Entrevista com Moska
Moska (ex-Paulinho) está lançando “Eu Falso da Minha Vida O Que Eu Quiser”, um álbum que segue a filosofia do anterior, “Móbile”, mas tem personalidade própria. Com os parceiros do Quarteto Móbile, desenvolveu uma roupagem moderna para suas criações. Elas vestem bem, ficam à vontade, desfilam para nossos ouvidos. O experimental se torna cada vez mais “experimentável”, por seu sabor e essência particulares. Talvez estejamos todos diante de mais uma possibilidade para o conceito “pop”. Moska poderia ter optado por um caminho mais fácil para sua carreira, mas ele resolveu fazer da forma artisticamente mais interessante e instigante. Por acreditar no que faz, faz bem feito. Sorte nossa! Confira a seguir um bate-papo com ele:
MúsicaNews: Você vê o “Através do Espelho” como um “divisor de águas” e ao mesmo tempo o fim de um primeiro ciclo na sua carreira solo?
Moska: Acho que o “Através” é o fim de um ciclo sim, mas o “Móbile” é o grande divisor. Foi através da gravação do show ao vivo do “Através” que eu me “vi” sonoricamente, e não estava acrescentando nada à música pop trabalhando com bateria-baixo-teclado-guitarra. Precisava sair em busca de uma sonoridade nova. O “Mobile” é o disco que inaugura essa busca.
MúsicaNews: O encontro com Suzano e Sacha já havia acontecido no “Contrasenso”. Em que momento surgiu a idéia de mudar o formato das canções que deram origem ao “Móbile”?
Suzano grava comigo desde o tempo do Inimigos do Rei. Pode olhar lá na ficha técnica. Sempre gostei do jeito dele tocar, mesmo antes dele reinventar o pandeiro, afrouxando o couro para obter mais graves. O Sacha eu gostava porque ele tinha trabalhado com o Lulu, grande referência pop para todos nós; e também com a Adriana Calcanhoto, onde eu o ouvi resintetizando umas cordas que se transformavam em ruídos ou vice-versa. Mas foi meu mestre de Filosofia que me atentou para fazer uma experiência sonora com Sacha, uma experiência de música eletrônica. Pop, porque eu sou pop. A idéia de juntá-los (Sacha e Suzano) vem da minha admiração à relação que eles têm com seus instrumentos: uma relação de ir além dos limites, que acabei também tendo com o meu instrumento, o violão. As canções já estavam prontas, mas eu queria vesti-las com uma roupa diferente da que eu tinha escutado no “Através”.
MúsicaNews: O “Quarteto Móbile” pode ser considerado sua nova banda?
Eu falso da minha vida o que eu quiser, o quarteto não é uma banda, é um quarteto. Tenho a minha função no quarteto, que é de tocar violão e cantar, mas no palco estamos todos “fazendo um som”, eles não são meus músicos acompanhantes, não são minha banda. Somos um quarteto. Um falso quarteto, mas somos.
MúsicaNews: Todas as canções nascem do violão? Como funciona o processo de criação, até chegar à forma final?
Sim, o violão é meu parceiro. A conversa é com ele. Não escrevo sem o violão no colo. Mas o processo começa bem longe, recolhendo material e se alimentando com diferenças. Acho que o momento da composição, da criação, é a arte em si.Se você sofisticar o processo, esse momento ganha em beleza também. Então eu acho que o processo é muito importante, ele vai interferir fundamentalmente na forma final. O processo é o conteúdo.
MúsicaNews: Há uma série de artistas descontentes com as grandes gravadoras, alguns até assinando com as menores (que não param de crescer) em busca de uma maior liberdade artística principalmente. Você parece desfrutar de ampla liberdade para desenvolver seu trabalho na EMI, e isso é muito legal. Mas é por aí mesmo? Como é sua relação com a gravadora e como você vê a chegada dos pequenos selos?
Quando saí do “Inimigos”, tive proposta de três gravadora “grandes”, porque eu comecei a fazer uns shows de rock nos bares do Rio e lotava todos, eu tinha muitos amigos… A EMI me seduziu com a proposta que, mesmo com as dificuldades do mercado, ela mantém até hoje: ser um artista de longevidade, um compositor que vai realizar uma obra, alguém que eles querem no catálogo. Ao contrário do que muitos pensam, não são as gravadoras que dificultam o mercado. O mercado é suficientemente enlouquecido e complexo (com emissoras de TV e Rádio, imprensa, mídia, lojas de revenda) para ter na gravadora mais uma peça dessa engenhoca que leva tudo e todos para o mesmo lugar, para a repetição exaustiva. Subjetividade produzida em série. A chegada dos selos é uma grande revolução, mesmo que a longo prazo.
MúsicaNews: Os meios de comunicação abertos, ou de massa (com raras exceções), parecem encontrar no lixo cultural e na imbecilização da sociedade a solução para seus problemas. Como fica para você, como artista, lutar por espaço dentro de um sistema cheio de regras e formas viciadas?
Acho importante, para o artista de hoje, entrar dentro do sistema para tentar modificá-lo a olhos vistos. Pensá-lo por dentro, pois já tem muita gente pensando por fora. E de fora, a impressão é sempre mais radical.
MúsicaNews: Você considera o “Móbile” um disco experimental?
A partir do “Móbile” a música passou a ser experimental para mim. Acho que nunca mais vou gravar um disco figurativo, formal, com um som padrão, a não ser que seja um novo padrão criado pela minha própria obra. Assim eu posso e vou me repetir. Repetir minha diferença.
MúsicaNews: No novo disco houve alguma preocupação em torná-lo mais acessível que o “Móbile” ou foi uma conseqüência natural do seu processo criativo?
Sinceramente? Acho o novo disco menos acessível que o Mobile. Sem dúvida é mais maduro em relação à sonoridade do quarteto, consequência da tourné do Mobile. Mas as canções são densas, obscuras…e mais belas, no sentido letra-melodia.
MúsicaNews: O clima do “Eu Falso…” está meio “down” mas ao mesmo tempo parece exorcizar a agonia da dor. Nos seus trabalhos anteriores, há sempre temas “pra cima”, cheios de possibilidades. Sua forma de ver o mundo mudou? Como foi o período de gestação desse trabalho? Compor todas as faixas sozinho (exceto a versão) foi um opção?
Minha forma de ver o mundo não mudou, sempre achei que a vida era uma mutação, um movimento. Então as mudanças sempre foram e serão benvindas, mas algumas são pesadas, machucam em lugares onde mãos não chegam. Um tempo de dor, existencial, artística, humana, cotidiana, dor de viver mesmo. Acontecimentos, descobertas pessoais e universais. Não há fundo no poço do nosso mundo. Foi meu trabalho de composição mais solitário. Achei que antes de dividir minha dor com os outros eu deveria dividi-la comigo mesmo. Mas não foi nada muito racional.
MúsicaNews: Jeff Bucley (1966-1997) te animou a pegar na guitarra? Como ele chegou a você?
Minha irmã chegou de uma viagem a NY em 94 com o disco do Jeff Buckley. Ela me disse que tinha um poster enorme na Tower Records, era o lançamento. Ela gostou do som e me trouxe de presente. Mas em 94 eu estava de cabeça nos tropicalistas, pré-produzindo o meu ” Pensar é Fazer Música”, um disco cheio de MPB e auto-questões. Não queria nada com rock. Gostei da voz dele, mas não me “hospedei” no disco. Compondo as canções do “Falso”, dei uma limpa nos CDs daqui de casa e esbarrei nele de novo. Eu estava ouvindo o disco do Cris Cornel, ex-vocalista do Soundgarden, e estava apaixonado pelas guitarras desse disco. Quando ouvi o Jeff de novo, tive uma revelação. Jeff Buckley, filho de Tim Buckley, (músico e compositor da década de 70 que também morreu por volta dos 30) era um fenômeno. Era um daqueles seres que pareciam ser um só: O homem e seu instrumento( no caso dele, a voz). Jeff tocava guitarra muito bem, e ele certamente me influenciou a começar a experimentar a guitarra e seus pedais.
MúsicaNews: Você vai a shows? Quem tem chamado sua atenção? O que você tem escutado ultimamente?
Tenho escutado Los Hermanos, Nação Zumbi, Adriana Maciel, Vitor Ramil, Dante Ozetti, Karnak, Arnaldo Antunes. Me chama atenção aqueles que estão procurando novas sonoridades. Compareço aos shows na medida do possível, tem sempre coisas legais pintando.
MúsicaNews: Qual é a sua formação literária?
Nenhuma, não termino 80 por cento dos livros que começo. Misturo quadrinhos com Deleuze, Nelson Rodrigues com TS Eliott, Fernando Pessoa com bate-papo com amigos. E penso…logo insisto.
MúsicaNews: Se você um dia fizesse um disco de intérprete, homenageando um ou dois compositores apenas, quem você escolheria?
Difícil essa…acho que eu fico com o Cartola e com o Chico Buarque.
MúsicaNews: O novo show também já está pronto? Os arranjos no palco serão fiéis aos do disco? O que muda?
O show será muito próximo do disco, que já foi gravado meio “ao vivo” no studio. Ele já está desenhado, mas pronto mesmo, só depois de umas 15/20 apresentações. Não tem jeito: tem coisas que só aparecem na estrada.
MúsicaNews: Para finalizar, você acha que o amor é possível?
O amor só é possível para quem o inventa. Ele não existe por si só.
Mais Moskam
www.paulinhomoska.com.br: O site do cantor está de cara nova, trazendo informações sobre o novo disco e seções com letras, cifras, discografia, autobiografia, imagens e notícias do artista.