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Entrevista com advogada da APDIF (parte I)

Braço da indústria fonográfica brasileira de combate à pirataria, tanto no mercado de CDs quanto na internet, a APDIF do Brasil vem realizando desde o início do ano passado, no campo da música digital, um trabalho de identificação e remoção do ar de sites que disponibilizam para download fonogramas no formato MP3 (principalmente), sem autorização dos detentores dos direitos autorais. Um trabalho que, segundo a associação, visa a conscientização dos usuários e à viabilização do mercado de venda de música digital, que ainda não decolou.

O MúsicaNews foi conferir como age e o que pensam as pessoas por trás dessa associação, cujo trabalho causa polêmica e desperta dúvidas por parte de muitos internautas. Por isso, conversamos por email com a Drª Tais Miranda, advogada da APDIF. Nessa entrevista, a ser publicada em duas partes (a segunda parte estará no ar no próximo domingo), ela respondeu a quase todos os questionamentos que você certamente gostaria de fazer a essa associação de combate à pirataria. Confira-a abaixo (e ao final, não deixe de comentar a entrevista em nosso fórum!).

Música News: Inicialmente, explique-nos o que é a APDIF?
Drª Tais: A Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos do Brasil – APDIF do Brasil – sociedade civil sem fins lucrativos, congrega as empresas Universal Music Ltda, Polygran do Brasil Ltda, Warner Music do Brasil Ltda, Sigla – Sistema Globo de Gravações Áudio Visuais Ltda, EMI Music Ltda, BMG Brasil Ltda e Sony Music Enternainment Ind. Com. Ltda, e tem como objetivo o combate a contrafação de fonogramas, associada ou não a veiculação de imagem, preservando os direito autorais dos autores, compositores, intérpretes, artistas e produtores, ou seja, defender os interesses de seus associados que representam quase a totalidade dos produtores fonográficos do Brasil, sendo os mesmos legítimos detentores de direitos para reprodução de fonogramas .

Música News: Como a APDIF atua no combate à pirataria de CDs no Brasil? Existe um trabalho em parceria com a polícia para identificar e prender infratores?
Drª Tais: A APDIF DO BRASIL possui um Departamento de Investigações responsável pela identificação de pontos de venda e laboratórios clandestinos de CDs. Feita a constatação, imediatamente é feita um requerimento à autoridade policial local que realiza a busca e apreensão dos CDs falsificados.

Música News: E na Internet? Qual tipo de sanção pode a APDIF fazer a um site pirata ou que comercialize CDs de MP3s? E no caso do mesmo não atender às sanções, que providências vocês tomam?
Drª Tais: Tanto na Internet quanto na apreensão de CDs nas ruas é caracteriza-se o crime de violação de direitos autorais, previsto no artigo 184, do Código Penal, previsto com pena de 1 a 4 anos de reclusão, e multa.

Quanto às medidas tomadas pela APDIF no combate à pirataria musical na Internet. Em primeiro lugar, a APDIF investiga sites que disponibilizam ilegamente música digital pela Internet, seja para simples download, seja pela aquisição de CD pelo correio mediante um pedido feito através da rede (Internet). Feita a constatação da existência de violação de direito autoral, é encaminhada, via Internet, uma espécie de notificação ao responsável pelo site. Nessa notificação explicamos o crime que esta sendo praticado, suas consequências, bem como, um e-mail para contato, a fim de fornecermos maiores explicações, e um prazo de 72 horas para as músicas disponibilizadas por tal site serem retiradas da rede, sob pena de instauração de um Inquérito Policial.

Caso o site não seja retirado da rede, ou pelo menos as músicas, após o prazo acima mencionado, a APDIF, por intermédio de seu Departamento Jurídico, solicita junto à autoridade policial competente as medidas policiais cabíveis, a fim de que o site seja retirado do ar, e que seja imputada a responsabilidade criminal a todos os envolvidos, nos termos do que dispõe a lei.

Em caso de conhecimento do endereço físico (laboratório), comunicamos a autoridade policial, que solicita um mandado de busca e apreensão. Após o mandado de busca ser autorizado pelo Juiz de Direito, acompanhamos o Delegado de Polícia em referida apreensão. Até o momento não foi feita nenhuma prisão em flagrante e os processos que foram gerados em razão deste crime, ainda não foram julgados, portanto, não há ainda nenhuma sentença., seja condenatória ou absolutória.

Música News: Vocês dizem já terem fechado mais de 2300 sites que disponibilizam MP3s no ano 2000. Quantas pessoas trabalham na identificação destes sites? Como ela é feita? Quais são as principais dificuldades?
Drª Tais: Fechamos o ano de 2000 com cerca de 2.875 sites ilegais removidos da Web. Para realizar este trabalho de identificação, investigação e notificação dos sites contamos apenas com um analista de Internet. A identificação é feita através de sites de busca, newsgroups, FTP e alguns programas específicos, as maiores dificuldades que encontramos são relativas ao rastreamento de sites com diversos provedores e o desconhecimento de alguns desses provedores sobre suas responsabilidades diante destes sites, bem como, sobre o que é e o que não é permitido para a proteção dos direitos autorais.

Música News: Vocês também fazem estudos sobre o mercado fonográfico? Tem dados sobre a pirataria na internet e no mercado de CDs no Brasil?
Drª Tais: Na Internet, os números ainda são bastante imprecisos, afinal de contas não há exatamente um mercado nesse setor, e é justamente isso que estamos tentando viabilizar. O mercado é estimado em mais de 5 bilhões de dólares por ano, no mundo, com downloads de faixas musicais. No entanto estimamos que mais de três milhões de músicas sejam pirateadas por dia na Web mundial, somente no Brasil temos cerca de 14.300 sites ilegais na Internet/br. Em relação aos Compact Discs (CDs), o Brasil ocupa o 1º lugar no “ranking” mundial da pirataria, estimamos que 40% do mercado brasileiro é de CDs falsificados.

Música News: A luta contra os sites que disponibilizam canções ilegais em formatos digitais, principalmente o MP3, certamente é bem “ingrata”, já que o MP3 é atualmente o “queridinho” da grande maioria dos usuários da internet. Como essas pessoas vem recebendo o trabalho de vocês?
Drª Tais: Importante salientar que a APDIF do Brasil não combate o MP3, e sim a disponibilização não autorizada de músicas pela Internet. A forma como o MP3 é utilizado por algumas pessoas é que é ilegal. Quanto a aceitação de nossos trabalho pelas pessoas, temos a esclarecer que ele tem sido bem recebido, principalmente pelos artistas, que são os maiores prejudicados nessa distribuição não autorizada de música na rede mundial de computadores.

Música News: Alguns jornalistas e colunistas vivem escrevendo em vários veículos de comunicação que as grandes gravadoras na verdade não tem medo do MP3 em si, mas de perder o monopólio do seu mercado, já que a internet e os formatos digitais vão propiciar uma liberdade imensurável aos artistas. O que você diz a respeito disso?
Drª Tais: Como já dito anteriormente o que se combate não é o MP3, e sim a forma como algumas pessoas o utilizam, disponibilizando músicas em seus sites sem a devida autorização dos detentores dos direitos autorais. E não é verdade que as gravadoras têm medo de perder espaço no mercado, tanto que estão adaptando-se a essa nova tecnologia.

Música News: Sobre essa liberdade, há um estudo recente do Forrester Research que mostra que até 2005 as gravadoras irão deixar de ganhar US$ 3 bilhões, devido ao crescente desligamento de artistas das mesmas, podendo entrarem em colapso. Você acredita neste panorama?
Drª Tais: Não. As gravadoras estão entrando nesse mercado, estão se adaptando a essa nova forma de comercialização de música, portanto não irão entrar em colapso.

Música News: Uma crítica muito comum às grandes gravadoras é a respeito das posições conservadora das mesmas, que mesmo diante deste problema do MP3 há mais de dois anos, ainda não se mecheram para propor soluções, e rechaçaram com processos e mais processos quem tentou inovar. No Brasil, por exemplo, alguns sites de MP3 fechados e webradios que estão sendo processadas reclamam que querem pagar os direitos autorais, mas nem ECAD, nem ABPD aceitaram os valores propostos e tem um modelo para cobrança prontos. O que foi feito até agora foi simplesmente fechar sites e mais sites. Não seria mais fácil buscar uma solução, ao invés de tampar os buracos? Porque isso ainda não aconteceu?
Drª Tais: Não é verdade que as gravadoras não tomaram atitudes diante desta nova tecnologia e forma de comercialização de música. As gravadoras estão “lutando” é pelo pagamento dos direitos autorais. Ninguém está “tampando buracos”, o que a APDIF está fazendo é combater a pirataria de músicas na rede, a disponibilização não autorizada. Ninguém gosta de ver seu trabalho sendo utilizado por outros, sem sequer uma autorização sua. A distribuição de músicas pela Internet enquadra-se perfeitamente na Lei 9.610/98. Portanto fica cabalmente confirmada a ilegalidade dessa forma de distribuição sem autorização de seu titular.

Música News: Muitos usuários que baixam as músicas na internet compram os discos depois, e no final das contas, isso acaba funcionando como “publicidade gratuita”, que pode gerar lucro às gravadoras. Além disso, consta no código do consumidor que o mesmo tem direito à testar um produto antes de comprar, o que não acontece no mercado de CDs. O MP3 gratuito, legal ou não, seria um meio para garantir este direito, não?
Drª Tais: O Código de Defesa do Consumidor permite que o produto original seja testado e não um produto falsificado, ilegal, não autorizado, portanto, tal argumento não procede.

Música News: Bem, e do mesmo jeito que existem consumidores conscientes que compram os CDs após conhecer as músicas na internet, há também um grande número de internautas que declaram que não compram discos nunca mais, e que não adianta o combate das gravadoras, pois sempre vai haver um jeito de se trocar músicas, principalmente com a popularização do acesso à banda larga. Diante de um panorama desse, o que fazer?
Drª Tais: A solução, e que já está sendo feita pelas gravadoras, é uma adaptação do mercado musical à essa nova tecnologia.

Música News: Há um hacker irlandês que promete para os próximos meses o “Freenet”, uma rede em que os dados poderiam estar em vários servidores, sem nunca poder identificar os usuários, uma rede totalmente anônima. Se essa promessa se tornar uma realidade eficiente, seria o fim do direito autoral, como vem cantando alguns especialistas. Você acha que as gravadoras podem lutar contra este inimigo invisível?
Drª Tais: Na verdade o Freenet é um estudo para uma Web mais dinâmica, exatamente nos padrões mencionados, que vem sendo realizado há alguns anos e é tido como o modelo ideal de Web. Não só os direitos autorais mas qualquer outro crime poderá ser cometido na Web e as dificuldades iniciais para encontrar o infrator serão bastante grandes. A questão gira em torno de uma adequação tecnológica-cultural e social para que possamos trabalhar juntamente, e não contra, essas tecnologias. Se o meio, freenet ou web, se torna inseguro, não há quem invista capital . Dessa forma ocorrem as disparidades, pois a demanda por música digital cresce, mas em um formato que não beneficia autores, intérpretes e gravadoras. O papel do marketing na Web tende a se fortalecer para o lançamento de novos talentos, seja através de sites, programas P2P, ou qualquer outro tipo de publicidade on line, e isso é feito pelas gravadoras, imagine milhões de novas bandas se lançando ao mesmo tempo, o público terá que tomar conhecimento desses talentos de alguma forma! A questão é que na Web todos estão acostumados a terem conteúdo de forma gratuita, e esse é um contexto que já esta mudando para que os negócios em geral passam se sustentar. Na verdade a questão é extremamente complexa e, a solução somente surgirá quando os envolvidos: Empresas , gravadoras e usuários entrarem em um acordo.

Música News: Logo que anunciou sua parceria com a Napster, a Bertelsmann divulgou um estudo dizendo que 80% dos usuários do Napster pagariam até U$ 15.00 mensais para usá-lo, mas enquetes feitas em vários sites brasileiros, uma média de 80 a 90% do usuários dizem que não pagam de jeito nenhum. Você acredita na pesquisa da Bertelsmann?
Drª Tais: É exatamente o que mencionamos na questão anterior, quando o usuário se nega a pagar pelo trabalho de seu artista e da gravadora ele cria um impasse. Hoje sabemos que apenas 20% dos usuários do Napster estão dispostos a pagar pelo seu serviço mensalmente. O que é uma lástima, pois desvaloriza cada vez mais o trabalho do artista!

Saiba mais sobre a APDIF
www.apdif.org.br – Site oficial da associação, com detalhes sobre seu propósito e forma de atuação, notícias sobre o mundo da música digital, fórum de discussões e lista de sites brasileiros de música parceiros da associação.

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