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Produtores e família falam sobre novo disco de Renato Russo

A coletiva de lançamento do disco “Renato Russo Presente”, que chega às lojas nesta quinta, foi realizada no Espaço Odeon – luxuosa sala localizada nos antigos estúdios da gravadora, por onde passaram vários nomes da música dos anos 70 e 80. Para quem é fã de rock brasileiro dos anos 80, ver as tapadeiras de madeira que apareciam nas fotos do disco “Nunca fomos tão brasileiros” (Plebe Rude), é uma experiência e tanto: elas ficam exatamente ao lado do palco, em frente ao qual ficou o espacinho onde foram entrevistados os parentes de Renato (o pai, a mãe, a irmã e o filho), o produtor Nilo Romero e o pesquisador musical Marcelo Fróes – os músicos envolvidos no projeto (Leila Pinheiro, Flávio Venturini, Erasmo Carlos e Flávio Guimarães, além da atriz Denise Bandeira, amiga íntima de Renato), ficaram assistindo e, após a coletiva, disponibilizaram-se para entrevistas. Todos estavam satisfeitíssimos com o trabalho realizado – Nilo chegou a declarar que havia literalmente recebido um “presente” da gravadora.


A curiosidade dos jornalistas falou mais alto (alguns deles eram realmente fãs e até amigos de Renato) e boa parte das perguntas foi sobre a possibilidade de mais material inédito da Legião Urbana. Marcelo Fróes vem pesquisando esse acervo já há alguns anos e, como bom fã dos Beatles que é, tratou algumas faixas do novo lançamento de Renato como uma espécie de “Free as a bird” à brasileira, sozinho ou ao lado do produtor Nilo Romero. E assim seguiu o projeto, que ainda tem outros presentes, como o trabalho feito em cima da demo original de “Hoje” (parceria entre Renato Russo e Leila Pinheiro, cantada por ambos e tocada no piano por Leila), uma gravação de “Boomerang Blues” (de Renato, mas pertencente ao repertório do primeiro disco do Barão Vermelho após a saída do Cazuza, o “Declare Guerra”, e encontrada também no último disco da Zélia Duncan, “Sortimento Vivo” ), um clássico do Bruce Springsteen, “Thunder Road”, autorizado pelo próprio após tomar conhecimento da importância artística do Renato para o nosso país (o nome de Bruce até aparece nos agradecimentos do encarte) e, em especial, a gravação de “Mais uma vez”.


A música, uma antiga parceria entre Renato e Flávio Venturini, havia sido gravada pelo 14-Bis em 1987, mas na fita original foi encontrado um canal com os vocais de Renato gravados – a versão original, tratada em estúdio para inclusão no CD, é um dueto com Flávio. “Quando a gente abriu os canais, tinha uma interpretação do Renato, do começo ao fim, linda. Aí, foi só correr para o abraço. Queria falar da emoção de tocar junto com ele, enquanto ele está cantando, naquele momento congelado no tempo, que veio de
uma fita cassete tão rara quanto um quadro… Poder tocar junto com ele e poder sentir aquilo tudo como se ele estivesse ali, esse foi o maior presente”.


Nilo, aliás, incluiu em “Mais uma vez”, outro detalhe que pode passar despercebido pelos fãs de Renato, mas que diz muito a respeito de sua relação com o cantor: “Ele fez o release de um disco do Kid Abelha que eu produzi (“Tudo é permitido”). Ele tinha acabado de se mudar para aquele apartamento de Ipanema, e me chamou para bater um papo, queria saber mais detalhes… E tinha uma música (“Gosto de ser cruel”) que tinha um riff de violão que ele adorou, perguntou “mas como é que se faz isso?”, e eu coloquei o riff na música. Foi uma cumplicidade minha com ele. Em “Hoje” , a primeira coisa que eu fiz foi colocar um violão, para “virar Renato”. “Thunder Road” ficou crua, só voz e violão, é uma faixa que não podia ser alterada, estava pronta. O “Boomerang Blues” é um blues acústico, mesmo, não adianta botar 500 instrumentos, ele foi tratado como tal, recebeu gaita e dobro dos integrantes do Blues Etílicos”, diz Nilo Romero, que produziu e tocou baixo e violão em algumas faixas.


O restante do disco é composto por faixas difíceis mas que os fãs “de carteirinha” já conhecem bem. Não há uma “unidade” porque o que está em questão é o registro histórico do que foi encontrado, e o que está ali reflete momentos bem diferentes entre si. Embora vá de encontro com a preocupação do Renato de não lançar nenhum trabalho solo em português para que não fosse confundido com a Legião Urbana, ao escutar esse “Presente” fica clara sua individualidade, ali, canção a canção (talvez “Boomerang Blues” pudesse ter sido aproveitada pela banda…).


A família, que mantém o apartamento do Renato com seus pertences, fez considerações interessantes. A mãe e a irmã do cantor disseram que há muita coisa escrita. Letras não musicadas – até mesmo uma sem título e com a indicação de que havia sido feita para Rita Lee ou Made in Brazil -, textos e ensaios e até peças de teatro. Coisas que reforçam, inclusive, o interesse que o Renato já havia demonstrado, de se dedicar a outros ramos da arte, e é sabido que cinema era uma de suas grandes paixões (segundo dona Maria do Carmo, mãe de Renato, ele teria dito que “pararia com o rock” para se dedicar ao cinema ou a literatura, e que escrever era um de seus maiores planos). Talvez possa ser um pequeno detalhe para muitos, mas levar ao evento Giuliano Manfredini, filho de Renato – que fará 14 anos no próximo sábado – foi uma demonstração total de envolvimento dos familiares com o projeto, já que a imagem do garoto, até por questões de segurança, sempre havia sido preservada (existem até bem poucos registros).


Os fãs que esperam o lançamento de material inédito da Legião vão ter que aguardar mais um pouco. Existe um projeto de “levantamento” do acervo mas não há nenhuma previsão oficial para lançamento do que está sendo encontrado. O material caseiro de Renato (cuja minuciosidade e detalhismo são comentados por Marcelo em alguns momentos da entrevista) foi levantado, assim como o arquivo da EMI, mas ainda faltam as riquezas escondidas em materiais de rádio, TV e até de fãs – mas só deve ser feito algo quando todo o material tiver sido levantado, pois o destino de cada gravação descoberta será decidido criteriosamente. Ainda existem também gravações em DAT das turnês de 92 e 94.


E quanto a um lançamento do material do Aborto Elétrico, primeira banda de Renato? Marcelo diz que há material disponível (na internet, inclusive) mas a qualidade sonora deixa bastante a desejar, servindo mais para que os arranjos e as letras sejam copiados e aprendidos – com isso, a Legião torna-se a única banda de rock brasileira a ter sua obra preservada num sentido de culto, a ponto de músicas jamais gravadas em boas condições serem transcritas e aprendidas para não caírem no esquecimento, tal como acontece com compositores eruditos ou com brasileiros como Pixinguinha e Villa-Lobos.


A tal fita da qual foram tiradas as gravações de “Thunder Road” e de “Boomerang Blues”, de acordo com Marcelo Fróes, tem 60 minutos e ainda inclui músicas de Linda Rondstadt, Smokey Robinson e da própria Legião – foi gravada numa festa nos anos 80, com Renato cantando e tocando violão e ainda inclui até “Parabéns pra você” (sério!), num clima que Marcelo Fróes define como “luau entre quatro paredes, com violão e palminhas”. Nessa festa, no entanto, quem ganha o maior presente são os fãs de Renato e da Legião, além de todos os envolvidos no projeto, que não cansavam de alardear sua emoção.


PÓS-COLETIVA: terminada a entrevista, os músicos e produtores envolvidos (e os parentes) ficaram lá no Espaço Odeon atendendo jornalistas e batendo papo. Conversamos com alguns deles.


NILO ROMERO:
“Eu não era altamente ligado ao Renato, mas eu conhecia ele, porque fui produtor do Kid Abelha e ele fez um release pro disco que eu produzi, Tudo é permitido. Também tive a oportunidade de conhecê-lo através de amigos, aquela coisa de Baixo Leblon, encontrei ele algumas vezes… Eu produzi a música do Paulo Ricardo que está nesse disco (“A cruz e a espada”) e ele foi lá no estúdio, ele era da galera. Eu toquei muito tempo com o Cazuza. Não eram amigos, assim, mas eram uma “galera”. E eu me sentia apto a fazer uma coisa que ele aprovaria. Tenho plena certeza de que ele teria aprovado meu trabalho. Em nenhum momento tive dúvidas. Fui fazendo e o mesmo cara que mixou o disco foi o que mixava os discos solo dele, era um cara que conhecia ele muito. O cara até brincava: “Isso aí o Renato não ia gostar e tal”. “No caso das três faixas que eu manipulei (“Hoje”, “Mais uma vez” e “Boomerang blues”), acho que ele aprovaria, porque a música dele é linda, ele está cantando super bem, a performance dele é muito boa, e isso é o básico. “Boomerang blues” é ele tocando violão, aquilo é uma visceralidade… O Barão Vermelho tinha gravado porque foi o primeiro disco de quando o Cazuza saiu, então era uma música que eles cantavam com o Cazuza e tal”.


“Me chamaram para fazer a primeira masterização do disco, que tinha umas músicas que não entraram… Uma delas foi com o Sex Beatles (banda antiga do Alvin L, que chegou a gravar pelo selo RockIt, de Dado Villa-Lobos). Produzi também “A cruz e a espada” e “Quando eu estiver cantando” que ele cantou naquele show em homenagem ao Cazuza na Apoteose, que eu mixei, e foi lançada num disco chamado “Viva Cazuza”. O principal é que ele está tocando bem, cantando bem”


MARCELO FRÓES
COMO COMEÇOU A PESQUISA: “Foi uma iniciativa da família do Renato saber tudo o que ele tinha feito, sozinho, com a banda, enfim. Então a idéia foi a de começar pelo Renato, com as coisas caseiras, já abrindo conversa com a gravadora para fazer os levantamentos aqui. Numa segunda etapa, já tendo interesse da gravadora, do Dado e do Bonfá de fazer um leventamento de tudo que a Legião tinha feito, começamos com o levantamento na EMI em 2001, bastidores dos discos, as gravações em 24 canais, tudo o que foi gravado em estúdio profissionalmente, pra valer – porque tem muita coisa que não foi aproveitada. Seguiu por 2002, e agora, mas pro final de 2002, começamos outra etapa, que foi levantar tudo que existe em rádio, televisão, os técnicos de som que gravavam, o acervo particular do Bonfá, do Rafael, que era o empresário, e do Dado, porque eles também tinham suas fitinhas em casa. E coisas de fãs-clubes, muito CD pirata, as gravações estão ruins, mas é importante ter a dimensão da totalidade”.


PROJETOS FUTUROS: “Para montar algum projeto no futuro vai depender de critérios artísticos e históricos, junto com a família, a banda e a gravadora”.


O BAÚ DO RENATO: “O Renato ele tinha uma coisa com a cultura pop, gostava de lendas de rock, comprava disco pirata… Uma vez eu cheguei lá e : “Aqui, que disco pirata maravilhoso do Oasis”, ou dos Beach Boys. Ele gostava, porque ele sabia do valor dessas gravações. E ninguém vai pegar uma gravação da Legião ou do Renato e fazer crítica em cima porque é uma coisa histórica, garrafa de vinho, mesmo. Ele sabia, tanto que numa das entrevistas eu pergunto: “Isso aí você guardou?”, e ele: “Fica pras caixas da vida”. Ele sabia. Se tinha coisa da qual ele poderia ter vergonha, ele apagou, até porque tudo que eu ouvi era muito do caralho, realmente o cara era foda.”


E O DA LEGIÃO: “Da Legião, temos coisas gravadas em cassete pelos técnicos de som da Legião, em DAT da turnê de 92 / 94, coisas da EMI gravadas em 24 canais que permitem mixar e sair com um som perfeito…”


OUTROS PROJETOS: “Tenho vários projetos. Saiu a caixa do Zé Ramalho, vai sair a do Fagner, a do Ney Matogrosso comemorando 30 anos de carreira e alguns outros projetos que não posso revelar por enquanto”.


A FESTA DO RENATO: “A fita da festa (da qual foi tirada a música do Bruce e o “Boomerang blues”) é um cassete de 60 minutos, e ele toca “Prisioner in disguise”, da Linda Rondstadt, “Tracks of my tears”, do Smokey Robinson, diversas músicas dele que foram gravadas pela Legião, como “Por enquanto”, “Geração Coca-Cola”, “Índios”, toca no violão direto. Até “Parabéns pra você” ele toca. Duas faixas saíram no CD, eu adoraria que o resto fosse lançado, eu gostaria. A fita é maravilhosa, parece um luau entre quatro paredes, com violão, uma galerinha ali”.


FLÁVIO VENTURINI:
“MAIS UMA VEZ”: “Eu estava no estúdio tocando sozinho no teclado. Eu e o Renato já nos conhecíamos e ele pediu para escrever alguma coisa enquanto eu tocava, o 14 Bis ainda não tinha chegado. Foi uma idéia linda, eu pedi que ele fizesse a letra e três meses depois ele me entregou a letra e participou da gravação. O Renato, quando eu o conheci, me falou do Terço (banda em que Flávio tocou), ele adorava o disco “Criaturas da noite” “.


RESGATE DA SUA OBRA: “Achei que já não era sem tempo (saíram CDs de Flávio e do 14 Bis recentemente, em séries de relançamentos da própria EMI). Na verdade, ainda faltam relançar dois discos, o “Idade da luz” e o “Ao vivo”. Achei legal para os fâs, e eu mesmo me surpreendi em ouvir certas músicas que eu não tinha mais. A gente tem que ter esse resgate. Lançaram discos
solos meus também.”


ERASMO CARLOS:
“A CARTA”: “Agora que eu fui saber que foi indicação da mãe dele, dona Carminha, que é minha fã desde a época da Jovem Guarda (o encarte do CD diz que foi indicação de uma tia de Renato). É uma gravação muito legal, ele com a criatividade dele fez uma outra melodia em cima da que eu faço. Então ficaram duas melodias na mesma fita, ficou uma gravação realmente criativa”


TRATAMENTO DADO AO BAÚ DE ARTISTAS: “Isso depende de quem administra, tem pessoas que têm a felicidade de ter bons administradores na própria família, filho, mulher, mãe. E tem pessoas que não tem essa felicidade de ter alguém que cuide do seu acervo, administre suas obras, antes da morte, até. Não tem como saber como a pessoa que já morreu gostaria que fosse feito. Não acredito que exista – de repente até existe – alguém que queira aproveitar tudo, mesmo as coisas que o cara não gostaria que fossem lançadas. Tem coisas que o cara escreve sem a intenção de lançar, é apenas por brincadeira – muitas coisas são assim. Fica a critério do bom gosto e da dignidade do administrador”


CAIXA “MESMO QUE SEJA EU”: “Adorei a caixa. O livro é uma mini historinha da minha vida, é a primeira biografia mais fiel e correta da minha vida. Aumentando ali dá um livro, esmiuçando as histórias, pondo outros capítulos dá um livro”.


TRABALHO COM O RENATO RUSSO: “O Renato comigo, até o quinto uísque, a gente se lembra (risos)… Depois do quinto uísque… Nós matamos um litro quando gravamos. O arranjo é dele, ele fez uma outra melodia junto com a minha na música, ficaram duas melodias. Eu achei uma bobeada da Sony a gravação não ter sido trabalhada, ia ter um clipe e não teve. Acabou não sendo feito, por
economia, não quiseram gastar… Até hoje eu acho que se fosse trabalhada daria um tremendo pé”


RENATO E ERASMO: “Ele tinha aquela curiosidade de… eu me via um pouco nele, pela rebeldia, e quando a gente se encontrou, ele ficou muito feliz de me conhecer, porque ele já tinha ouvido falar de mim algum dia na vida dele. E eu também já tinha ouvido falar dele, foi um astral muito bom, independente do uísque (risos)… Mas foi uma gravação muito legal, só aconteceram energias boas”.


MORTES NOS ANOS 80/90: “São golpes muito grandes, discursos interrompidos, que alguém estava falando por você, de repente esse discurso é interrompido (foram citados os nomes de Renato, Cazuza e Cássia Eller). Na minha geração também vários músicos foram interrompidos, Elis, Tim, Raul, são coisas que acontecem. Não se pode falar em geração perdida, porque outros continuam seu discurso, não vai ser igual ao que você fazia, mas outros assumem e falam o que você parou de falar”.


GRAVADORAS: “Estou em entendimento com algumas companhias, não posso dizer quais são para não melar as coisas. (É a EMI? – alguém pergunta). Não, aqui, não, vim porque é o mínimo que posso fa zer para agradecer a gentileza que o Renato teve comigo, e nem isso eu pude agradecer depois que a gente gravou. A gente combinou de se encontrar no clipe e não teve clipe, então nunca mais a gente se encontrou. Não posso revelar, mas estou em entendimentos. Sou uma máquina de escrever daquelas da Abril (risos)… Já estou com dez músicas prontas, tudo inédito, nem fiquei esperando minha vida se resolver para começar. Compondo sozinho, Erasmo Carlos sozinho”.


O QUE VOCÊ TEM OUVIDO?: “Estou ouvindo o disco do Rod Stewart, estava precisando ouvir um som assim, tranqüilo. Max de Castro, João Donato, o disco do Celso Fonseca e Ronaldo Bastos (“Juventude Slow Motion”), muita coisa de informação, pra saber, que me mandam quando sai, ouço rapidinho. Mas o que eu mais ouço são esses aí”.

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