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Entrevista com Caju e Castanha


Caju (à direita) e Castanha

Com 28 anos de carreira, iniciada com cantorias em cirquinhos e feiras de Pernambuco, a dupla de emboladores Caju e Castanha quase chegou ao fim no ano passado, quando Caju foi vitimado por um câncer. Entretanto, ao contrário dos cantores sertanejos, que saem em carreira solo, Castanha ganhou um novo companheiro, o sobrinho Ricardo Alves da Silva, que também assumiu o nome de Caju (ou Cajuzinho). Ricardo foi escolhido pelo Caju original, quando este pressentia que sua passagem para outra dimensão estava próxima.

Superado o baque, chega agora às lojas “Andando de Coletivo”, 15º quinto disco da dupla e o 1º com o novo Caju. Saindo pela Trama, o álbum tem as letras típicas da embolada e a sonoridade dançante do forró, xote e baião. Apesar de algumas letras bobas, faixas como “Vamos Cantar Embolada”, “Andando de Coletivo”, “DNA – A verdade vai mostrar” e “Herança da minha vó” são verdadeiras pérolas e representam a genuína música popular brasileira. Não aquela cheia de “cabecismos”, que praticamente só a crítica entende, mas sim a que fala a língua do povão, contando estórias vividas pelos brasileiros comuns.

E o trabalho não se resume às quatro pérolas citadas. No álbum que marca a primeira incursão de Caju e Castanha pelo rock, a dupla que “urbanizou a embolada” não deixa de falar de paixões e relacionamentos, explora aliterações em “Embolada do C…”, brinca com a dificuldade das pessoas em falarem rapidamente palavras parecidas em “Coco Do Trava Língua” (“Duvido você dizer / Rara, Lara, Loura, Lisa”) e repete a tradição de trazer uma turfa sobre times de futebol (“Turfa de Corinthians X São Paulo” – já houve o “Desafio FlaxFlu” em outro álbum) e uma Porfia Caju X Castanha: “Castanha, segura o coco / Que eu te pego no pandeiro / És um cantador fuleiro / Hoje vou te arrombar”. “Sai prá lá, seu maloqueiro / Você parece um macaco / Esse cheiro de sovado / É duro de suportar”.

Em conversa por telefone com o MúsicaNews, Castanha e Cajú explicaram o que é embolada, falaram sobre “Andando de Coletivo”, sobre a entrada de Cajuzinho e sobre a falta de renovação da música de raiz nordestina. Com o bom-humor que caracteriza a maioria dos nordestinos, Castanha começou o bate-papo perguntando se fazia calor em nossa redação e disparando piadinhas: “você sabe que lá no nordeste urubu voa com uma asa só, né? A outra é prá ele se abanar, de tanto calor”.

MúsicaNews: Prá começar, explique prá moçada leiga aqui do Sudeste o que é a embolada…
Castanha: Embolada é um ritmo tradicional e folclórico do nordeste, mas que na realidade veio de Portugal, os primeiros emboladores são de lá, o ritmo se fixou no nordeste no início da colonização. Daí em diante tivemos aqui Minona Carneiro, Manezinho Araújo e o Jackson do Pandeiro, que foi um grande embolador. Eu acho que a embolada é o verdadeiro rap, porque ele (o rap) é feito da embolada, tanto é que esse ano passado gravamos com o Rappin’ Hood e mais um pessoal que procurou a gente, ela se encaixa em diversos gêneros.

Sobre esse novo CD… o que ele representa na carreira do Caju e Castanha? Tem alguma diferença em relação aos outros?
Castanha: Traz diferença sim, com certeza. É um disco onde a gente usou bastante eletrônica, viemos trazendo a embolada rock, é a primeira nossa, o disco tá muito engraçado, bem eclético, bem prá cima. Como eu dizia, a primeira música, “Vamos cantar embolada” é uma embolada rock, nós estivemos no Rock in Rio 3, participamos do show do Surto, e eles perguntaram: “porque vocês não fazem uma embolada rock?”. E nós fizemos, a música tem uma batidas de guitarra pesada, gaita de blues.

O que o novo Caju fazia antes de se integrar à dupla?
Castanha: O Cajuzinho trabalhava normal, mas já herdava o dom de embolar, já cantava nas praças, nos ônibus. A partir do momento que meu irmão adoeceu, no Abril Pro Rock de 99, que foi quando ele sentiu uma dor e descobriu o tumor, é que se deu a escolha do Cajuzinho. Depois teve uma apresentação em São Paulo no Tom Brasil, com Lenine, Tom Zé e outros, com o Caju ainda, e ele disse: “leva o Ricardo” (que é o meu sobrinho), ainda não tinha esse nome de Cajuzinho, mas todo mundo já ficou falando “ele é o Caju que está substituindo o Cajuzão”.

Só tem uma letra nesse disco do Cajuzinho… por que?
Castanha: As músicas já estavam prontas, a gente já tinha muitas músicas gravadas, só agora ele veio entrar com essa (“Truva de Corinthians X São Paulo”), no próximo ele vai entrar com outras músicas, com certeza. O caboclo é novo no mercado, mas é preparado (risos).
Cajuzinho: Eu tenho músicas da época que cantava nas praças e agora estou compondo outras também, naquele tempo era só embolada, mas comecei a cantar e vi merengue, forró, romântica…

O CD está chegando às lojas por R$ 9,90, um preço bem acessível. Foi exigência de vocês?
Castanha: A gente sempre vinha pedindo isso, mas foi a gravadora que escolheu. É uma preocupação com a pirataria, hoje nós somos o terceiro ou quarto artista mais pirateado no Brasil, porque o nosso trabalho tem muito a cara do povão né, que é quem mais compra o disco pirata.

Dando uma olhada nas canções, a gente percebe umas bem ao estilo dos repentistas, tipo “Truva de Corinthians x São Paulo” e “Porfia de Caju X Castanha”. Alguma dessas canções do disco foram compostas na base do improviso?
Castanha: A dupla Caju e Castanha tem oito discos só de embolada, gravadas com pandeiro somente. A gente pegava nossas inspirações do Jackson do Pandeiro, que é um grande embolador prá mim. Nesse disco tem a faixa catorze, “Porfia de Caju X Castanha”, que foi gravada nesse esquema, só na base do pandeiro. Mas estamos indo por outros caminhos também, nós fomos os primeiros a urbanizar a embolada.

O disco tem essa música, “DNA – A verdade vai mostrar”, que é tema do quadro mais famoso do programa do Ratinho. Vocês fizeram ela inspirados no programa?
Castanha: (rindo) Foi inspirada no programa sim, naquelas cenas que a gente vê nele, mas é inspirada também nos dias atuais, hoje tudo é envolvido no DNA. Essa música tem a participação do Falcão e é uma parceria minha com o Everaldo Ferraz, compositor de vários sucessos no nordeste, é um baiano inteligente, baiano burro nasce morto. E o ratinho é fã do Caju e Castanha, gosta demais da dupla e até temos uma amizade. Um dia ele chegou, disse que gostou da música e perguntou se podia colocar no programa. Dissemos que sim na hora, claro. Eu agradeço muito a força que ele está dando prá gente.

Quantos discos vocês já venderam na carreira? Onde ela está mais concentrada?
Castanha: Vendemos 300 mil cópias do disco que saiu 93, é o recorde, e esse novo já está saindo com 100 mil cópias. Acho que, no total, já vamos prá 1 milhão e 200 mil cópias em toda a carreira. O nosso sucesso é mais concentrado aqui no sul e sudeste mesmo. Rapaz, aqui em São Paulo tem mais nordestino que no Nordeste.

O Nordeste é uma região onde a música popular é bastante rica e presente. Só que, hoje, os artistas nordestinos mais famosos no circuito nacional são os que unem a música de raiz à modernidade. Já a embolada e o repente, por exemplo, a gente só vê um pessoal mais velho fazendo. Você poderia afirmar que está faltando renovação?
Castanha: Está faltando renovação sim, com certeza. Acho que, quanto mais renovar, mais os gêneros populares aparecem. Na embolada, por exemplo, tem gente nova como Pinto e Rouxinol, Geraldo Mozinho e Caximbinho, eles tem uma aceitação legal no Nordeste, mas está faltando a mídia dar um destaque, eles são bons demais. Quanto à questão da modernização, é importante manter as raízes, mas se a gente não modernizar um pouco, infelizmente, as emissoras não tocam as músicas. Às vezes a gente tem que acompanhar o tempo.

“Andando de Coletivo”, faixa-a-faixa
1. Vamos Cantar Embolada
Meio rock, meio rap, a embolada é inspirada no trabalho dos amigos franceses Fabulosos Trovadores, dupla de Toulouse, que Caju e Castanha conheceram no Heineken Concerts. “A gente cantou essa música em Toulouse e foi um estouro, o povo delirou com o som pesado. A embolada é a mãe do rap”, diz Castanha.

2. Andando de Coletivo
No ônibus, em Recife, Castanha viu uma senhora gorducha entalar na catraca. “Ela ficou chorando, não saía do lugar, o povo queria rir e como a mulher não saía, o ônibus teve de ir direto até o final, para tirar ela na garagem”. Rindo, ele contou a história ao amigo Bráulio. Na hora, fizeram a letra.

3. DNA (com Falcão)
“O Everaldo e eu, em São Paulo, ficamos conversando sobre essa história. Rapaz, todo mundo só fala de DNA. A gente vê na revista, no programa do Ratinho…quando a letra ficou pronta, encontramos o Falcão no programa da Luciana Gimenez. A letra é a cara dele. Convidamos o Falcão para gravar, ele topou na hora.”

4. Pra Que Chorar
É um xote romântico. “Nessa música mostramos o lado sério de Caju e Castanha. É um xote brega, para o camarada sentar no boteco e dizer: quero beber”.

5. A Herança da Minha Vó
“Todo mundo tem uma avó. Ficamos imaginando aquela vó que morre e só deixa umas besteiras e um cachorro. Antes tínhamos gravado “Ladrão Besta, Ladrão Sabido” que vendeu 300 mil cópias.”

6. Tô Doidin
“Essa é uma regravação da música de Roberto e Meirinho. É um forró clássico. Gravamos no estúdio Maracaí, em São Paulo.”

7. Beijo no Escuro
Xote que brinca com a sonoridade dos anos 60/70. Um mix de solo de órgão com sanfona.

8. Coco do Trava-Língua
Um dueto alucinado com as palavras, no estilo de Mozinho e Cachimbinho, da Paraíba.

9. Menina Diet
“Não tem agora essas meninas de Malhação, que só querem malhar, não bebem, não fumam, só querem ficar magrinhas? É isso.”

10. Em Frente À Casa Dela
Xote para dançar agarradinho. “É bem no estilo de “Esperando na Janela”, do Gil”.

11. Corinthians X São Paulo
A estréia de Cajuzinho como compositor. Corintiano roxo, Castanha avacalha com o São Paulo, defendido por Cajuzinho. Todos os discos da dupla trazem um desafio futebolístico, como o “Desafio Fla-Flu”, em “Vindo Lá da Lagoa”.

12. A Luz da Lua
“Fiz essa música há 13 anos, quando morava em São Paulo. Eu estava no bairro de Santo Amaro, peguei a viola e comecei a cantar a saudade de casa.”

13. Embolada do C
“Fiz essa música em Recife. Eu mandei cavar um poço no meu pedaço, em Casa Amarela e foi todo mundo pegar água com as latas na cabeça, os amigos, meus filhos, o filho do Caju, e todo mundo participou.”

14. Desafio de Caju e Castanha
“Todo ano a gente faz um desafio nos discos. É um repente.”

15. Caju, um Guerreiro
“É uma homenagem ao meu irmão. Ele estava na UTI, em São Paulo, eram 4h da manhã e eu, em Recife, pensava: porque ele vai embora assim tão novo? Quando ele piorava aqui, eu sentia lá. Aí fiz a música.”


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