Fê Lemos, do Capital Inicial: “O mercado é uma merda”
O ano era 1982. A capital federal, Brasília, estava repleta de jovens ávidos por fazer rock n roll, mostrar a sua cara, seu discurso, protestar. Foi neste contexto que surgiu a banda Capital Inicial, fundada por Loro Jones e pelos irmãos Fê e Flávio Lemos, ex-integrantes do histórico grupo Aborto Elétrico, do qual Renato Russo fez parte. Um ano depois, Dinho Ouro Preto entra na banda, comandando os vocais.
Com a entrada de Dinho a banda passou a tocar cada vez mais, e no final de 84 assina seu primeiro contrato com uma grande gravadora. Daí até o ano de 1991, quando o mercado para o BRock já não era tão bom quando na década de 80, foram cinco discos lançados e muito sucesso. A decadência começa em 93, quando Dinho sai da banda para seguir uma carreira solo que nunca decolou. Nos cinco anos seguintes, o Capital Inicial, com Murilo Lima nos vocais, chegou a lançar dois discos, “Rua 47″ (94) e “Ao Vivo” (96), que passaram completamente batidos por mídia e público, que aliás imaginava que o grupo havia se desfeito.
A virada começou em março de 98. Animados com o lançamento de coletâneas com as músicas do grupo, com a constante execução de suas músicas pelas maiores emissoras de rádio e com o apoio dos fãs, os quatro integrantes da formação original decidiram voltar aos palcos. Conseguem um contrato com a Abril Music e lançam, no final de 98, o álbum “Atrás dos Olhos”, que emplacou “O Mundo” e “Eu vou estar” nas rádios e na MTV. Seguiram-se então muitos shows por todo o Brasil e o convite, em 99, para o lançamento de um Acústico MTV, que saiu em maio do ano passado. O resto todo mundo sabe: o acústico estorou e a banda voltou a fazer sucesso, vendendo mais do que na década de 80.
E é sobre o Acústico MTV e seu sucesso, mercado fonográfico, os relançamentos das bandas dos anos 80 e o carreira em geral do Capital Inicial que conversamos com Fê Lemos, baterista da banda. Confira o nosso papo com ele:
Música News: A década de 90 foi conhecida como “a época da decadência do rock nacional” e também como o período da ascensão da música sertaneja, causando verdadeiros conflitos entre as duas facções. Recentemente numa entrevista, o cantor sertanejo Zezé Di Camargo disse que os roqueiros têm inveja dos sertanejos, por causa das grandes vendagens que a música regional proporciona. Você acredita na volta do rock para as rádios populares do Brasil? Os investimentos prioritários que as gravadoras fazem na divulgação dos sertanejos e/ou dos chamados “artistas comerciais” afetam o surgimento de novos amantes do rock?
Fê: Você faz parecer que houve uma guerra, caipiras de um lado, roqueiros do outro, as ruas em chamas, corre-corre e gritaria… Eu acredito que as rádios populares vão continuar populares, e as rádios pop vão continuar pop. Eventualmente alguma canção pop pode migrar para as populares, mas uma canção brega ir para as pop é mais difícil. E também os públicos não se misturam. Alguns artistas, na verdade algumas canções de alguns artistas, conseguem ultrapassar a barreira criada pelo seu próprio estilo, fazer o tão sonhado crossover, mas são exceções. Gostar de rock não tem nada a ver com o investimento de gravadoras. Você escolhe o que quer ouvir a partir da música que te cerca, tudo bem, mas rapidamente um adolescente já tem o seu menu musical pronto. Existem duas espécies de ouvintes: aquele que houve aquilo que toca, e outro que escolhe o que quer ouvir.
Música News: Logo no começo de carreira, o Capital tinha seu estilo voltados para o punk, influenciado por Clash e Pistols. Com o lançamento do disco “Capital Inicial”, a banda se voltou mais para o lado dos teclados e um pouco dos metais, deixando os primeiros fãs surpresos. A banda tornou o seu som mais pop-rock. Por que ocorreu essa mudança inicial? Era amadurecimento, vontade, necessidade ou rótulo pra remédio mesmo?
Fê: O Aborto era punk. O Capital já era muito mais influenciado pela new wave. Nós quizemos testar tudo. Nós optamos por levar as músicas para onde elas pudessem nos levar. Não pensamos em fazer um disco assim ou assado. Quando cogitamos em colocar um piano em Fátima e Música Urbana era porque achamos que elas ficariam melhores assim. Assim como deixamos Veraneio e Psicopata cruas, colocamos percussão num reggae (Gritos) etc. É importante lembrar que o Capital foi o primeiro grupo dos anos 80 a criar arranjos assim para suas músicas.
Música News: O movimento do rock da Brasília começou a ser olhado pelas grandes gravadoras cariocas e paulistas quando o Paralamas gravaram a música “Química” do Renato Russo, até então, os grandes centros conheciam pouca coisa do som da capital. Foi difícil o sucesso nos grandes centros para uma banda que começou em Brasília e pouco se conhecia?
Fê: Havia discriminação das gravadoras. Ninguém conhecia nada do som da capital. Só que em 84 e 85 a gente tocou muito no Rio e SP, e quem estava ligado no rock nacional acabou descobrindo a gente. O segundo show do Capital com o Dinho foi em SP e o terceiro no Rio. Estas cidades começaram a ser visitadas pelas bandas de Brasília em 83, e mais ainda em 84, quando praticamente todo mês estávamos por lá. Nossos shows geraram interesse no underground paulista e carioca. Existia a Rádio Fluminense no Rio, e uma demo nossa com Descendo o Rio Nilo e Leve Desespero foi muito executada. As gravadoras passaram a se interessar pelo rock de uma maneira geral depois de descobrirem que poderiam vender discos de rock brasileiro. A história da Legião não tem nada a ver com a história do Capital, depois que saem de Brasília. Enquanto a Legião se tornou rapidamente a banda mascote da inteligentsia carioca, o Capital era a outra banda, aquela não tão boa assim. Foi uma surpresa para todos, inclusive passou batido, mas o nosso primeiro disco vendeu mais que o dobro do primeiro da Legião. Só que a Legião tinha prestígio, a gente não.
Música News: No início da carreira, a gravadora CBS queria vender o Capital com um som mais comercial, chegaram a negar o pedido de gravação das músicas-protestos “Veraneio Vascaína” e “Fátima”, e a partir desses fatos você mudaram para Polygram. O que vocês acham dessa indústria fonográfica atual, que injeta bandas projetadas na música nacional, visando basicamente o lucro?
Fê: Qualquer gravadora visa basicamente o lucro, com raríssimas exceções. Existe uma necessidade da indústria em lançar novos produtos, sempre. É sua razão de existir. Ela vai lançar aquilo que seu departamento artístico julgar vendável. Elas não estão aí para satisfazer egos de artistas nem zelarem pelo patrimônio cultural de um país. Seus diretores tem que responder perante os acionistas e controladores. Não é o que eu gostaria que fosse, é o que existe. Talvez a Trama possa mudar o paradigma, tomara. Mas se eles não derem lucro uma hora eles vão fechar. Resumindo, o mercado é uma merda. Num país comunista você poderia ter esta tão sonhada gravadora, que divulgaria apenas o que é genuíno, autêntico e maravilhoso. Aos olhos da burocracia do momento. E usando o seu dinheiro.
Você acha que Los Hermanos, O Surto, Marys Band, Maskavo, etc, visam basicamente o lucro? Você não acha que existem artistas dentro das bandas novas? Você acha que as gravadoras tem bebes de proveta que estão pré-determinados a se tornarem astros do rock tupiniquim, fazendo um som pré-programado? Você acha que o súbito (re)interesse pelo rock brasileiro foi orquestrado pelas gravadoras ou é algo que já estava aí, e que algumas delas captaram e resolveram investir? Agora, que uma gravadora visa basicamente o lucro, visa. É uma empresa comercial.
Música News: Foi divulgado que o Dinho estava escrevendo um livro sobre as farras da juventude em Brasília, com amigos como o Renato Russo, mas que acabou pondo este projeto na gaveta por causa o grande sucesso do Acústico MTV. Você sabe quando ele pretende retomá-lo? Há casos inéditos ou surpreendentes sobre a turma da capital que ainda não foram divulgados?
Fê: Claro! Vocês não perdem por esperar!
Música News: Ao sair do Capital o Dinho lançou um CD solo. E você, pretente fazer trabalhos paralelos no futuro?
Fê: Sim!
Música News: O “Acústico MTV Capital Inicial” priorizou a proposta primordial do projeto, com versões das músicas principalmente em voz e violão, saindo da fórmula escolhida por outras bandas, que priorizaram os metais, a orquestra e muitos convidados. Como foi a realização desse disco? O álbum já vendeu cerca de 300 mil cópias, o retorno do público surpreendeu?
Fê: É um disco vencedor. Nossa intuição a respeito do projeto se concretizou. É o disco certo na hora certa. E feito exatamente como a gente queria. Mas estamos surpresos sim, e felizes. Não imaginávamos que tantas pessoas iriam gostar tanto deste disco. Fomos bem realistas, nunca imaginamos vender um milhão ou estourar nas rádios populares. Estabelecemos metas palpáveis. Fazer um disco honesto, ensaiar bastante para gravar direito, escolher um repertório representativo da carreira mas com algumas músicas inéditas, conseguir estourar uma desta músicas inéditas, unir a gravadora ao redor do projeto, montar um show que fosse flexível, comportando tanto pequenas casas noturnas como teatros e grandes espaços, tentar conseguir o disco de ouro, para depois pensar em platina, para depois pensar em passar das 400.000 mil cópias, etc.
Música News: E por que escolheram o do Kiko Zambianchi e da Zélia Duncan para participarem do acústico de vocês?
Fê: O Kiko é um amigo desde a nossa mudança para SP. Foi por sugestão do nosso empresário que passamos a considerar a idéia de convidá-lo. Ao optar por um acústico baseado nos violões estava claro que precisaríamos de no mínimo dois para ter um som mais cheio. E o Kiko é um excelente violonista. Ele também preencheu duas características importantes: sabe cantar bem, pois também queríamos vocais dobrados, segunda voz, etc, e não é um anônimo, é alguém que tem carreira e personalidade próprias, e isto era algo que valorizaria o nosso acústico. A Zélia foi convidada por representar um outro lado da produção cultural de Brasília, uma outra turma, mas com ressonância com a nossa. Achamos também, acertadamente, que uma voz feminina poderia dar nova vida à canção escolhida.
Música News: E vocês gostam desse tipo de disco? Ouviram os acústicos do Lulu Santos, Legião Urbana, Titãs, Rita Lee, João Bosco, Paralamas do Sucesso e Art Popular, por exemplo? Gostaram?
Fê: Na verdade eu não ouvi nenhum para buscar o melhor formato. Vi o do Titãs na TV, fui no show acústico do Paralamas, vi o do Nirvana e do Kiss na TV, ouvi algumas músicas da Rita no rádio. O único CD Acústico MTV que tenho é o do Eric Clapton. Na minha opinião, o consenso a que chegamos sobre a importância do nosso acústico ser da forma que foi, espontâneo e instintivo, apesar de todas as reuniões que tivemos para tratar do assunto (umas duas…). Mas você precisa ouvir a opinião dos outros caras a respeito!
Música News: Por que as bandas dos anos 80, todas elas, estão lançando CDs de retrospectiva, seja “Ao Vivo” simplesmente ou com o carimbo de acústico? Seria uma demonstração de saturação?
Fê: Talvez a necessidade de atualizar o repertório “clássico” da banda frente a um público mais jovem. No nosso caso, além disso o fato de os nossos quatro primeiros discos estarem fora de catálogo, e também de termos trabalhado separados por cinco anos, separação que nos alijou da mídia.
Música News: Dizem que a banda Queens Of The Stone Age teve o melhor disco de 2000, segundo a New Music Express. Já escutaram o disco deles? Você têm algum voto ao melhor disco do ano passado, nacional e internacional?
Fê: Não ouvi QOTSA. Espero ouvir algum dia. Tenho ouvido música eletrônica, particularmente drum n bass. Estou distante do hype e daquela necessidade preemente de estar constantemente antenado em tudo que é lançado, em quem diz o que, enfim, tenho CDs que ainda nem escutei direito.
Música News: Li uma afirmação num site de que o Brasil é o único lugar em que as bandas saem em excursão para promover disco ao vivo. Você já pensou nisso?
Fê: Nunca pensei nisso. O nosso acústico é um projeto especial, com começo, meio e fim, que está sendo levado para todos os lugares possíveis. Seria um grande erro não fazer a turnê dele. Quem comprou o disco quer ver o show.
Música News: Quais são os próximos passos da carreira do Capital Inicial? Já tem idéias para um próximo disco?
Fê: Estou construindo meu home studio em Brasília. Pretendo voltar a fazer música em breve. Mas ainda nem começamos a discutir como será nosso próximo álbum.