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Entrevista com Fernanda Porto: tempo de bossa e drum n bass

“Tudo de bom”. O nome da quinta faixa do CD de estréia da cantora paulistana Fernanda Porto é a descrição mais clara e completa do que vem, ao longo de muito tempo, sendo desenvolvido por ela. Conhecida nacionalmente por meio da versão que gravou para “Só que tinha de ser com você” (de Tom Jobim) a convite da Rede Globo, e internacionalmente (principalmente nas pistas de dança da Inglaterra) depois que o DJ Patife remixou (e colocou em seu disco) a música Sambassim, “a voz brasileira do drum´n´bass” está com seu primeiro disco solo chegando às lojas nesta semana.


Adjetivos à parte, é fato que a contratação da artista reflete mais uma aposta positiva da Trama, gravadora de apenas 4 anos que vem lapidando promissores talentos da música nacional. Ao longo da entrevista a multi-instrumentista e intérprete falou descontraídamente sobre filosofia de vida, momento atual, e é claro música, muita música. Ah, sim: no final, ele comenta todas as faixas do disco.


Central da Música: Ainda muito jovem você descobriu que sua verdadeira vocação era mesmo o difícil caminho da música. Como se deu essa constatação?
Fernanda Porto: Acho que foi ao longo do tempo mesmo, da vida… sempre houve pessoas que me estimularam, vizinhos que tocavam. Em casa mesmo minha mãe tocava piano, não profissionalmente, mas acho que só o fato de ter o instrumento em casa já ajudou bastante. Estudar mesmo foi só quando eu resolvi entrar para escola de música, aí fiz 8 anos de piano em 2…


Central da Música: E diante das inúmeras dificuldades, pensou alguma vez em desistir?
Fernanda Porto: Não, nunca. Eu não tenho jeito não. Seria música e só isso. Até gosto de psicologia, mas isso não me realizaria.


Central da Música: Ao contrário de outras intérpretes de música pop você abdica do estilo “cantar falando” e das letras fáceis, priorizando a afinação e a cadência rítmica. Por que essa predileção pelo difícil e bom ao invés do simples e vendável?
Fernanda Porto: Eu costumo pegar as letras e ir musicando, vai acontecendo sem preocupação… é bastante espontâneo e simples. Se bem que acho que “Só tinha de ser com você” é a prova de que música boa também pode ser popular. É uma música antiga, do Jobim, mas que funciona, que as pessoas aceitam bem. Acho que hoje em dia as minhas músicas tem isso, estão mais acessíveis. Foi por isso que não lancei o cd anteriormente, acho que tudo tem sua hora e que o disco deve chegar quando é importante para as pessoas. Ás vezes perguntam porque não gravei em 93/94, quando fazia muitos shows e respondo sempre que era por isso, porque não era a hora.


Central da Música: Você acha que a mistura de eletrônica com bossa nova pode possibilitar ao público jovem contato maior com músicas de conteúdo um pouco melhor?
Fernanda Porto: Sim, porque a linguagem é usada para aproximar pessoas que de repente nem ouviriam esse tipo de música. Eu penso que a música pode ser boa, mas a pessoa tem que ter uma referência, tem que ser também funcional, não adianta ser bom e totalmente estranho, o público não se identifica.


Central da Música: Como você avalia o momento musical brasileiro?
Fernanda Porto: É um momento em que muitas coisas estão surgindo. O computador trouxe uma democratização, eu viajo muito e recebo demos de compositores que compraram um computador e deram conta… é tempo de muita coisa nova, diferente e boa e há ainda o fato de que com a crise do mercado fonográfico, as gravadoras estão tendo que buscar novidades…


Central da Música: Você considera Eclesiastes III, texto na qual foi baseada a canção “Tempo pra tudo”, bem atual. O texto diz que há tempo pra tudo no mundo… qual é a visão de mundo de Fernanda Porto?
Fernanda Porto: Gosto da filosofia da letra porque chama a atenção para os dois lados das situações. Às vezes as pessoas até estranham a naturalidade com que eu encaro o lado negativo da vida… até perda, morte, esse tipo de coisa. Não é que eu goste, claro que não, mas acredito que faz parte da vida tanto quanto o positivo, o bom. A tristeza é tão real quanto a felicidade. Ambos são momentos e temos a obrigação de compreender para podermos ser felizes em todas as situações.


Central da Música: E esse é o seu tempo ou apenas o resultado de anos de trabalho?
Esse é o meu tempo.


Central da Música: Quais os acréscimos que sua estadia em Londres trouxe à sua música?
Fernanda Porto: O principal foi conferir que a música brasileira é tão querida lá fora. Os estrangeiro gostam muito até da sonoridade da nossa língua. Foi importante também ter conhecido a marca na qual o drum´n bass se transformou, hoje já é um estilo, muito bem aceito. Até nisso estamos bem representados. A música brasileira é muito rica, a gente tem ir lá pra fora com voz própria mostrar nossa cara, nossa música de raiz.


Central da Música: Você assinou as trilhas sonoras de quais filmes?
Fernanda Porto: “1999″, do Toni Ventura, do qual a música eu rearranjei, “Vítimas da Vitória”, da Berenice Mendes, “Desterro”, do Eduardo Parede, pelo qual eu recebi o prêmio do Festival de São Luis, “Ruídos Passos”, da Denise Goncalves Hist, e “Luis Carlos Prestes”, do Toni Venture.


Central da Música: Que conselho você daria às cantoras que estão começando e pretendem permanecer longe de filões mercadólogicos?
Fernanda Porto: Diria que tivessem um estilo próprio de cantar… e que tentassem também mostrar novos compositores. Os novos intérpretes tem que tirar a nova cara da música brasileira da gaveta. É difícil, dá mais trabalho, mas precisa ser feito.


Central da Música: Quais são os maiores objetivos de vida de Fernanda Porto?
Fernanda Porto: Continuar tocando pelo Brasil, criar parcerias com novos compositores e fazer música, muito e sempre. No campo pessoal estar em paz, o que acho que tenho conseguido, manter essa alegria, manter a paz com as pessoas próximas e distantes.


Central da Música: Em termos musicais o que gostaria de fazer que ainda não fez?
Fernanda Porto: Estou num momento tão bom, tão pleno que fica até difícil vislumbrar perspectiva de melhora… acho que como eu já te falei é tocar meus projetos, abrir mais parcerias, abrir o meu trabalho para o que vem sendo feito por outras pessoas, enfim, continuar…


Central da Música: No CD, você agradece aos seus fãs, que sempre sorriem enquanto dançam. O que gostaria de dizer a eles?
Fernanda Porto: Que mais do que vê-lo sorrindo ou dançando eu gosto de vê-lo cantando junto. Agora com o CD nas lojas, as pessoas poderão cantar comigo nos shows e tal. Eu queria que o meu público soubesse que eu sinto uma grande prazer em vê-lo cantando e interagindo.


Fernanda comenta todas as faixas do disco…


1. De Costas Pro Mundo – “Essa música era uma bossa-nova, que fiz há muito tempo. Estava dançando com meu namorado numa festa e fiquei apaixonada por outro cara, ali mesmo. Aí voltei para a casa e compus inspirada no outro. Escolhi bossa, que é baixinho, para o meu namorado não ouvir”.


2. Eletricidade – “Eu procurava poemas para musicar e achei esse da Ledusha. Eu só a conheci dois anos depois e aí mostrei a música para ela. Hoje temos planos de fazer muitas”.


3. Baque Virado – “Adoro maracatu. Chamei a Alba (Carvalho), do Recife, para fazer a letra e depois fui gravar com o pessoal do maracatu, o Leão de Judá. Não tinha um centavo, foi tudo muito batalhado”.


4. Amor Errado – “Uma letra graciosa do Eduardo Ruiz, poeta e autor de teatro, de quem musiquei várias coisas”.


5. Tudo de Bom – “É uma resposta ao Só Tinha de Ser Com Você e reflete bem o meu momento. Começou com frases, pedacinhos de cada música minha, e aí ficou assim, com referências a Londres, Rio de Janeiro, os lugares presentes para mim. A Lina (de Albuquerque) se animou e foi montando a letra, depois eu adaptei um pouco”.


6. Vilarejo Íntimo – “Nesta musica, eu me sinto musicando a poesia, correndo com a voz atrás da letra como se trilhasse as palavras. Gosto disso”.


7. Sambassim – “Utilizei varios samples de samba e drum and bass e fui sobrepondo aleatoriamente ao groove do violão. Será que viraria um samba assim? Essa é a versão original que o DJ Patife ouviu e me perguntou se poderia fazer um remix”.


8. Outro Lugar do Mundo – “Eu morava no 14 andar de um prédio super próximo da Av. Paulista. Inevitável não me impressionar com a cidade.”


9. Tanta Besteira – “A irmãzinha do Sambassim, com groove no violão”.


10. O Amor Não Cala – “Foi a primeira vez que fiz a letra depois da musica. Adorei. Parecia um joguinho de palavras cruzadas e seus quadradinhos para preencher”.


11. Só Tinha de Ser com Você – “A Globo encomendou uma versão moderna dessa música para a novela Um Anjo Caiu do Céu, porque alguém de lá tinha ouvido o Sambassim em Londres. É mais intimista, com violão, voz e batida”.


12. Jeito Novo – “Fiquei contente com esta musica porque apesar dela ter um encadeamento de acordes estranho – sua harmonia vai descendo de meio em meio tom – a melodia soa natural. Pedi para o Martinucci escrever a versão em inglês porque queria que pelo menos uma faixa pudesse ser compreendida lá fora”.


13. Tempo Pra Tudo – “Gosto muito desse texto do Eclesiastes. Fiquei com essa idéia de musicá-lo, é tão atual. Pensei em fazer trilíngue, em português, inglês e latim, mas acabou assim”.


14. 1999 – “É a trilha que eu fiz para um filme do Toni Venturi, 1999, filmado em 93. Eu já tinha composto ópera rock e quis fazer essa música em latim, língua perfeita para o canto lírico. Em português quer dizer “As portas estão trancadas/ os pássaros não podem voar”. No dia da gravação cantei em cena, diante de 600 figurantes, e o povo achou que eu estava dublando”.

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