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Lobão: “Acho que a cena carece de pessoas parecidas comigo”

Crítico, explosivo, polêmico e nos últimos tempos, revolucionário. São essas poucas (dentre muitas outras) palavras que podem melhor definir a pessoa/artista Lobão, um carioca de 43 anos que aos 3 teve seu primeiro contato com a música. Surgiu para o grande público no início da década de 80, como baterista da banda Blitz. Depois lançou-se em carreira solo e, cantando e tocando, fez da canção “Me Chama” um dos maiores hits daquela década.


Durante toda a década de 90, seguiu fazendo seu trabalho, com direito à uma pausa de quatro anos sem compôr. Lançou em seguida mais dois discos, “Nostalgia da modernidade” e “Noite”, mas foi com “A Vida é doce”, lançado no ano passado, que deu início à sua revolução. Numa atitude pioneira, Lobão rompeu – e intensificou as críticas, com as gravadoras e lançou o álbum por um selo próprio, vendendo-o em bancas de jornais e websites por um valor menos extorsivo que o preço atual dos CDs, e até mesmo distribuindo as canções gratuitamente em mp3 (formato que aprova e defende) em vários websites.


Nesta entrevista para o MusicaNews, Lobão conta o que proporcionou a idéia de distribuir músicas em mp3, fala sobre seu selo “Universo Paralelo”, Rock in Rio, e sobre os artistas que acha que valem a pena. Como sempre, sem papas na língua, Lobão disse que o público metaleiro que lhe vaiou no Rock in Rio 2 não tem identidade própria e quanto à ser crítico, disparou: “Acho que a cena carece de pessoas parecidas comigo”. Confira!


Música News: O seu último CD, “A vida é Doce”, foi vendido em bancas e na internet pela sua gravadora independente, a “Universo Paralelo”. Você alcançou o retorno desejado? Acha que inaugurou um novo ciclo na música brasileira?
LOBÃO: O disco tá vendendo muito bem. Já alcançamos 100 mil cópias e continuamos vendendo bem. Quanto a dizer que inaugurei alguma coisa, eu inaugurei um novo ciclo para a minha carreira, mas espero que possa, de alguma forma ou de outra, ajudar o panorama em geral.


Música News: Além de vender o CD, você disponibilizou algumas canções de “A vida é doce” gratuitamente em mp3 no seu site oficial e em alguns outros sites de música. Você sabe quantas pessoas “baixaram” estes arquivos? Qual marca você considera mais importante, os 100 mil discos que vendeu nas bancas ou estes downloads gratuitos na internet?
LOBÃO: O interesse que é gerado é que é importante, pois mostra que há um número substancial de pessoas interessadas naquilo que você está fazendo e isso nesse momento é o que é o mais importante. O número de downloads precisamente eu não tenho idéia, só sei que tá tendo uma resposta muito boa. A única vez que eu acompanhei isso foi justamente quando disponibilizei uma faixa demo, “El Desdichado II”, que teve 250 mil downloads em menos de 1 mês, proporcionando assim, toda a nossa empreitada.


Música News: Qual a diferença entre o compositor Lobão da década de 80 para o Lobão dos anos 90/2000?
LOBÃO: Estou mais velho e sabendo mais o que eu quero com mais habilidade e conhecimento para executar o meu trabalho.


Música News: Você era o baterista da Blitz, a primeira grande banda do rock nacional, e deixou o grupo justamente quando ele estava no auge, alegando que não concordava com certas exigências da gravadora. Como você vê essa enxurrada de bandas fabricadas pelas gravadoras que estão surgindo na música nacional e internacional?
LOBÃO: Não difere muito da Blitz do início dos anos 80: armação de gravadora que transforma o artista iniciante num material descartável. São os ídolos inesquecíveis que se transformam em poeira de esquecimento em 1 ano.


Música News: No Rock In Rio II, a organização do evento te escalou para tocar na noite mais heavy metal do festival, e como não poderia deixar de ser, a platéia estava repleta de “undergrounds”. Logo no início do show a platéia começou a atirar objetos no palco e quando deu-se a entrada da bateria da Mangueira virou uma verdadeira zona. Dizem até se tratar de uma das maiores vaias da história da música no Brasil. Queria que comentasse que lição tirou desse fato…
LOBÃO: Em primeiro lugar, quem se escalou para tocar na noite de heavy metal foi eu mesmo. Era eu mesmo que desejava este confronto e estava esperando por ele. Na verdade, o único acontecimento underground naquela noite era o meu, que foi tramado para provocar aquela reação toda. O que eu aprendi daquele dia foi a previsibilidade de um público metaleiro, ou pior, um público sem identidade própria e com baixa auto estimo. Era muito difícil naquele momento, aquele público reconhecer como evolução da identidade musical da música contemporânea brasileira uma escola de samba tocando junto com uma banda. Acredito que esse foi o maior fator de rejeição por parte daquelas pessoas , por ironia do destino, essa forma de sincretismo musical é que se tornou a grande fonte de expressão dos anos 90 com Chico Science, Nação Zumbi, Raimundos, etc.


Música News: Como você está vendo esta edição terceira edição do Rock n Rio? Foi chamado para tocar? O que achou da desistência das grandes bandas brasileiras?
LOBÃO: Sim, fui chamado para tocar, mas não chegamos a nenhum acordo satisfatório. Acho excelente a postura do Rappa em reivindicar um espaço condizendo com o seu tamanho, afinal de contas, através da votação eletrônica ficou bem bem claro a esmagadora predileção do público pelas bandas nacionais. E seria, mais uma vez, um achaque à nossa auto-estima ver bandas do porte do Rappa, dos Raimundos, do Charlie Brown Jr. abrindo o show para artistas de pouca expressão. Além se se prejudicarem pela luz do dia, pelo som diminuto (em regra, eles teriam 10% da capacidade total) e com o palco reduzido também. Fico feliz pelas coisas apontarem uma mudança de rumo. Como diria o Planet Hemp: Respeito!


Música News: E como vai sua briga com as ex-gravadoras para conseguir tocar em frente seu projeto de gravar um CD ao vivo no próximo ano?
LOBÃO: As coisas parecem estar indo muito bem. Tenho certeza que o disco sairá na data marcada, pela universo paralelo, nas bancas, duplo. Só não sei se será realmente ao vivo, pois acabamos de gravar uma faixa (Decadence Avec Elegance) com Max de Castro em estúdio, e ficou um arraso! De repente o projeto estético do disco está mudando.


Música News: Fale um pouco sobre os projetos de seu selo “Universo Paralelo” e sobre a “UP FM”. Você pretende lançar outros artistas por este selo?
LOBÃO: Universo Paralelo vai lançar o meu próximo disco e haverá de ter outros projetos sim, mas ainda não tenho nada definido. Assim como a Rádio Universo Paralelo Online, ainda é um projeto embrionário, afinal de contas eu sou um só e passo a semana inteira fazendo shows, palestras e tenho que ter tempo para reivindicar os direitos de excecução da minha obra, gravar e produzir o disco novo e tocar adiante toda essa empreitada. Mas, de uma forma ou de outra, apesar do pouquíssimo tempo em relação a quantidade de trabalho, me parece que estamos dando conta do recado direitinho.


Música News: Você recusou uma proposta de 1 milhão de reais para ter a sua música “Me Chama” vinculada ao comercial de uma empresa de telefones celulares. Ao contrário de você, o Jota Quest e o cantor Gabriel, O Pensador, tiveram suas imagens ligadas à comercias, de refrigerante e de chinelos respectivamente. O que você acha disso?
LOBÃO: Eu não posso julgar a atuação dos outros artistas, pois cada um tem sua característica pessoal. Prá mim, eu acho o fim da picada ouvir minha música como se fosse um jingle. É muito deprimente, parece que você é um brinquedo de plástico. Eu acho que todo mundo acaba sentido isso.


Música News: A seu ver, como anda e como será o rock nacional nos próximos anos?
LOBÃO: Vocês devem saber perfeitamente o que eu acho de rock pô, o escambau… eu quero que se foda!


Música News: Lobão, você já criticou a MPB, falou mal de Lulu Santos, zangou-se com João Gilberto, criou uma guerra com Herbert Vianna e o chamou de verme, criticou o Alexandre Pires e fez o mesmo com os Titãs. Afinal, de quem no mundo da música você gosta?
LOBÃO: Não me parece que o mundo inteiro esteja incluído nesses nomes, não é verdade? Mas se você quiser um contraponto, aqui vai: adoro o trabalho do RAppa, Luiz Melodia, Max de Castro, Nação Zumbi, Mundo Livre S.A., Otto, os trabalhos de vários DJs como Mark, Patife, X; Gosto muito também da cena hip hop com Thayde, Ed Rock, Gog; Na cena punk tem os Inocentes, Wander Wildner, Jupiter Apple. Tem ainda o Zeca Baleiro, Lenine, Cassia Eller, Paulinho da Viola, Nelson Sargento, Monarco, Ze Ketti, Planet Hemp, Raimundos, Charlie Brown Jr. E cá entre nós: admiro muito Lulu como um cara talentoso, um artista brilhante, mas discordo totalmente da diretriz do seu trabalho. Quanto ao João Gilberto, é um artista genial que me deu a honra de gravar a minha música, e quando fui perguntado sobre esse episódio sempre respondi que adorei o fato dele ter gravado a música, mas que senti falta da frase que deu origem à ela. Quanto ao fato de ser um cara crítico, acho que a cena carece de pessoas parecidas comigo, pois é assim que se constrói uma real identidade e se exerce a verdadeira democracia do pensamento.


Música News: Por fim, quais os três CDs que são essenciais para você, outros três que você quebraria, um artista que você odeia e uma artista que você adora?
LOBÃO: Eu não me apego a nemhum tipo de trabalho tanto assim. Também não sou Flávio Cavalcanti para quebrar CD, apenas não ouço, mas haverá sempre quem goste. As bandas e artistas que valem a pena já citei na pergunta anterior.


Saiba mais sobre Lobão
Site oficial – No belo site oficial do cantor, pode-se ouvir e conferir as letras de todas as onze canções do álbum “A Vida é doce” (há também um link para quem quiser comprar o disco pela internet), ler uma biografia, as últimas notícias sobre ele, etc.

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