Entrevista com Mukeka di Rato: hardcore tosco do Espírito S
Com cinco anos de carreira, dois CDs lançados e apresentações em várias capitais brasileiras, o Mukeka di Rato é uma das bandas mais importantes da cena musical capixaba. Formada por Brek (bateria), Mozine (baixo), Paulista (guitarra) e Sandro (vocal), tem como característica o som acelerado, impregnado de guitarra e baixo distorcidos, com letras politizadas e bem humoradas, podendo ser definido como hardcore tosco.
O primeiro CD, “Pasqualin na Terra do Xupa Kabra”, lançado em 97 pela RVC Music, vendeu 2000 cópias em duas tiragens. O segundo, intitulado “Gaiola”, saiu pela Läjä Records no ano passado, tendo alcançado a marca de 1000 cópias vendidas até agora. Ambos foram bem recebidos pela crítica especializada, sendo elogiados até por João Gordo (vocalista do Ratos de Porão).
Em entrevista para o MúsicaNews, o vocalista Sandro Juliati fala das influências musicais, planos para o futuro, MP3 e filosofia, sempre com sua habitual verve crítica.
Música News: Quando vocês formaram o Mukeka di Rato?
Sandro: Foi no início de 95, mais ou menos em fevereiro ou março. Nós sempre pensamos em fazer um som, passar uma idéia. Então vimos o hardcore como um veículo para podermos nos expressar.
Música News: Nesse período, vocês tinham o objetivo de atingir tanta gente, como ocorre hoje?
Sandro: Não, não tínhamos. Mas não era uma coisa descompromissada. Nós ensaiávamos todo fim-de-semana, mas pensávamos em tocar sempre para a mesma galera de 200 ou 300 pessoas. De repente nós estávamos tocando em um festival como o Dia D, com 12 mil pessoas.
Música News: Quais as influências musicais da banda?
Sandro: Nós ouvimos todo tipo de som. O que mais nos influencia é o punk e o hardcore dos anos 80, sacou? Fica difícil especificar alguma banda. Destacaria o Dead Kenneds e o Cólera.
Música News: Vocês, com cinco anos de carreira, têm planos de viver de música?
Sandro: Não. Isso é uma coisa muito limitada. Para viver de música você tem que participar da indústria cultural. Pô, a indústria cultural hoje é podre, é uma m…
Ela somente perpetua o status quo. Então, viver de música hoje para nós é impossível. Se nós conseguíssemos, não poderíamos levar adiante o objetivo do Mukeka. Como iríamos chegar em um programa de TV e rasgar uma Bíblia, ficar pelado, sei lá…
Um dos objetivos que nós temos é nunca parar de tocar, estar sempre gravando, fazendo show, sempre com a proposta de ser independente. Outro objetivo é sair em turnê na América Latina ou na Europa, no ano que vem.
Música News: Qual a sua opinião sobre a cena musical capixaba? Você acha que haverá um grande movimento, como ocorreu em Pernambuco?
Sandro: Para analisar uma coisa, é legal observar de fora. Um amigo meu, que se mudou para Rondônia, disse que em Vitória tem muita coisa boa. Eu acho que aqui tem um potencial f…, tem bandas que certamente estourariam. Agora, depende do objetivo de cada banda. Mas é f…, o Pé do Lixo ganhou uma parada na MTV e o Manimal fez uma turnê na Europa, e não estouraram.
Música News: Haveria um monopólio cultural no eixo Rio-São Paulo?
Sandro: Sim. Cria umas alternativas lá em Recife, mas acaba sendo uma coisa meio isolada.
Música News: Por falar em monopólio, o que você acha do MP3? Seria uma forma de liberdade de informação ou seria apenas pirataria?
Sandro: Não é liberdade de informação, porque para ter MP3 tem que ter um computador. Nem todo mundo tem computador. Agora, se todo mundo tivesse acesso a um computador, seria uma coisa muito f…, que talvez iria quebrar tudo mesmo. Tem essa coisa de disseminar, que é importante. Eu fui a uma palestra em São Paulo, onde o cara falou: “eu acho que a gente deve disseminar a informação”. Ainda mais nós, que tentamos embutir um crítica, uma reflexão. Talvez o MP3 seja interessante, desde que todos possam ter um computador. .
Música News: Qual o significado daquela performance no Dia D, na qual você ficou nu? Que mensagem você quis passar?
Sandro: Só noticiaram o fato de eu ter ficado pelado. Disseram que não houve tanta significância. Compararam com os atos da época da ditadura, em que a rebeldia era mais intensa. Mas durante a ditadura as coisas (opressão) eram mais explícitas. Hoje é o contrário, as coisas são implícitas. Houve toda uma performance: tem umas meninas que ficam paradas no palco, depois vão se descobrindo, descobrindo como é o mundo. Então elas enlouquecem, quando vêem como o mundo é. No final culminou com aquela loucura, com o fato de eu ter tirado a roupa, que foi mais uma metáfora a favor da liberdade, para as pessoas pensarem a respeito da vida. Será que a nossa vida nos pertence? Será que nós decidimos sobre as nossas vidas ou elas são decididas por outros?
Música News: Recentemente, em um show que vocês fizeram na Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), também houve um ato de protesto. Você não teme que outras ações desse tipo não causem mais impacto, devido à repetição?
Sandro: Isso pode acontecer, tanto que essa não é a nossa proposta. Nesse show eu rasguei um cd do Mukeka, falei que ele era apenas um produto, uma mercadoria. Platão disse que o homem é um animal político. Não no sentido daquela política podre que é pregada para a gente no senso comum. Mas política é vida, são relações que nós vivemos o tempo todo. Se nós ignorarmos essa política, seremos animais, não humanos. O que eu quis mostrar nesse show foi que as pessoas estão ignorando as relações econômicas e políticas que nos envolvem. Mas não é objetivo do Mukeka sempre fazer um ato como aquele. Inclusive, como você falou, pode até banalizar, eu sei que isso pode acontecer.
Música News: Naquele show você citou Nietzsche (filósofo alemão) e agora citou Platão. Você aplica essas bases teóricas nas letras da banda?
Sandro: Com certeza tem uma influência, mas eu não posso transformar o Mukeka em um veículo através do qual eu passe para a galera as questões filosóficas com as quais eu tenho contato. Nietzsche para mim é apenas uma referência. Mas eu não posso negar que isso me influencia pra caramba. Nossa conversa é uma troca de experiências. Paulo Freire, só para citar, diz que ninguém ensina ninguém, nós aprendemos em comunhão um com o outro. Se eu tornasse o Mukeka um lugar onde só haveria espaço para essas pregações filosóficas, talvez a banda perderia o sentido. O que eu tento fazer é pegar a filosofia, transpor a sua carga teórica e tentar aplicá-la no cotidiano. Pegar o que Nietzsche fala sobre ídolos, por exemplo, e buscar isso para a nossa vivência
Saiba mais sobre o Mukeka di Rato
http://mukeka.tripod.com – Site oficial do Mukeka di Rato, traz versões em mp3 das músicas “Só Capeta Cuspindo Fogo”, “Nossos Filhos” e “Homem Borracha”, além de fotos, letras das músicas e uma seção de “Merxandaizin”, onde pode-se adquirir os CDs da banda.
http://www.mukekadirato.cjb.net – Site não-oficial, mas que traz algumas informações que o oficial não tem, como a história do grupo. Tem ainda versões em mp3 de três canções (“Mék Kâncer Feliz”, “Deturpação Divina” e “Rambo Quer Matar Che Guevara”) e uma entrevista com o baixista Mozine, além das informações para entrar em contato com o grupo.