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Entrevista exclusiva: CPM 22 fala sobre seu novo álbum

   Em time que está ganhando, todo mundo já sabe, não se mexe. Ciente disso, “mas sem se policiar”, o CPM 22 entrou em estúdio pra gravar seu terceiro disco, que está chegando agora às lojas. Banda de hardcore que mais vendeu no Brasil no ano passado (seu 2º disco foi comprado por mais de 100 mil pessoas), o CPM 22 repete neste trabalho sua boa mistura de hardcore melódico (ora rapidíssimo, ora quase baladeiro) e letras que passam longe do engajamento político comum às bandas do estilo. O resultado, intitulado “Chegou a hora de recomeçar”, tem tudo para agradar em cheio aos fãs conquistados ao longo da carreira, tendo como destaque faixas como “Desconfio” (a primeira de trabalho), “Amigos Perdidos” e “Atordoado” (com arrepiante participação de Rodrigo Lima, vocalista de outra respeitadíssima banda do hardcore nacional, o Dead Fish), fortes candidatas a hit.


   O Central da Música conversou, por telefone, com o guitarrista do CPM 22, Wally. Na entrevista, ele nos falou tudo sobre o novo disco e sobre a ascenção da banda no cenário nacional, além de ter comentado todas as faixas de “Chegou a hora de recomeçar”. Confira:


Chegou a hora de recomeçar o quê?
Wally: Isso tem vários sentidos. Pelo fato de ser um trampo novo, de a gente não querer ficar parado num mesmo lugar, tem o lance de, pô, cada um encarar de um jeito, o cara que pega o disco pode estar vivendo alguma na vida dele que está mudando ou recomeçando, o disco pode significar alguma coisa mais forte pra ele. Pra gente é isso, paramos pra reavaliar algumas idéias, mas é também uma continuação de tudo que a gente está fazendo.


A percepção que tive é que basicamente o som e as temáticas realmente não mudaram quase nada em relação ao disco anterior. É mais ou menos essa a percepção e a intenção de vocês?
Wally: É. Tem um lance na banda de não estar se prendendo muito, vamos fazendo o que sai naturalmente. A gente fez as músicas, gravamos, vimos que tem a cara da gente, estavam legais. Mas a gente não vai ficar se prendendo, se no próximo disco a gente tiver tocando mais pesado ou estiver indo pra um outro lado, é meio difícil de estar segurando, a gente não fica se policiando.


Em relação a temáticas, o CPM 22 não tem muita aquela encanação de fazer música de crítica social. Você diria, ou acha, que o CPM 22 vai ser sempre uma banda que vai falar só de cotidiano, dúvidas existenciais, amores, essas coisas?
Wally: Tem um amigo da gente que fez uma reportagem na (revista) Dynamite e escreveu que as letras da gente são um polaroid do cotidiano de qualquer um, coisas que a gente passa e acaba escrevendo de um jeito fictício até, mas são coisas que acontecem. Temos esse lance desde o começo, a banda surgiu com esse ideal de estar postando nas letras coisas que realmente rolam na vida de qualquer um.


Vocês regravaram duas faixas do Cd independente (“Peter” e “Garota da TV”) nesse disco. Essas versões estão muito diferentes em relação às originais?
Wally: Estão na mesma linha, tem um detalhe ou outro que, pô, na hora de regravar uma música você não consegue gravar do mesmo jeito que há anos atrás, pelo lance de você já não estar com o mesmo feeling e também por sempre se querer dar um gostinho diferente. As músicas estão iguais, mas tem alguns arranjinhos novos, que inclusive ganharam essa cara na estrada.


E ainda tem alguma coisa do independente que pode entrar num álbum futuro?
Wally: Olha, sobraram cinco músicas dele que a gente não gravou nem nesse nem no anterior. Elas estão aí, são pedidas pelos fãs mais antigos nos shows, mas agora a gente tem mais músicas, então não sei, pode rolar ou não.


Ficou muita coisa de fora desse disco?
Wally: Tinha mais ou menos 21 músicas, a gente escolheu 12 mais essas 2 que foram regravadas. Essas escolhidas eram as que estavam mais legais, a gente gravou quase todas e deu uma sacada, teve música que acabamos não fazendo nem letra e elas ficaram guardadas pra quem sabe serem usadas no futuro. Escolhemos as faixas que causaram um lance legal pra gente, à primeira vista.


Por que chamar o Rodrigo (vocalista do Dead Fish) pra participar do disco e por que na faixa Atordoado?
Wally: Primeiro porque somos fãs dos caras faz tempo, já conhecíamos também eles há um tempinho, eu acho eles muito legais, sempre quis fazer um lance junto. A gente já estava com essa idéia, e aí quando pintou essa música, fizemos a divisão de vocal, ficamos imaginando como ia ser e aí todo mundo falou “pô, é a cara dele”, a gente fez a música e já estava ouvindo a voz dele ali. Chamamos o cara, ele topou, ficou legal pra caramba, todo mundo gostou da música, foi massa!


A música de trabalho (“Desconfio”) já tem clipe rolando? Como é que é esse clipe?
Wally: Tem sim. Esse é um pouco diferente dos outros três, que são bem parecidos. O clipe tem imagens de um show que fizemos em Santo André, que tinha umas 7 mil pessoas, e misturamos essas imagens do público agitando bastante com cenas de São Paulo, cenas que você ve se sair pra dar uma volta no centro da cidade, tem um motoboy levando enquadro da polícia, neguinho vendendo muamba na rua, é bem o caos mesmo que você vê no dia-a-dia paulistano.


Você acha que a ascenção do CPM 22 contribuiu para uma mudança de mentalidade na cena hardcore nacional, que tem gente que pensa que uma banda não pode tocar hardcore e ao mesmo tempo estar na mídia, ser distribuída por uma grande gravadora?
Wally: Cara, no começo teve sim muita gente que torceu o nariz, mas a gente desancanou. Teve um ou outro que levou mais a sério, mas é o lance do cara ser meio radical, a gente também já foi assim quando era mais moleque. Pô, você tem aquela que gosta pra caramba e só você e alguns amigos conhecem, aí vê aquela banda estourando e já não gosta porque vai virar moda, uma preocupação meio boba. Eu acho que foi legal porque muita gente conheceu esse tipo de som através da gente, eles não tinham acesso, mas quando ouviram nas rádios foram se ligar que já existiam bandas fazendo esse tipo de som há muito tempo, desde lá de baixo, do Sex Pistols, dos Ramones. Em relação as bandas, eu vejo bastante gente correndo atrás. Acho que a nossa contratação deu um ânimo novo há muitas delas, tem muita gente trabalhando mais e melhor agora, bandas legais começando.


Só uma curiosidade: qual a tiragem inicial desse disco?
Wally: Esse já saiu com 25 mil cópias vendidas pras lojas. Do anterior vendemos 100 mil no total.


E você sente falta de alguma coisa do tempo em que a banda era independente? Essa coisa de dar entrevista o dia inteiro, por exemplo, deve ser um saco…
Wally: (risos) É, é meio pesado, mas é legal também. A gente sente falta das coisas mais simples, antes chegávamos pra tocar e nós mesmos plugávamos o instrumento, íamos tomar uma cerveja antes e não era preciso ficar dando atenção pra todo mundo, antes eu mesmo cuidava da distribuição dos nossos CDs. Hoje em dia tem toda uma estrutura, temos uma gravadora por trás, a gente está trabalhando e tem um monte de coisa pra estar tomando conta, pra rolar um show legal, temos uma equipe que trabalha conosco, então já muda tudo. Mas pô, a gente sabia que é preciso ter uma estrutura pra fazer nosso trabalho, sabemos que se quisermos continuar aí por mais 10, 15 anos, íamos precisar de uma estrutura melhor, ser independente no Brasil não é tão romântico quanto parece, você acaba pagando pra tocar, há um lado legal e um lado roubada. De qualquer forma, ainda continua rolando shows em lugares mais underground, ao mesmo tempo em que fazemos um show lá em BH pra 40 mil pessoas com bandas que estão na mídia, fazemos também um outubro festival em Jundiaí com Dead Fish, Fist e outras bandas do interior, pra 500 pessoas, então ainda rola um pequeno contato com o que rolava antes.


E apesar dessa estrutura, vocês ainda entram naquelas roubadas comuns na cena hardcore nacional, de tocar em lugares com som ruim, organização não cumprindo o que promete…
Wally: Acontece sim. Às vezes você esquenta a cabeça e para pra pensar “pô, há três anos atrás eu estaria subindo aqui nesse lugar e plugando eu mesmo minha guitarra pra tocar sem passar som, sem regular nada”. É aquela coisa né, rock n roll, tem muito lugar que a gente se enfia que as vezes é roubada, o contratante do show é marinheiro de primeira viagem. Mas se a gente não entrar nessas também não vamos aprender um monte de coisa que é bem estar aprendendo, então fazemos assim mesmo. Esse final de semana mesmo fizemos um show super legal em Recife e voltamos pra Jacareí, num lugar horrível, um puta som bosta, durante 10 minutos do show só metade das caixas de som (as do lado esquerdo) estavam funcionando. Mas foda-se, a gente tocou assim mesmo, a galera não tem todo esse glamour, frescura. Tem lugar que não tem camarim, mas a gente vai numa boa, porque às vezes é uma oportunidade de plantar uma semente num lugar em que a gente nunca tocou.


Faixa-a-Faixa
Wally comentou para o Central da Música todas as faixas de “Chegou a hora de recomeçar”. Confira:


Desconfio: “tem influência do hardcore mais tradicional, tipo Bad Religion, e a letra fala de algumas coisas que acontecem e todo mundo vê, mas que parece que neguinho está com os olhos fechados pra isso”;


Sonhos e Planos: “tem sonoridade meio à la Unwritten Law, uma banda da Califórnia que a gente ouve bastante, e a letra fala disso mesmo, coisas que a gente ainda quer fazer, realizar, e não se arrepender”;


Vidas que se encontram: “um hardcore melódico, bem rápido, com letra que tem tudo a ver com nome, fala de uma história de amor que rolou e o Badaiu escreveu pra namorada dele, sobre a época em que eles se conheceram”;


Dias atrás: “um som numa linha mais emo-rock, com influências de Face-to-Face, de Social Distorcion, é uma pegada mais devagar, mas não chega a ser uma balada, porque tem peso. A letra fala de desilução, é a primeira. Acho que esse disco tem menos letras sobre desilução, acho que neguinho tomou menos pé na bunda no último ano aí (risos)”;


Amigos perdidos: “uma homenagem que a gente fez pra dois amigos que faleceram no último ano; o Marcelo Donald, vocalista de uma banda de SP chamada Gritando HC, foi pra um hospital público e morreu por erro médico, era um problema e acharam que era outro, detonaram o cara, ninguém sabe direito o que aconteceu. Já o outro amigo era o Fábio Piu, das antigas, rock n roll pra caralho, ele trabalhou com a gente na produção de shows, trabalhou na revista Dynamite e no Dínamo, uma antiga casa de shows. Fomos pegos de surpresa por essas perdas e aí acabou rolando um desabafo nessa letra, que até foi feita pelo Luciano junto com um outro amigo da gente, o Alex. Demos uma influência hardcore no som, fizemos uma introdução bem Gritando HC, pra ser uma homenagem, e o solo da música é bem do tipo “esteja onde estiver meu caro, espero que no céu, esteja aí olhando pela gente e se divertindo”. A gente imagina nesse solo os caras lá no céu andando de skate, de moicano, dando alô pra nóis (risos)”;


Especial como você: “tem influências de Screeching Weasel, que influencia a gente pra caramba, puta, é a cara dela, o solinho na introdução, a levada de voz. Fala de uma pessoa especial, foi o Portoga que fez pra mulher dele e indaga se é ela mesmo a pessoa que vai estar com ele pra sempre, fala que ele gostaria “de ter sempre alguém especial como você”";


Não sei viver sem ter você: “música do Coala, que é do Hateen, uma banda emo-rock de São Paulo em que o Japinha toca batera também e que tem 10 anos de estrada. A gente já estava a fim de fazer uma parceria e aí encontrei o Coala numa balada e ele disse que fez uma música pensando na gente, no jeito que nós escrevemos. Ficou bem a nossa cara mesmo, tem uma linha mais emo também, letra que fala de desilusão, no melhor estilo corta pulsos. Ela tem o verso “Chegou a hora de recomeçar”, fui eu que tirei esse verso pra colocar como nome do disco”;


Atordoado: “um hardcore com influência de sons mais pesados, vocal mais gritado. A letra fala sobre o cara que está atordoado mesmo, sem saber pra onde ir. É uma história fictícia, mas a gente vê muitas pessoas indo por esse caminho muitas vezes”;


Garota da TV: “música da nossa segunda demo, de 98, um hardcore melódico descarado. A letra fala de uma história real, bem forte, um lance que rolou entre eu e uma das meninas daquele programa Fantasia, que rolava no SBT, eu fiz a letra pra ela, foi uma história tempestuosa de amor que rolou durante umas três semanas e eu pirei, escrevi a música e resolvi botar o nome Garota da TV pra não dar na cara”;


Ontem: “essa os caras da banda até me zuaram, por que a letra dela e da “Anteontem”, do disco anterior, são minhas, eles falaram, “pô, só sabe colocar esse tipo de nome?”. Tem uma influência forte de guitar bands, tipo Foo Fighters, Weezer, Pixies. A letra é meio que um desabafo, o refrão fala “eu queria voltar no tempo pra corrigir todos os meus erros”. É um lance do tipo, eu sei que errei, fiz algumas merdas, mas nada mudou muito, bola pra frente. É só mais uma música também, não se deixe levar. (risos)”;


Coragem: “é hardcore também, uma influência forte de MxPx, que metade da banda ouve bastante. A letra o Luciano fez com o Badaui, na época o pai do Luciano estava no hospital, ele ficou meio com medo de perder o velho dele, e ao mesmo tempo eles entraram em outras idéias, tem vários sentidos essa letra. Tem uma frase bem “Etapa Vestibulares” no meio, bem aquela coisa de comercial (“Coragem de conseguir vencer, dispostos a tudo, menos a perder”)”;


Argumento: “também é uma mistura de tudo que a gente têm ouvido, com influência de Helmet. É uma das músicas mais diferentes do disco, tem uma participação do Maurício, que toca com o Otto, com o Xis, e que tocou um moog, que é um teclado mais espacial. Bate na tecla daquele lance do “vamos em frente, vamos acreditar”";


Peter: “também da segunda demo, a letra é bem retardada, infantil (risos), mas é uma historinha engraçada, era pra ser isso mesmo. A gente imagina um clipe tipo de massinha, é uma história desencanada do cara que está passeando por aí se divertindo, a molecada que vai nos shows gosta”;


Mentiras Novas: “influência de hardcore, referências bem de leve ao The Vandals, da Califórnia, e a letra fala de mentiras novas mesmo, todos os dias você acaba ouvindo algumas. Na época em que escrevi a letra a gente tinha passado por duas semanas bem tumultuadas. No final dela tem um bônus, chamado “Esperança”, que acho que você é o primeiro a saber, ninguém perguntou ainda. Esse bônus fui eu que fiz, por ser uma vinheta a gente não colocou o nome no encarte, mas se você ouvir com atenção vai me ouvir falando esperança bem rapidinho no final. Tem um clima meio emo, triste, a gaita que eu toco nessa vinheta (na verdade eu não sei tocar direito, ficou meio tosco) eu ganhei da minha irmã. É um momento relax, de fim de disco, depois das catorze músicas “no gás”";

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