgação, será o paraíso para os artistas.
Música News: Vocês irão se apresentar no Rock in Rio 3 junto com o Ira!. Como será o show? Por que o Ultraje não aderiu ao boicote programado pelas outras bandas brasileiras, que desistiram de tocar no evento?
Roger – Na verdade, dividiremos o tempo e tocaremos apenas uma música juntos, serão dois shows separados. Não aderimos ao boicote por maturidade. Acho que foi meio ingênuo da parte deles. Já entrei em outras causas em prol da classe artística e fiquei falando sozinho. Eles poderiam ter feito mais do lado de dentro do que do lado de fora, além de respeitar seu público, que é, afinal, nossa razão de existir como artistas. Não que eu não seja solidário aos motivos, mas é uma questão de proporção. Acho que fomos injustiçados ao não ser chamados para outras edições do festival e essa é uma oportunidade de minimizar esse erro, além de servir para nós como uma celebração de nossos 20 anos de “bons serviços prestados”.:-)
Música News: Para terminar, quais foram as bandas essenciais para a sua formação musical, e quais os grupos que você anda ouvindo ultimamente?
Roger – Os Beatles, sem dúvida, além de Chuck Berry, os Rolling Stones, os Beach Boys, Rita Lee, a Jovem Guarda e o movimento punk/new wave, além de Black Sabbath, Deep Purple e outros, mas a lista é quase interminável. Continuo ouvindo rock tradicional, mas gosto de Green Day e Sugar Ray especialmente. De maneira geral, acho que pouquíssimas bandas atuais têm uma carreira consistente e brilhante, limitando-se a espasmos de criatividade. Acho os Raimundos o melhor do rock mundial atual.
Saiba mais sobre o Ultraje
www.ultraje.com.br – O design não é um primor, mas o conteúdo, ótimo. No site oficial da banda, o internauta encontra notícias, biografia, discografia, fotos e até umas mp3s do disco mais recente do grupo. O legal é que tem praticamente as letras e uma versão em Real Audio de todas as músicas da banda.