Rita Lee: “Tenho pavor de revivals”
Nascida em São Paulo, no derradeiro dia do ano de 1947, Rita Lee Jones sonhava, desde a infância em ser veterinária ou atriz de cinema. A paixão pelos animais e pela sétima arte perdura até hoje, mas foi na música que ela fez sua carreira e vem fazendo história. O primeiro grupo do qual fez parte, o Teenage Singers, era uma banda só de garotas, formada em 1963. Mas foi com os Mutantes, do qual fez parte de 1966 a 1972 que ela “apareceu” para o mundo da música. Depois dos Mutantes vieram alguns outros projetos, que culminaram, em 1979, na consolidação da parceria com o maridão Roberto de Carvalho, com o qual continua até hoje, em casa e nos palcos.
Com 34 anos de carreira, a “titia” do rock brasileiro, considerada por muitos como a mais importante compositora feminina de nossa música, vem atualmente gravando um disco com canções dos Beatles, dos quais, como qualquer pessoal do meio musical que se preze, é uma grande fã. Simpatisíssima, Rita nos concedeu esta entrevista, por email, num intervalo entre as sessões de gravação do disco, que chega às lojas em setembro pela Abril Music.
Música News: Como será esse disco de covers dos Beatles que você está gravando? Foi difícil conseguir a liberação das músicas?
Rita: Querido, este disco não é um cover, tenho pavor de covers! É um “abrasileiramento” das canções dos 4 Fabs, desde bossa nova até baião. Serão dois discos distintos: um só em inglês para ser lançado no exterior e outro com 6 canções em português e 6 em inglês para ser lançado no Brasil e Portugal… os editores dos 4 Fabs hoje em dia escolhem um determinado artista de um determinado país para ser o tradutor oficial dos Beatles , eu fui a escolhida daqui.
Música News: Li que que você viaja neste mês para mixar o disco em Miami. Qual a vantagem de se ir tão longe para fazer esse trabalho? Os estúdios brasileiros estão muito atrás dos americanos e europeus em termos de tecnologia?
Rita: Não estou indo para Miami mixar o disco, estou indo colocar a voz nas faixas para fugir do frio de Sampa, que congela as cordas vocais de qualquer cantor. Gravamos o disco todo aqui no nosso estúdio e vamos mixá-lo no estúdio Mosh. Os estúdio brasileiros em nada perdem para os gringos, isso é papo furado.
Música News: Voltando ao assunto Beatles, nota-se um certo “revival” da banda de uns tempos prá cá. Essa idéia de gravar esse disco com canções dos Beatles é antiga ou você a teve recentemente? Não soa meio que “tô pegando carona na onda” lançar um disco-tributo aos Beatles nesse momento, nesse contexto?
Rita: Só falta você achar que também estou aproveitando a doença de George Harisson para gravar Beatles, hehehe. Desde a época dos Mutantes canto Beatles em meus shows, minha bagagem musical de 34 anos de estrada me permite gravar o que, quem e como bem entendo.
Música News: Dia desses o Lulu Santos apareceu com os cabelos pintados de ruivo, dizendo ser em sua homenagem. Na ocasião, ele declarou que pretende, no futuro, fazer um disco em sua homenagem. Como é sua relação com ele?
Rita: Pois é, eu soube que Lulu está me tecendo altos elogios por onde tem se apresentado, infelizmente não tive tempo para ir ao show dele porque também estava na estrada ou enfurnada no estúdio. Conheci Lulu quando eu ainda fazia parte dos Mutantes, me lembro de ter ficado impressionada com a musicalidade dele na ocasião. Quando fiz parte do Tutti Frutti, Lulu estava no Vímana e volta e meia trocávamos figurinhas nos bastidores, é uma loooonga amizade. Se Lulu está pensando em gravar um disco em minha homenagem meu ego vai adorar!
Música News: Alguém já fez um disco tributo à Rita Lee? Como encara esses tipos de homenagem?
Rita: Na verdade já existem várias homenagens feitas a mim por diferentes artistas, entre elas “Eles cantam Rita Lee” com diversos cantores novos; “Rita Releeda”, que são remixes feitos por vários DJs brasileiros que ficou genial; “Lovelee Rita” um disco de Ná Ozzetti que me deixou bastante feliz porque Ná é uma das melhores cantoras paulistas; “Rita Canta Rita” gravado por Rita Cadillac, que também ficou uma gracinha e não sei se já foi lançado. Enfim, quem não gosta de ser homenageado que atire a primeira pedra, né mesmo?
Música News: No final ano passado você deu uma entrevista dizendo que estava pensando num projeto de uma banda só de mulheres, algo como as “Aranhas do Rock”. Foi só uma idéia ou já rolaram contatos no sentido de viabilizar isso?
Rita: Este projeto ainda está na cabeça e só não foi realizado porque as cantoras envolvidas estão com suas agendas lotadas, mas um dia rola, principalmente se conseguirmos um patrocínio para viabilizá-lo.
Música News: Aliás, é crescente o número de bandas de rock com mulheres, no Brasil e no mundo. O que você acha da qualidade dessas bandas que estão pintando por aí, com mulheres nos vocais ou até mesmo compondo toda a banda?
Rita: Para quem, como eu, abriu estradas e ruas, que durante vários anos foi uma alma solitária feminina dentro do panorama compositora / cantora / band leader, é com entusiasmo que agora assisto o desfile dessas garotas talentosas pelas avenidas musicais que ajudei a construir.
Música News: Uns tempos atrás, durante um programa do Serginho Groissman em que participaram você e a Sandy, você deu umas “catucadas” na mocinha, por causa de um assunto relacionado a maus tratos com animais. Depois, num show você fez voz fina, imitando-a. Você tem alguma “implicância” com a Sandy?
Rita: No programa do Groissman cutuquei Sandy e Jr sobre a questão do abuso aos animais que participam de rodeios, este tipo de evento para os quais os sertanejos de um modo geral vendem o prestígio de seus nomes sem se importarem com os maus tratos que acontecem, eu apenas quis saber o que Sandy e Jr pensavam sobre isso. Não tenho implicância alguma com esta adorável garota, nos shows eu imito alguns trejeitos dela assim como também imito os de outros artistas. O que acontece é que, quando alguém mexe com Sandy, tudo vira patrulhamento. Os Cassetas e Planetas estão aí que não me deixam mentir.
Música News: Suzana Alves, a “Tiazinha”, resolveu atacar de roqueira num disco que está prestes a lançar. Em entrevista à revista Bizz de maio, sobre esse disco, ela disse que vai “assumir o trono vago de Rita Lee” no rock brasileiro. O que você diz a respeito? Você acha que o “trono” de rainha do BRock já foi, é, ou já deixou de ser seu?
Rita: Essa coisa de “rainha” é chinfrim pra caramba, ganhei tal título nos anos 60/70 e sempre achei meio ridículo me considerar majestade num país onde os plebeus vivem na miséria total. Tiazinha é batalhadora, não deve ser fácil reverter a pecha de “bela e burra” que implantaram nela… meu trono, coroa e cetro estão a disposição de Tiazinha, é um favor que ela me faz ficando com esse karma, hehehe.
Música News: Numa entrevista ao Central da Música, o Lobão declarou que acha que a cena musical “carece” de pessoas parecidas com ele, que expõe em críticas o que pensa. Você concorda? Aliás, qual é sua opinião sobre o Lobão e sobre o racha dele com as gravadoras, lançado disco pra vender em bancas de jornais e na Internet…?
Rita: Existem dois Lobões… o Lobão que eu admiro que é o que teve coragem de se livrar do escravagismo das gravadoras e partir para a independência total. O Lobão que faz o papel do crítico musical para ganhar espaço e simpatias da imprensa eu acho bobão demais.
Música News: Já que falamos de gravadoras, uns tempos atrás, no auge das discussões sobre o Napster e o formato mp3, lembro de uma declaração sua de que não era favorável a disponibilização de música na internet, que prejudica o artista. Qual é sua opinião atual sobre isso?
Rita: Acho que você se equivocou na minha declaração… o que digo sempre é que meu lado hippie/comunista se simpatiza com qualquer tipo de desacato à autoridade, e nessas me simpatizo com piratarias em geral. Já meu lado de artista se sente lesado por todos o cantos, desde as arrecadadoras de direitos autorais, a Ordem dos Músicos até os intermediários que fazem com que o preço de um disco chegue na loja pra lá de exorbitante.
Música News: O Caetano Veloso incluiu um funk, aquele do “tapinha”, no show do disco “Noites do Note” e acabou vaiado. Você faria o mesmo? O que acha desse estilo?
Rita: Não sei se você soube, mas antes de Caetano eu já estava cantando “tapinha não dói” nos meus shows. Aliás um dos motivos pelos quais Caetano não entendeu as vaias que recebeu no Rio foi este: “a Rita Lee também cantou e ninguém vaiou, porque eu?”. Desde os nossos tempos tropicalistas Caetano e eu percebemos que os indignados de plantão mandam qualquer novidade musical da mpb para a fogueira como se fossem el justicieros do bom gosto.
Música News: Nestes últimos anos vemos uma grande procura por música do Mutantes, principalmente pelos jovens. O que acha dessa “volta” dos Mutantes às rádios? Um dia veremos os Mutantes novamente no palco?
Rita: Vou começar respondendo sua última pergunta: tenho o maior orgulho de ter feito parte dos Mutantes, de falar sobre eles, de tocar as músicas nos meus shows, etc. Só não tenho saco quando neguinho chega me cobrando um revival de “Mutas”… tenho pavor de revivals! Revival é um bando de velhinhos barrigudinhos tentando descolar grana para pagar seus geriatras. Portanto, nesta encarnação, não espere revival algum de Mutas porque o encantamento de uma época que não volta mais deve permanecer intacto e Mutantes já fizeram o bastante para alimentar musicalmente o próximo milênio. Acho totalmente coerente esse redescobrimento do grupo pelos jovens planetários, afinal estávamos anos luz distantes do nosso tempo. Beijos, Rita!
Saiba mais sobre Rita Lee
www.ritalee.com.br – A atual versão do site oficial tem um design bem “espacial”, combinando com o álbum mais recente dela, “3001″. Traz sua biografia completa, informações sobre “3001″ e uma linha do tempo bem interessante, onde pode-se saber tudo sobre as diversas fases de sua carreira.
www.uol.com.br/ritalee – Dos muitos sites não oficiais dedicados a Rita, este é, sem dúvida, o melhor. Além das informações básicas (discografia, biografia, últimas notícias), traz cifras de várias músicas, um programa de rádio que a cada edição traz mais e mais novidades e raridades dela, e a seção “The R Files”, com papéis de parede e músicas raríssimas para download em mp3. Vale sua visita!