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M. Camelo: “a Abril chegou a cogitar nosso desligamento”

       Ao tomar conhecimento de que o grupo carioca Los Hermanos lançou um novo disco, o “Bloco do eu sozinho”, uma boa parte das pessoas que acompanham a cena musical brasileira deve ter se perguntado: “O que esses caras querem? Querem colocar outra música grudenta na minha vida?”. A resposta é sim! Mas não pense que esse novo trabalho tem uma outra Anna Julia.


       Esse novo álbum, o segundo dos Hermanos, é perfeito e veio para quebrar a idéia de que eles são um grupo de baladas (quem pensa isso certamente só ouviu “Anna Julia” do último trabalho). Em “Bloco do eu Sozinho” a banda faz uma bela mistura de samba-rock-e-carnaval, num disco que já é considerado por muitos críticos com um dos melhores dos últimos anos.


       E foi para saber mais sobre este novo trabalho que conversamos com o vocalista da banda, Marcelo Camelo. Nesta entrevista exclusiva ao MúsicaNews, ele conta um pouco sobre as brigas com a Abril Music (“a gravadora chegou a cogitar nosso desligamento”), a sonoridade do novo disco e o sucesso do primeiro CD. Uma dica de amigo: ouça, compre, pegue emprestado ou até roube esse novo CD do Los Hermanos. Você não irá se arrepender.


MúsicaNews: No final de 99/início de 2000, as músicas de trabalho do Los Hermanos tomaram de assalto as rádios brasileiras e o grupo ganhou bastante destaque na mídia em geral. Vocês se assustaram com a dimensão do sucesso atingido? Quando vocês perceberam que a banda havia “emplacado” e que o Brasil inteiro sabia de cor os versos de “Anna Julia”?
Marcelo Camelo: Não acho que o nosso sucesso foi grande assim. O sucesso foi de Anna Julia e Primavera (que chegou ao sexto lugar nas músicas mais tocadas do país). Mas a banda continuou uma grande incógnita pra maioria do público que ia aos shows. Eu acho que a nossa correria em função dos shows e compromissos de divulgação impediu qualquer visão mais serena em relação a isso tudo. Percebemos a dimensão da coisa toda quando paramos pra fazer o disco novo, quando tivemos 2, 3 meses de “folga”.


Como toda banda de rock, vocês começaram a carreira fazendo shows em lugares pequenos para um público bem restrito, porém fiel. Com o sucesso veio uma grande turnê, shows para grandes platéias, que geralmente conhecia apenas os hits. O que vocês preferem: tocar para este público restrito ou para as grandes platéias? Qual é a diferença?
Aprendemos a tocar pra platéias grandes que não conheciam a banda. Foi o maior aprendizado desta turnê. Eu acho mais emocionante tocar pra uma platéia pequena que cante todas as músicas, que se emocione com cada acorde.. O show é mais intenso. Mas grandes multidões têm sua graça também. É bacana olhar pro horizonte e não conseguir identificar onde termina o mar de gente.


E como foi para vocês, depois de se apresentar por todo o Brasil, finalmente voltar ao Rio para aquela apresentação no dia 6 de setembro de 2000, na festa Loud, para um público que viu a banda nascer?
Tocar no Rio é sempre mágico pra nós. A Loud tem uma magia especial. Nós vimos a festa crescer assim como o Zé, o Gordinho, o Léo viram a banda crescer. O público do Rio não virou as costas pra nós em nenhum momento. Nem com todo sucesso e (infelizmente, consequentemente) toda má fama que veio junto com ele, o público deixou de ir aos shows, se emocionar, cantar junto. É muito bom tocar e ver os olhinhos de cada amigo seu sorrindo, abraçando a banda. Nossos fãs abraçam a banda. Isso não tem preço.


Qual foi o show mais importante da carreira do Los Hermanos? A apresentação no Abril Pro Rock, que consideram como a que revelou a banda para todo o país?
Acho que a que mais mudou a trajetória da banda foi o Abril pro Rock sim. Mas há muitos shows importantes. Do primeiro show eu lembro muito bem. A sensação final de ter dado tudo certo. Do show ter sido bom. Foi muito emocionante.


Vocês também fizeram shows na Argentina. Como foi a recepção dos hermanos ao Los Hermanos? Rolou alguma curiosidade por causa do nome da banda, tipo, de pensarem que a banda era argentina?
Sim. Esta curiosidade realmente existiu. Não chegaram a pensar que a banda era argentina, mas se perguntavam o porquê de um nome em espanhol. O show foi muito surpreendente pois na platéia havia muito mais argentino que brasileiro. E todos cantando nossas músicas num português quase certo. Foi incrível.


E vocês pensam em gravar algo voltado especificamente para o mercado latino?
Gravamos uma versão de Anna Julia. Se fosse hoje eu acho que não gravaria. Acho que nossas canções têm muito do valor nas letras. É muito difícil traduzir algumas coisas. Eu me sentiria bem pra gravar coisas em espanhol se fosse fluente na língua. Não é o caso nem de longe.


Os admiradores do hardcore não acharam estranha a mistura que vocês fizeram desse estilo com metais, percussão e teclados? Vocês encontram algum tipo de barreira por parte do público em certos shows?
Roqueiro sectário é o tipo mais comum que há. Mas tudo bem, acho que compramos esta briga no momento em que ensaiamos pela primeira vez. É uma briga que vamos ter que sustentar pra sempre. Me sinto a vontade com ela. Há gente que você prefere que não goste do seu som, sabe?


Como ficou a relação com a gravadora de vocês, a Abril Music, depois dos desentendimentos no ano passado por causa da versão que o Frank Aguiar fez para “Anna Júlia” sem o conhecimento da banda, e que você classificou como “uma porcaria”?
O Frank Aguiar não é o culpado desta história. O fato da versão dele ser ruim (segundo meu gosto pessoal) não faz dele uma pessoa ruim. O que tem de ser dito é que a versão foi feita sem autorização. Não falo isso pra me justificar diante da opinião pública ou para lavar minhas mãos diante da versão dele. Falo pois acho um absurdo, uma violência contra o autor por parte da editora. Este tipo de coisa não deveria acontecer.


Aliás, como é para uma banda de hardcore ver uma de suas canções, no caso “Anna Júlia”, virar hit até de carnaval, sendo tocada em trio elétrico pelas bandas de axé e pagode?
É bem delicado. Não tem a ver com a música em si mas com o que cerca o processo todo. A violência está na fragmentação. Quando tocávamos no underground a relação era muito diferente. Não havia metonímeas. Não havia o todo pela parte. Era sempre o todo pelo todo. Música de trabalho faz muito isso com a banda, não só conosco mas com qualquer grupo. E no caso de Anna Julia foram 6, 7 meses de exposição exclusiva. É muito difícil não ser rotulado como banda de uma música só quando se tem um sucesso do tamanho de Anna Julia como sua primeira música de trabalho. Mas sinuca de bico é com a gente mesmo, então está tudo certo. Quanto às bandas de axé, elas não me incomodam tanto. Acho consequência de se ter uma música muito executada. O carnaval da bahia toca muito o que faz sucesso. É como um disco do Frank Aguiar entende? Aliás ele também regravou Amor I Love You e Mulher de Fases.


Voltando ao assunto gravadora: sabe-se que foi a Abril Music quem determinou que “Anna Júlia” deveria ser a primeira música de trabalho e depois, quando vocês queriam que a segunda fosse “Quem Sabe” a gravadora bateu o pé e determinou que fosse “Primavera”, passando uma falsa imagem para o público de que o Los Hermanos era uma banda apenas de baladas. Até que ponto esta interferência da gravadora foi prejudicial para a banda e até que ponto foi positiva?
Acho que foi positiva na medida em que Anna Julia foi uma escolha muito acertada. Ninguém da banda esperava que música fosse escolhida. E deu muito certo. Eu discordo um pouco do método de trabalho que aproveita a música até o último momento. Acho que este é um grande erro de estratégia. Discordei também da escolha de Primavera pois achava que era o momento de mostrar o outro lado do disco, o lado predominante, inclusive. Mas no fim deu tudo certo. As coisas podem ter sido um pouco mais difíceis mas no fim acho que a obra fala mais alto que qualquer outra coisa. O tempo, o tempo responde muitas coisas.


Mas como funciona esta questão da escolha das músicas de trabalho, estava determinado em contrato que era a gravadora? Em algumas matérias publicadas em vários veículos vocês falavam de uma decepção com a Abril Music. Chegaram a pensar em “chutar o pau da barraca”? E por que escolheram “Todo Carnaval Tem Seu Fim” para ser a primeira música de trabalho do novo álbum?
A escolha da música de trabalho é feita pela gravadora. Isso não está em contrato. É um pouco estranho que a opinião da banda seja descartada pois sabemos a imagem que queremos passar. Acho que isso ocorre porque virou normal o desligamento do artista em relação a qualquer coisa de seu trabalho. Pouca gente se preocupa com capa de disco, com clipe. Acabamos sendo muito mal vistos, tidos por chatos, murrinhas. Mas é fundamental fazer parte das coisas que cercam a banda. É fundamental e muito divertido se preocupar com a capa, com a música de trabalho, com o diretor do clip, o roteiro. Mas sabemos que somos exceções e o mercado não vê exceções com bons olhos. Achei “Todo Carnaval…” uma boaescolha. Surpreendentemente ousada até.


No site oficial, vocês disponibilizam mp3s de shows, que podemos considerar raras. Como a banda vê o futuro da indústria fonográfica? Até onde o MP3 é benefício ou malefício para a carreira do Los Hermanos?
É uma questão extremamente complexa. A questão dos direitos autorais há de ser discutida e respeitada. Não acho justo tirar o poder das mãos da gravadora e não dá-lo pro artista. Nosso salário, nosso ganha-pão vem do recolhimento de direitos referentes a execução e vendas de disco (além dos shows). Então, por um lado, acho ótimo que haja uma pressão em relação as gravadoras para que o preço do disco seja diminuido. Acho ótimo a divulgação da música independente de jabá, de acordos com rádios. Mas acho fundamental a discussão de como o artista recebe por isso. Não conheço uma solução tecnicamente viável mas acredito em uma taxa muito pequena, muito barata para se baixar músicas. Uma taxa que seja repassada para o artista. Até por que fala-se de internet sem prever o avanço monstruoso e em pouquíssimo tempo dessa tecnologia. Fico imaginando o que será do mp3 daqui a 10 anos. Qual a facilidade de se baixar uma música e copiá-la prum disco daqui a 10 anos? Com esta facilidade será mesmo que ainda vão comprar discos? É muito difícil prever. Como dizem, o jornal impresso existe até hoje…Mas cada mercado reage diferentemente aos avanços tecnológicos.



O que acharam da regravação da música Anna Julia em inglês?
Achei boa. Achei muito parecida com a nossa, o que me deixou de certa maneira lisonjeado.


O comunicado sobre a saída da banda do baixista Patrick dizia que esta se devia à “divergências musicais” com o restante do grupo. Poderiam explicar para nós, mais especificamente, quais eram estas divergências musicais? Tem algo a ver com a sonoridade do novo disco?
Tem a ver com tudo relacionado ao novo disco. São questões muito grandes, muito abrangentes que terminam na “divergência musical”. O Patrick não gostava das músicas, não gostava dos arranjos. Não gostava do conceito. Então acho que um termo mais adequado seria “divergências conceituais”.


Esse novo CD pegou de assalto todos que ouviam o Los Hermanos superficialmente. Houve receio em mudar um pouco a sonoridade com medo desse choque?
Nunca tivemos nenhum tipo de receio em relação aos fãs. Sempre quisemos fazer música pra nós mesmos. Não faz sentido partir de uma reação para se criar uma obra de arte. Partimos da nossa alegria, da nossa felicidade e pronto.


Vimos que a Abril trocou o produtor de vocês no meio da concepção do disco. Rolaram muitos atritos com a gravadora? Quando mostraram a proposta desse novo disco o que eles acharam?
Optamos por viajar prum sítio pra fazer o disco novo alheios a qualquer expectativa. Seja ela da gravadora, do público, das rádios… Queríamos fazer um disco pra nós. O Chico (primeiro produtor) funcionou como uma extensão deste processo. É um produtor que respeita as idéias da banda, que defende a banda. Então o disco foi concebido e gravado sem a participação da gravadora. Quando apresentamos o resultado final a gravadora disse que não interessava lançar este disco e que teríamos que regravar com outro produtor, repensando os arranjos, repensando o repertório. Em suma, a gravadora queria outro disco. Dissemos, obviamente, que isso não fazia o menor sentido, que estávamos extremamente orgulhosos do nosso disco. Neste momento criou-se um impasse. A gravadora chegou a cogitar nosso desligamento mas decidiu voltar atrás e acenou a possibilidade de uma remixagem com outro produtor. Indicamos um engenheiro de som e acompanhamos a mixagem de perto. O disco é exatamente o que gostaríamos que ele fosse. O processo poderia ter sido mais ameno mas as coisas estão bem acertadas agora. Acho que este processo foi importante para ganhar mais confiança dentro da gravadora. Fazer eles acreditarem que sabemos exatamente o que queremos da nossa carreira e da nossa arte. Mas como já disse somos exceções. E exceções não são muito bem vistas pelo mercado (não só pela gravadora mas pelo mercado em geral).



Vocês estão recebendo excelentes críticas do novo CD. Foram até comparados com o Radiohead. Temeram a síndrome do segundo disco após um primeiro de sucesso? O que estão achando da repercussão desse novo trabalho?
Tem sido muito boa. Na verdade é muito difícil fazer qualquer previsão porque a crítica muda de opinião de acordo com o êxito do disco. O nosso primeiro disco foi tão ou mais elogiado que este e caímos no desgosto geral por causa de um sucesso. Então seguimos fazendo música com o coração. Quem gostar gostou.


Na minha opinião, uma das músicas que mais impressionam pela qualidade vocal e dos arranjos é a “Cadê seu suin?”. Fale um pouco sobre o processo de criação dela e do disco em geral.
Qualidade vocal é ótimo.. hahaha. Obrigado mas eu realmente não a tenho. Esta música eu fiz quase dormindo. Comecei a pensar em coisas com essa construção, levantei e escrevi a letra em 10 minutos. O arranjo é quase uma referência a Lucinha Lins, na época do Lupulimpim Claplatopo. É um dixieland de branco. Sem nenhum suingue, como sugere a letra. O processo do disco funciona mais ou menos assim: eu e Rodrigo compomos a música (juntos ou, na maioria das vezes, separados) e levamos pa banda. Decidimos juntos o que é bom e o que não é. Sentamos e começamos a tentar resolver os arranjos. Não tem muito mistério, muito segredo. É meio que listar os problemas e resolvê-los, um a um. Com cada um opinando no intrumento do outro.


O CD tem arranjos muito bem trabalhados, detalhados. Vocês irão colocar todos os arranjos nos shows ou irão fazer um som mais “cru”?
A idéia é chegar o mais próximo que der. É claro que algumas coisas não podemos ter, como a orquestra de cordas, o oboé, a tuba. Mas é só. Chamamos mais um músico pra viajar conosco que toca sax e clarinete. A tuba podemos resolver com o trombone baixo (que alcança uma região muito póxima). O arranjo de cordas nós adaptamos pro naipe. O efeito é um pouco diferente mas muito, muito bonito. Virou quase uma fanfarra.


Como vocês esperam que o público veja a nova fase (se é que podemos chamar de fase) musical da banda?
Não esperamos muito de ninguém. Não esperamos que ninguém ache nada. Eu digo que o disco é resultado da soma de duas coisas: a vontade de andar pra frente, de buscar coisas que ainda não buscamos e a falta de preconceito que permite passear por lugares “proibidos” pela cartilha cult(a) da música brasileira.


Saiba mais sobre o Los Hermanos
www.loshermanos.com.br: Muito bem feito, o site oficial do Los Hermanos traz biografia, notícias fotos, agenda de shows, letras, cifras e discografia da banda.os muito de ninguém. O melhor do site é a seção “Audio”, na qual a banda disponibiliza constantamente mp3s gravadas ao vivo.

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