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Mestre Ambrósio: “Estamos em busca da saúde da arte”

       Mestre Ambrósio é personagem do grupo folclórico Cavalo Marinho, que mistura dança, encenação e música. É o mestre de cerimônias que apresenta os outros personagens da brincadeira. Mestre Ambrósio é o grupo pernambucano que trouxe para a música brasileira o coco, o forró, o baião, o maracatu, a ciranda e outros sons do mundo. Pode não parecer novidade. O grupo, formado por Siba (rabeca e vocal), Sérgio Cassiano (percussão e vocal), Mazinho Lima (baixo elétrico e triângulo), Maurício Alves (percussão), Éder “O” Rocha (percussão), e Hélder Vasconcelos (percussão e vocal) é sim da linhagem do mangue beat. O experimentalismo é a luz comum entre eles e os outros grupos do movimento. Mas a mistura de cores que o Mestre Ambrósio traz em suas canções não é uma cópia da feita por outros representantes do mangue beat. A música do grupo é menos eletrônica. Suas influências “importadas” vão do rock a canções medievais árabes.


       Surgido em 1992, o grupo já fez turnê pelos Estados Unidos e pela Europa. Uma de suas músicas, “Baile Catingoso”, do primeiro disco (“Mestre Ambrósio”, 1996, lançado independentemente e com produção do percussionista Marcos Suzano e de Lenine), foi incluída na coletânea “Strictly Worldwide”, do selo alemão Piranha Records, dedicado à música étnica. Com o segundo disco (“Fuá na casa de Cabral”, 1998), foram contratados pela multinacional Sony Music, pela qual também lançaram o terceiro trabalho (“Terceiro samba”, 2001). No ano passado, o contrato do grupo com a gravadora terminou e não foi renovado. Mas, ao contrário dos boatos, os integrantes permanecem unidos e continuarão a fazer shows juntos. Em entrevista por telefone, pouco antes de um show de sua banda com o cantor Tom Zé, Sérgio Cassiano falou saída da Sony, a turnê internacional que acontece ainda este ano e sobre os projetos do grupo, que completa 10 anos em outubro.


MúsicaNews: De quem foi a idéia de unir Tom Zé e Mestre Ambrósio?
Cassiano: Foi de Toni Tomé, nosso empresário. Era um projeto antigo. Nós já havíamos nos apresentado juntos no SESC Santo Amaro, há três anos, e queríamos dar continuidade a esse projeto. Tínhamos marcado um novo show com o Tom Zé para maio, mas ele teve um problema de saúde e, então, não deu certo. Logo depois, houve choque de agendas, ele e nós tínhamos outros compromissos. Agora, finalmente conseguimos nos encontrar. E há uma admiração mútua entre a gente. O Tom Zé disse que gosta de nosso trabalho. Eu, particularmente, adoro o Tom Zé desde pequeno. Ouvia todos os discos dele que me chegavam pelos adultos. Os poucos discos que chegavam às nossas mãos porque, naquela época, era difícil encontrá-los.


O que há em comum entre o trabalho de vocês e de Tom Zé?
Além das raízes nordestinas e da admiração, há muita coisa. O Tom Zé tem aquela linguagem inovadora dele, aquela poética pessoal tão especial. Ele é um bom baiano. Como o dito popular, “baiano burro nasce morto”. E ele não tem nada de burro. Ao contrário. Tem vitalidade em tudo o que faz. É muito esperto. No seu trabalho, ele busca essa mistura brasileira e universalizada. Esse sotaque brasileiro e universal nós temos em comum. É um ponto de intersecção em nosso trabalho.


Falando um pouco do grupo: vocês foram dos primeiros a desbravarem o mercado independente, com o primeiro disco. Acredita que voltar a esse caminho é a saída?
Pode ser. A gente não descarta nada. Toda junção e toda disjunção são bem vindas. Tudo depende do momento. Cada vez mais o artista está conquistando autonomia. E essa busca de autonomia tem de ser constante. Não só para os artistas, mas em todas as profissões. Mas autonomia não quer dizer desprezar as parcerias, que são bem vindas. Ninguém é tão auto-suficiente. Todos temos limites.


Quando sai um novo disco?
Nós ainda não conversamos sobre novo disco. Em outubro, o Mestre Ambrósio faz dez anos. Alguma coisa nós iremos fazer. Mas não haverá disco novo esse ano. A gente tem tocado muito e deixou esse tempo apenas para os shows. E também há os projetos individuais. O Siba lança o disco solo dele no mês que vem. O Helder tem um trabalho ligado à dança. O Maurício também. Os dois estão trabalhando como produtores e acabaram de lançar o disco da Renata Rosa. Eu tenho projetos relacionados à música e à poesia. Quero fazer alguns shows e depois gravar disco. Quero pegar a energia do público primeiro. Você sabe que um show vale mais que dez ensaios!


Você e o Siba são os compositores mais freqüentes nos trabalhos do Mestre Ambrósio. Esse seu projeto será com as músicas que tinha feito para o grupo?
Eu tenho bastante coisa nova. Gravar todas não dá. Essa coisa de escrever é um trabalho diário para mim. Eles até brincam: Cassiano faz duzentas músicas e depois vem encher o nosso saco! (Risos). Eu escrevo porque gosto, por prazer. É bom.


Vocês já fizeram turnê nos Estados Unidos, na Europa. Como é tocar em outro país sob o rótulo de “world music”, de “exóticos”?
A gente tem de trabalhar. Mesmo com isso de “world music”. A gente tenta dinamizar, tenta explicar. Mas tem de se habituar. Na França, na Fnac, tem um prateleira lá: “Mestre Ambrósio”. E não é na seção de world music. É na seção de música brasileira! É uma prateleira só nossa!


Vocês têm acompanhado a batalha pela lei que obriga a numeração das obras intelectuais?
Nós encontramos a deputada em Aracaju. Também assisti à entrevista do Lobão na MTV quando nós estávamos no Rio Grande do Sul. A gente tem acompanhado dentro do possível, por causa da correria. Sei que correria não é desculpa, que a gente tem de se manter informado, mas a gente está sabendo da batalha do pessoal.


E o que acha da numeração dos discos?
Eu acho interessante. Alguém tinha de tomar a frente. Entendo que essa questão não é uma briga com as gravadoras. É uma discussão sobre a seriedade no trabalho do artista. Não vejo o Lobão como um superhomem contra as gravadoras. Sei que o que ele está fazendo é muito mais do que isso. Eu apoio a numeração, mas ela só não basta. É preciso que o artista acompanhe todo o processo. Não adianta pensar que a numeração vai resolver o problema. É como o homem que fica doido esperando para que alguém chegue e resolva seu problema. Essa é uma prática omissa e nociva. Tem de se integrar. Não é só garantir e receber os seus direitos. Tem de discuti-los, conhecê-los. Muita gente no passado tomou a frente e mudou os rumos das coisas. O João Bosco e o Aldir Blanc fazem parte dessa história. O Pixinguinha também lutou no sentido de tornar melhor o trabalho do artista. Se se for olhar a história da música, vai se descobrir muita gente que mudou os rumos do nosso trabalho.


Por que, afinal, deixaram a Sony?
Nosso contrato venceu no ano passado. No início, era para três anos. Foi aumentado para quatro. Quando chegou a hora de renovar, nem nós e nem a gravadora estávamos satisfeitos.


Vocês não estavam satisfeitos por causa de problemas com a divulgação e a distribuição de seus discos?
Não foi só isso. Foi um monte de coisa. Eu prefiro não dizer as questões porque não vou conseguir citar todas. Então, as pessoas vão ler e dizer: ah, foi por isso. Não. Teve um monte de coisa. Se nós fossemos renovar, teria de ser tudo diferente. Nós estamos sem gravadora e estamos bem. É como o movimento dos barcos, que vão e vem. Agora, não estamos sentindo falta de uma gravadora. A gente está tocando.


O Helder tem um selo, o Terreiro Discos. Vocês pensam em passar a lançar os novos trabalhos por esse selo?
Isso não está descartado. O nosso primeiro disco foi distribuído e prensado pelo Terreiro. É assim que o grupo vai melhorando, ao valorizar as coisas internas, buscando um equilíbrio dentro do grupo. Cada um tem o seu talento e a gente tem de saber explorar o que há de melhor. Eu e o Siba somos os compositores com mais trabalhos gravados pelo grupo, mas não somos os melhores. Não tem essa de o vocalista ser o artista mais importante. Viver em grupo não é fácil. A gente tem problemas, mas busca um equilíbrio que só faz bem, melhora a qualidade do trabalho.


E você tem idéia de quando podem lançar um novo disco?
Esse ano não terá disco novo, como lhe disse. Mas não será tão tarde. A gente tem trabalhado bastante. Agora, faremos turnê na Europa e no Japão. Vamos fazer muitos shows pelo Brasil também. A gente vai se renovando e espera o melhor momento para fazer um novo trabalho. Estamos em busca da saúde da arte: uma forma saudável para fazer e não se arrepender depois. É claro que, às vezes, a gente faz e não gosta do resultado, mas não adianta chorar. Se for um trabalho saudável, no próximo a gente acerta, faz melhor!



Mais Mestre Ambrósio
http://www.uol.com.br/mestreambrosio: Site oficial da banda.

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