Nação Zumbi lança CD “focado nas canções”. Leia entrevista
Depois de um período num selo independente, pelo qual lançou o aclamado ”Rádio S.amb.A”, a Nação Zumbi estréia na gravadora Trama com um álbum intitulado simplesmente Nação Zumbi. Quinto disco (e também o quarto de inéditas/segundo sem Chico Science) da banda de Recife, “Nação Zumbi” chega às lojas esta semana e é apresentado pelo grupo que espalhou o “manguebeat” pelo Brasil como um trabalho sem conceituação, voltado para o circuito alternativo e bem diferente (“menos previsível”) dos anteriores.
Em conversa por telefone com o MúsicaNews, o baterista Pupillo falou sobre este novo trabalho, sobre como anda a cena de Recife, sobre o período de independência da banda, apontou mudanças no mercado musical e comentou todas as faixas de “Nação Zumbi”. Confira:
MúsicaNews: Qual a diferença desse disco em relação aos outros da Nação Zumbi?
Pupilo: Nesse disco a gente retomou a parada de trabalhar em conjunto, trabalhar com outros produtores. No anterior (“Rádio S.amb.A”), como a gente ainda estava se recompondo do baque de perder o Chico, passamos muito tempo em Recife compondo entre a gente. Nesse trabalhamos com pessoas que a gente admira, que é o caso do Arto Lindsay e do pessoal do Instituto, que ajudaram na parte de produção, e do Scott Hard, que veio pra cá pra fazer a mix, ele trabalha com a cena hip-hop underground de Nova York. Em suma foi isso, ter resgatado essa maneira de trabalhar que a gente sempre teve.
E esse processo de trabalhar em conjunto agilizou a gravação do disco num todo?
Os caras entraram pra trabalhar quando a gente já estava dentro do estúdio, mas o processo foi sim muito mais curto porque a gente vinha da turnê do “Rádio S.amb.A”, já estávamos trocando uma idéia na estrada, quando assinamos com a Trama não havia material pronto, mas já tinha algo encaminhado, já tinha uma direção pro som que a gente ia fazer.
O release diz que esse é um disco sem conceituação forte, focado nas canções…
É isso mesmo. Assim, internamente a gente conversa muito sobre o disco, sobre um conceito em comum que a gente tem, mas uma coisa interessante é que todo disco que vem com nome vem atrelado a um conceito e as pessoas às vezes se apegam muito a isso. Nesse a gente preferiu não fazer isso, tanto que sugerimos os nomes das músicas na frente do disco, pra que a galera, à medida que for escutando e se identificando, escolha o título a partir dessas doze músicas.
Os dois primeiros discos, com o Chico, de certa forma produziram músicas que tocaram em rádios. Já o Rádio S.amb.A, apesar de muito bem recebido pela crítica, não teve isso. Fez falta? O que vocês querem desse novo disco em relação a isso?
Olha, com o Rádio S.amb.A a gente viajou muito, fomos pra Europa, passamos um mês lá fazendo circuito alternativo, que é o que a gente curte fazer, tocamos no Roskilde Festival, um dos maiores da Europa. Na verdade a gente nunca teve uma entrada boa em rádio, sempre fizemos o trabalho com a maior despreocupação possível em relação a isso. Havia por trás uma estrutura da Sony Music, que sempre fez um trabalho de marketing que a gente não concordava muito. As grandes gravadoras tem essa mania de direcionar o marketing tanto pra uma banda de rock quando pra uma dupla sertaneja e tal, na verdade eu discordo um pouco do período em que a gente tocou um pouco em rádio. O público que a gente criou foi mais em função da estrada mesmo e outros tipos de mídia, como a internet. O Rádio S.amb.A, por exemplo, saiu por um selo independente e a gente conseguiu fazer a turnê inteira do Brasil mas tinha o problema do disco não estar nas lojas, mas a gente conseguiu manter um público fiel, em todas as capitais que chegamos pra tocar pegamos casa cheia, com uma galera nova até. O que a gente espera com esse disco é que isso se amplie mais dentro desse circuito alternativo. Tipo, música de trabalho, por você estar de novo numa gravadora grande, você tem que conversar sobre isso, mas não é uma coisa que preocupa a gente nem a gente direciona o trabalho de divulgação em função disso.
A experiência de ser independente foi melhor ou pior do que vocês esperavam?
Eu acho que as coisas aconteceram conforme iam se estruturando. A gente meio que abriu o selo, foi o segundo disco dele. Os caras deram pra gente uma estrutura tão boa quanto a da Sony ou da Trama em relação a estúdio, a gente pôde fazer um disco com toda a estrutura que sempre tivemos. Mas é complicado sair de uma estrutura grande, voltar a ser independente e trabalhar isso com uma mesma força, fica praticamente impossível. A gente lamenta o Rádio S.amb.A não ter tido uma entrada que a gente esperava dele pelo resultado final do disco e tal, mas aí, cara, de fato, quando está numa estrutura maior, você está mais propício a conquistar outros espaços, outros públicos, e você fica mais aberto até pra conversar sobre seu som. Tem o fato também de a gravadora, por ser aqui do sudeste, se preocupar mais com a entrada da banda por essa área. Pra gente que tem 10 anos de estrada é sempre bom estar com uma estrutura boa, principalmente no que se refere à liberdade. A gente assinou com a Trama porque tivemos total liberdade pra fazer o disco, tudo em função do artístico.
Mas quantas cópias vendeu o Rádio S.amb.A, com essa estrutura independente?
20 mil no Brasil e umas 10, 15 mil na Europa.
Um bom número…
Pra estrutura que teve foi sim. Não tivemos uma distribuição boa, os programas de divulgação que fizemos foram todos com nossos próprios contatos. Uma coisa até que deixou a gente contente é que temos um certo respeito e respaldo em certos segmentos da mídia, que acabou nos abrindo espaço para divulgação.
Numa entrevista à Folha de São Paulo, o Du Peixe (vocalista da banda) disse que Recife continua trabalhando muito e profetizou que o Brasil em breve “ia voltar a se lambuzar na lama do mangue”. Que bandas você citaria dessa nova geração?
DJ Dolores e Orchestra Santa Massa, o Grêmio Recreativo Bonsucesso Samba Clube, que é uma banda bem legal, o Mombojó, que é de uma galera mais nova ainda, fora o Otto, o Siba (do Mestre Ambrósio), que lançou um disco independente extraordinário… acho que quando o Jorge falou disso ele se referiu à cena de um modo geral, as rádios estão tocando muito as bandas locais, tem selos hoje em dia (eu tenho um selo, esse que lançou o Dolores). Esse espaço é muito maior que na época do lançamento do primeiro manifesto, o “Da Lama aos Caos”, quando só existia aquela idéia de se criar um núcleo de conceitos pop. Hoje em dia já se começou a fazer isso, a cena de um modo geral têm crescido e está tentando se estruturar pra não depender desse mercado aqui do sul e sudeste.
E esse crescimento foi aos poucos, a partir do primeiro disco de vocês, ou parou um pouco com a morte do Chico e esquentou novamente, mais recentemente?
Com a morte de Chico a cidade meio que ficou dormente. As bandas que encabeçaram o movimento, que fomos nós e o Mundo Livre S/A, ficaram como única referência. Então, pro pessoal que estava chegando naquele momento, a cidade ficou um pouco perdida, sem saber pra que lado atirar e eu acho que a gente conseguiu segurar isso. Mas a partir de 1998 eu diria que a poeira foi baixando e as pessoas começaram a botar o pé no chão e a centrar mais as idéias sem querer criar aquela coisa de suprir um espaço deixado pelo Chico, que de certa forma foi uma coisa que se viu não só em Pernambuco, mas no resto do país.
Você tem contato com outras bandas que tem uma base percursiva e regional mais forte, com algumas aqui do ES, onde o mercado interno também está aquecido?
Não, não. A gente nunca esteve aí em Vitória, então não dá pra se ter um contato, mas mesmo a distância a gente percebe que houve uma retomada da auto-estima dos movimentos regionais de um modo geral. Sem aquela obrigação de ter que fazer música de raiz e tal, mas pelo menos se aceitar como um cara que veio daquele lugar e que tem aquele som rico dali, por que existia uma vergonha muito grande, em Recife por exemplo, existia um reflexo grande das coisas enlatadas que vinham dos EUA. Então, pra gente, ver, mesmo a distância, que neguinho está retomando essas coisas, já é do caralho.
Que conselho você daria pra essas bandas daqui que tem uma chance de ganhar o mercado nacional? Uma delas, o Casaca, vendeu 50 mil cópias aqui e foi contratada pela Sony…
O principal pra mim, nessa parada toda, é o seguinte: se os caras venderam 50 mil cópias, eles tem que ter o cuidado e a consciência de que o mercado mudou e que a gente pode viabilizar um bom disco sem estar atrelado aos contratos das multinacionais. Você tem que ter muito cuidado na hora de assinar, porque hoje é mais fácil você entregar um disco pronto pra ser distribuído por uma gravadora grande do que assinar um contrato artístico com eles e ficar preso cinco, seis anos, fazendo o que você menos queria, que é vender seu trabalho de graça, em troca de um sucesso imediato. Então tem que ter essa consciência de que existem outros meios pra você divulgar seu trabalho. Pode parecer contraditório isso que eu estou dizendo, pelo fato de a gente estar na Trama, mas isso foi muito pesquisado, demoramos pra assinar o contrato, pra que tudo ficasse do jeito que a gente queria.
Já que o disco é focado nas canções, poderia comentar todas elas?
Blunt of Judah – “É o momento de relax de cada um, tem uma sonoridade que se utiliza muito dos dubs, que a gente tentou focar muito nesse disco, e a gente diz que essa música é um “patuá” jamaicano”;
Mormaço – “A letra fala em chuva e tal, porque precisa chover, mas não só pela questão de seca, precisa chover informação pras pessoas, chover atitude, vontade de mudar. A sonoridade puxou mais pro funk, uma levada mais soul, que pode soar meio nervoso mas que tem a ver com a letra”;
Propaganda – “É uma espécie de indignação com a propaganda enganosa, a gente sempre foi contra isso e é por isso que estamos sugerindo as músicas na frente do disco. Ela tenta alertar pro cuidado que a gente tem que ter na hora que está consumindo. Tem um lado percurssivo que conta muito, a letra tem a ver com essa bandeira que a gente veste do regional”;
Amnésia Express – “Beat reto, com referência forte da batida do hip hop. Não posso falar muito sobre a letra, que é em inglês e é uma parada mais pessoal do Jorge, mas é onde a gente tenta se fazer entender pelo público de fora, em outras línguas, porque a gente não tem medo de falar em outra língua pela segurança que a gente tem com o som que a gente faz”;
Meu maracatu pesa uma tonelada – “Sintetiza o desejo que a banda tem de que o som dos tambores ecoem mundo afora independente de rótulos e conceitos”;
Faz tempo – “é um break beat, a banda curte muito, Chico era frequentar assíduo das rodas de break. Essa tem uma participação do Instituto, que é uma galera que trabalha com a cena de hip-hop e eletrônica aqui em São Paulo e a gente achou que tinha a ver a participação deles nesse som”;
Prato de Flores – “é uma letra que cita muito a figura feminina, é uma espécie de espelho da impressão que a gente tem em relação a família. É uma balada psicodélica com referências afro cubanas”;
Know Now – “groove, marca registrada da banda, trabalhar os grooves com texturas diferentes que passeiam por tudo aquilo que a gente ouve. Tem a participação de John Medeski, que é do trio de jazz Medeski, Martin & Wood”;
Ogan de Bele – “uma espécie de passeio que a gente faz aos nossos ancestrais africanos, uma visita respeitosa e alegre, sem a intenção de criar um sincretismo novo, mas de dar uma dimensão ampla e universal ao som dos terreiros, que ecoam ainda o grito de resistência de Zumbi”;
Caldo de Cana – “uma espécie de afro beat, com participação de Dona Cila, uma cantora popular de Recife que nunca tinha entrado em estúdio e que vem de uma família tradicional de tocadores de coco de roda”;
O fogo anda comigo – “balada que tem uma participação de Nina Miranda, que é carioca e canta numa banda chamada Smoke City, da Inglaterra. A gente conheceu essa menina lá em Londres tocando com Bebel Gilberto e Mestre Ambrósio. A letra dessa música tem a ver com o timbre da voz dela, mais aveludado, tem um tom de trip hop, que é uma coisa que a gente curte também e que ela trabalha bem”;
Tempo amarelo – “é trilha do filme de Cláudio Assis, Amarelo Manga, que Jorge dú Peixe e Lúcio Maio fizeram a trilha. Foi feita especialmente para o filme, mas achamos legal incluí-la no disco. Remete um pouco ao Afrociberdelia”.
A partir de quando vocês farão os shows desse disco?
A turnê no Brasil começa dia 25, na Fundição Progresso, no Rio de Janeiro, toca a gente e o Tianástacia. A partir daí tocaremos de novo no Rio, seguimos pra São Paulo e até novembro devemos estar fazendo outras capitais do sul e sudeste. Pra Europa, talvez a gente vá no final de novembro mais pra divulgar esse disco, mas já está sendo fechada uma agenda de shows pro próximo verão.