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Entrevista com Quatro Cantos: rock de garagem profissional

Fazer música pela música é coisa do passado. Os roqueiros de hoje tocam seus acordes de olho no sucesso. Cuidar da harmonia musical é tão importante quanto atentar para a imagem. “A gente não pode fazer um CD com uma capinha negligenciada”, diz Jorge, baterista.

O grupo paulistano Quatro Cantos fez detalhado projeto de lançamento de seu primeiro álbum A Única Chance. Da pré-produção até o envio da master para prensagem na Zona Franca de Manaus, foram gastos muitos meses de trabalho e considerável investimento financeiro. “Começamos a gravar em fevereiro”, “demorou pra caramba”, comenta o guitarrista Thiago.

Em entrevista à Central da Música, três integrantes do quinteto falaram sobre início da banda, lançamento do disco e produção musical.

Central da Música – Por favor, apresentem-se aos leitores.

Bettina – Canto, toco violão e componho músicas.

Thiago – Toco guitarra, também canto e faço composições.

Jorge – Sou o baterista.

CM – Como surgiu o grupo Quatro Cantos?

Bettina – O [guitarrista] Rafael e o [baixista] Bruno eram de uma banda que fazia covers do Oasis, desde a primeira vez que os irmãos Gallagher vieram ao Brasil. Quando entrei no grupo, a gente começou a fazer composições próprias em inglês para um festival da Cultural Inglesa. Fomos sorteados, participamos do concurso e conhecemos o Thiago, que tinha gosto musical semelhante ao nosso: gostamos muito de Beatles.

CM – Ele estava tocando no festival também?

Thiago – Eu fazia parte do Los Ticos, que também participava do evento da Cultura [Inglesa] . Depois, fui para o Soundbox, que é o antigo nome dos Quatro Cantos.

CM – Quando o Jorge entra para os Quatro Cantos?

Bettina – O André, antigo baterista, foi fazer faculdade na Austrália. A gente tinha começado a ensaiar as faixas do CD. O Jorge era da outra banda do André.

Jorge – Eu tocava bateria no grupo em que o André cantava. Tocávamos um metal farofa, como Dream Theater.

CM – Era heavy metal com músicas próprias?

Jorge – Não, só cover. Judas [Priest], Angra. Tive de mudar completamente meu estilo.

CM – É mais difícil tocar pop ou metal?

Jorge – É bem diferente. Curto bastante tocar pop. É mais tranqüilo.

CM – Por que resolveram parar de cantar em inglês?

Bettina – Porque a gente é brasileiro.

CM – Mas cantavam em outra língua.

Thiago – A gente escrevia em inglês talvez porque era tímido para fazer na nossa língua.

Bettina – Essa idéia de fazermos letras na língua portuguesa foi amadurecendo. Antes a gente tinha medo de cair no ridículo.

Thiago – Em certo momento combinamos: a partir de hoje só vamos escrever música em português. Assim, o grupo passou a se chamar Quatro Cantos, que é uma antiga canção nossa.

CM – Acontece briga na hora de tocar as composições?

Jorge – Não, cada um traz uma coisa diferente que vem a somar.

Bettina – Não. A gente vê a diversidade nos gostos como algo positivo.

Jorge – Se todo mundo gostasse de jazz, sairia jazz. É legal a mistura que ocorre nos Quatro Cantos: um gosta de heavy metal, outro de jazz, outro de brit pop.

Thiago – Pelo Jorge gostar de metal, reparo que uma música mais leve às vezes fica com pegada forte.

CM – A produção do primeiro álbum, A Única Chance, está bastante profissional, como é o trabalho para deixar desse jeito? Por que fazer algo tão cuidadoso?

Bettina – Nossa, é um parto. Se for fazer, faça direito.

Thiago – É bem minucioso o trabalho. Tirando a pré-produção, começamos a gravar em fevereiro. No final de setembro ficou pronto. O porquê está no nome, é a nossa única chance (risos).

Jorge – O legal da banda é que cada um dá o melhor de si. Às vezes a galera enche o saco, mas todo mundo quer a perfeição.

Thiago – É, nisso a gente briga bastante.

CM – Única chance do quê: fazer sucesso, tocar na TV?

Thiago – Precisamos aproveitar essa disponibilidade de tempo que temos. Ninguém sabe se vamos gravar outro no futuro. Queremos aparecer, chegar em algum lugar.

Bettina – Trabalho, faculdade, as coisas podem mudar bastante daqui para frente. Temos apenas essa chance, talvez a única chance.

Jorge – É a oportunidade de sermos reconhecidos pelo nosso trabalho.

CM – Grupos brasileiros dos anos 80 dizem que no início da carreira deles não pensavam em sucesso, gravar discos.

Jorge – O espaço para bandas está bem menor hoje. A gente não pode fazer um CD com uma capinha negligenciada. A gente tem de tentar se destacar dos outros por aí afora.

CM – Vocês querem um contrato com uma grande gravadora?

Thiago – Nesse primeiro trabalho, temos interesse de mandar o disco para gravadoras, rádios: pessoas que podem expandir o som dos Quatro Cantos.

CM – Muitas canções ficaram de fora do álbum?

Bettina – Havia mais músicas. Tivemos que cortas algumas.

Thiago – Na verdade, as outras eram péssimas (risos). Até Quando, Três Linhas, Hoje são canções que a gente gosta e o público nos shows parece gostar também.

CM – Em Hoje, existe um tema na guitarra que lembra algo como Lulu Santos. Parece haver uma maneira tropical de fazer rock.

Jorge – Acho que existe uma maneira Quatro Cantos de fazer rock.

Bettina – Parece mais com George Harrison.

Thiago – O Lulu Santos copiou do George Harrison (risos). O slide de Hoje lembra um pouco com Lulu Santos mesmo.

CM – Sobre a associação rock e drogas, como o grupo lida com isso?

Jorge – Faltou o sexo (risos). Principalmente no exterior, isso faz parte daquela idéia de que o artista é um incompreendido, sua arte é algo divino.

Bettina – Na nossa banda, poucos tomam cerveja. Bebemos socialmente. Fizemos um show em que havia uísque no camarim, faz tempo. O outro grupo que iria se apresentar bebeu bastante. A gente nem tocou na garrafa.

Jorge – Algumas pessoas não têm coragem de subir no palco de cara limpa. Precisam beber, cheirar, fumar droga.

Thiago – O problema está na década de 70. Antes não havia esse exagero. Usavam as drogas para fins artísticos. Depois dos anos 70 consumo piorou.

CM – Num eventual próximo disco, vocês têm idéia de como será?

Thiago – A gente pretende usar tecnologia no próximo álbum. Pensamos em usar bateria eletrônica, samplers. Mas ainda não sabemos mexer nisso. O modo como compomos é baseado em instrumentos convencionais.

CM – No encarte, algumas letras têm palavras diferentes das cantadas no CD, houve alguma mudança na hora de gravar as vozes?

Thiago – Colocamos coisas erradas no encarte. É para saber se as pessoas lêem mesmo o que está escrito (risos).

CM – As mulheres têm dominado o microfone. Em grupos como Pato Fu, em que  integrantes de ambos os sexos cantam, o vocal feminino superou o masculino em faixas por CD. Neste disco, o Thiago canta mais. Se o contrato com uma major (gravadora multinacional) concretizar-se, vocês pensam na possibilidade da Bettina ser a vocalista principal?

Jorge – Pode ser, por que não?

Bettina – Com a gente não há coisa programada. As coisas vão acontecendo de uma maneira bastante natural. Se o Rafael faz uma canção, vai ser no tom dele. O Thiago canta mais porque fez as canções no tom de sua voz. Meu tom é uma oitava abaixo da do Thiago, o que facilita bastante.

Thiago – Provavelmente, ela vai começar a cantar mais como vocalista principal mesmo. É um diferencial a voz feminina.

Bettina – Depende do interesse dos Quatro Cantos. Não se pode deixar predominar a vontade da gravadora.

CM – A banda pretende gravar videoclipe?

Bettina – Queremos sim.

Thiago – No momento, falta dinheiro.

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