Entrevista com a banda carioca Clarim Diário
A banda carioca Clarim Diário existe há quatro anos e está encarando a dura tarefa de fazer um rock com os pés no pop, bem diferente da vocação indie do underground carioca. Influenciada por múltiplos artistas a banda une rock pesado, pop, MPB e música negra, mas foge de rótulos como o diabo foge da cruz.
Com um CD independente lançado (Depois do temporal), os caras, no palco, ganham muito mais peso e mostram uma baita segurança, conseguida nos anos em que o grupo ficou na estrada tirando covers e aprimorando seu próprio repertório. Além de Sandro (que também toca violão), a banda tem em sua formação Vivian (vocais), Gustavo (bateria), Duda (guitarra, violão e alguns backing vocals), Pedro (baixo) e Tiago (guitarra).
A entrevista que você vai ler a seguir foi feita ao relento, no bairro de Botafogo (Rio de Janeiro) à meia noite, em frente ao estúdio Forum, onde eles haviam acabado de dar um show. Antes do papo, ainda rolava uma conversa sobre as várias vezes em que perguntaram pra eles o porquê do nome Clarim Diário. Só que…
CENTRAL DA MÚSICA – Pois é, era essa a pergunta que eu ia fazer pra vocês: como foi que surgiu esse nome, Clarim Diário? (risos)
SANDRO - Bom, de onde veio… Clarim Diário é o nome do jornal do Peter Parker, do Homem-Aranha das histórias em quadrinhos. E surgiu porque a gente estava sem nome e teve a idéia de cada um levar cem nomes para um bar e encher a cara. Cada um levou cem nomes e a gente saía limando, limando, até sobrarem dez. De dez sobraram cinco, até que sobrou o Clarim Diário e soou legal pra gente. Não é que tenha a ver com o som.
CENTRAL DA MÚSICA – Vocês curtem quadrinhos?
SANDRO - Quem curte mesmo é o Pedro, aliás foi da lista dele que veio esse nome.
PEDRO - Cada um tinha uma preferência, mas esse foi o único nome que todo mundo achou legal.
GUSTAVO - Dentre os nomes que ficaram fora tinha Relógio Digital, Vento Lateral, Gol do Romário, qualquer coisa que vinha na cabeça nego vinha escrevendo (risos).
SANDRO - A gente não procurou fazer nenhum tipo de alusão com histórias em quadrinhos, mas achamos um nome que tinha a cara da banda.
CENTRAL DA MÚSICA – Como vocês definiriam o som da banda para quem ainda não conhece?
SANDRO - A gente não pode negar que é um pop-rock, com muito do funk, do soul, mas… Toda banda fala isso, mas na nossa acontece a mesma coisa: cada um aqui tem uma influência diferente. Tem a galera que gosta de rock progressivo, eu gosto mais de som black e tal… E aí a gente veio trazendo cada um as influências e formou a unidade do Clarim Diário. Mas dá pra dizer que a gente faz um pop-rock com influência funk, umas levadas mais grooveadas…
CENTRAL DA MÚSICA – Acho que o que chama a atenção no som de vocês, em sua maioria, é essa coisa black.
SANDRO - Exatamente, mas sem perder o lance do rock, das guitarras. As guitarras são instrumentos que a gente procura trabalhar bastante, no CD foi bastante explorado. A gente até podia ter colocado outros efeitos, metais, teclados, mas a gente procurou explorar mesmo as guitarras. E tem esse lance das levadas, da cozinha, que tem esse lance de funk, que acaba caindo no gosto comum da gente. A gente junta as influências e acaba caindo nisso no final, mas pode falar que é um pop rock.
CENTRAL DA MÚSICA – É um pop, mas não chega a ser uma coisa tipo o Jota Quest, por exemplo…
SANDRO - A gente fica com receito de falar “pop-rock” porque sempre tem gente que leva pro lado pejorativo, aquela coisa de “ah, mas é pop…”
CENTRAL DA MÚSICA – Eu acho que até falta pop rock no cenário alternativo do Rio, pra falar a verdade… Não sei se vocês concordam.
SANDRO - Eu não sei que espaço que o pop rock possa vir a ter no underground, que tem um lado indie, um lado mais Weezer de ser, bem predominante. Mas foi legal porque aos poucos a gente tem conquistado nosso espaço, a galera tem parado para escutar o trabalho, tem respeitado bastante… Isso é legal porque você fala “pop”, eles pensam que vem aqueles caras cantando aquelas musiquinhas chicletes e tal…
GUSTAVO - Essa coisa pejorativa existe, acho, porque você vai na loja de CD e pop-rock tem desde Wanessa Camargo e Kelly Key até Barão Vermelho, aí você tira um pouco o foco do que é ser pop. Porque pop é popular. E isso acaba tornando o termo pejorativo, é difícil a gente definir porque pop-rock é muita coisa. A gente fala em pop-rock funkeado e nego pensa em Jota Quest, e não é o caso. Não é por aí que a gente trabalha.
CENTRAL DA MÚSICA – E é difícil trabalhar com essa questão do rótulo no cenário de hoje. Você vê que tem muita banda parecida…
GUSTAVO - O rótulo de certa forma é necessário até para um primeiro contato, para você ter pelo menos uma atenção inicial. Agora, você ficar preso nele é a morte musical, porque você se assume simplesmente como sendo isso… Depois de um tempo você começa a ouvir outras coisas, compor coisas totalmente diferentes e acaba se tolhendo até inconscientemente, tipo “ah, não, isso aqui não tem a cara da banda”. E a cara da banda existe de acordo com as composições que a gente faz. Se você fica nessa caixa do rótulo, musicalmente você não existe mais.
CENTRAL DA MÚSICA – Quem faz as letras da banda?
PEDRO - Eu.
GUSTAVO - O Pedro, prioritariamente, com coisas de alguns outros… Mas a grande maioria é dele, mesmo.
SANDRO - A gente tem uma forma de composição que.. não é uma regra, mas geralmente a gente parte de algumas letras dele, de harmonias que alguém traz, uma melodia que alguém traz…
PEDRO - Aqui na banda o que eu acho legal é que todo mundo tem a capacidade de compor. Eu já fiz letra a partir de uma letra da Vivian, e a gente botou música em cima dela. E por aí vai, já tem música com o Tiago, com o Duda.
GUSTAVO - Não é aquele negócio de banda de um homem só, que você vê muito por aí… tem a pessoa que compõe as letras, as músicas e, apesar de serem uma banda coesa, você sente que o trabalho é focado em cima das composições daquele cara. No nosso caso, você tem coisas vindo de todos os lados. Aquilo que o Sandro tinha falado, das influências de cada um, isso pra gente é enriquecedor. Se o Sandro faz uma harmonia, ele vai tender para uma coisa de soul music, o Duda outro tipo de música… O Pedro, como faz muita letra, pode, em cima do pop mesmo… Isso dá essa diversidade, mas no fim das contas fica com a cara de todo mundo.
CENTRAL DA MÚSICA – E como é que fica essa diversidade dentro de uma banda de seis pessoas? Não dá briga?
SANDRO - É complicado, mas ao mesmo tempo é enriquecedor, porque você aprende uma coisa nova todo dia. Se a gente tem seis pessoas, você não deixa de ouvir coisas novas. Vira e mexe eu tô mostrando um CD novo que eu comprei que nenhum deles ia pensar que existe, e aí outro traz uma coisa nova para mostrar… É inevitável que surjam divergências, mas a gente tem a vantagem de se conhecer há muito tempo, a gente é amigo quase que de infância. E aí um meio que entende o limite do outro, mas divergência é uma coisa normal, é só saber administrar.
CENTRAL DA MÚSICA – Vivian, como é ser a única mulher no meio de cinco homens? (risos)
VIVIAN - Eu aprendo muito sobre os homens (risos). Mas não tem tratamento especial não, é todo mundo igual. Essas coisas de falar palavrão e pedir desculpas pra mim, não rola muito, não. Quanto mais natural, melhor.
CENTRAL DA MÚSICA – Vocêm sentem que rola uma visão meio “Kid Abelha” sobre a banda, por ela ter uma vocalista, e tal? As pessoas tem mania de pensar muito por comparações, né?
VIVIAN - É difícil ter banda que tem homem e mulher cantando, acho que realmente a primeira referência é o Kid Abelha…
GUSTAVO - Na época do Leoni, inclusive, em que ele cantava e ela também, né? Então tem esse tipo de coisa, mas é muito engraçado, porque as pessoas pegam o CD e falam as coisas mais diferentes sobre o nosso som. “Nossa, mas a voz dela parece com a da menina do Kid Abelha”, “o trabalho é meio Pato Fu”, “maneiro esse negócio da soul music”. Eu acho que por mais que tenha uma mulher na banda, ela não fica caricata, de certa forma, então… Isso é essencial.
VIVIAN - A gente procura lidar com isso de maneira bem natural. As músicas que surgem para eu cantar não vêm por obrigação, tipo tem que ter tantas ou tantas músicas que eu cante.
CENTRAL DA MÚSICA – Sobre esse fato de ter dois vocalistas, como é que vocês administram isso? Essa questão de um cantar, o outro também… (Sandro e Vivian dividem vocais principais e backings, o que em determinadas bandas gera uma infinita guerra de egos).
VIVIAN - Bom, na verdade, eu entrei na banda para fazer backing vocals. Para mim foi como uma promoção, eu entrei como backing e fui promovida a vocalista (risos). Então as composições para mim foram aparecendo de um, dois anos para cá. Eu acho o máximo, quanto mais músicas melhor, mas não tenho nenhum problema em ficar fazendo backing. Foi por aí que eu comecei na banda.
SANDRO - A nossa preocupação é com os vocais, não especificamente com o vocal principal. Então a gente tem um trabalho, além de um vocal principal, de backings, mas não aquela coisa tipo “uuu”, “iêiêiê”, mas backings em que você tenha uma melodia, uns fraseados. A gente tem uma preocupação em compor a música – durante a letra, na parte dos refrões também – fazendo um trabalho de vocais de um modo geral. Apesar de ter ou eu ou ela na voz principal, sempre tem um dos dois junto com o Duda em algumas coisas fazendo um trabalho de base na parte vocal. O ego acaba aí, não tem aquela coisa de “enquanto ela está cantando, estão todos olhando”. Tem sempre alguém fazendo alguma coisa, alguma notinha para completar, para juntar.
GUSTAVO - As composições que surgem para a Vivian cantar não vêm da obrigação de ter músicas para que ela cante. Você acaba fazendo algumas músicas e pensando “deve ficar legal no timbre da Vivian, vamos trabalhar isso”. O contrário também acontece, por mais que o Sandro fosse vocalista desde o início, tem músicas que têm a cara dele, ou dela.
CENTRAL DA MÚSICA – Vivian, você compõe também?
VIVIAN - Eu escrevo algumas coisas. Essa “Outro sol”, uma das últimas músicas que a gente tocou agora (a entrevista foi feita depois de um show), foi uma poesia que eu fiz, entreguei pro Pedro e ele transformou em música.
SANDRO - A participação dela vai mais na hora de fazer os arranjos. É aí que a participação dela é mais ativa, quando a coisa sai do violão e da voz e parte para a banda.
CENTRAL DA MÚSICA – E o disco de vocês, como vai?
SANDRO - A gente lançou esse disco em janeiro desse ano e o retorno foi o melhor possível, de todas as maneiras…
CENTRAL DA MÚSICA – Aliás, vocês têm quanto tempo de banda?
SANDRO - A gente tem quatro anos. A gente começou fazendo muito cover, que é a melhor escola que tem, para aprender aqueles truques de banda, mesmo. Depois a gente conmeçou a compor e a coisa começou a tender para esse lado do repertório inédito. O CD não deixou a gente super-famoso, mas teve uma repercussão legal, porque as pessoas que ouviram elogiaram, fizeram críticas boas a respeito da gravação, da capa. Conseguimos muito mais shows, arrumar espaço no Rio, que é difícil. Arrumamos muitos amigos por causa do disco… Para a gente foi o ano mais importante em termos de dar um passo à frente.
GUSTAVO - A gente acabou gravando só quatro músicas no disco. Não teve como fazer mais, senão a gente ia ficar dois anos para gravar doze músicas, por questões financeiras. Preferimos fazer quatro, com uma qualidade boa, legal para se veicular. Antes mesmo desse trabalho a gente passou por vários estúdios achando que em seis horas, em um período só, dava pra gravar um disco inteiro, com sete músicas, oito músicas, tocando ao vivo. E ficava horrível. Até que a gente botou a mão na consciência e resolveu fazer com calma, poucas músicas.
CENTRAL DA MÚSICA – E as gravadoras grandes? Como é que está isso na cabeça de vocês?
GUSTAVO - A gravadora grande tem uma vantagem boa em relação ao independente que é a distribuição, creio eu. Você ouve muito falar aquele negócio do bicho-papão da gravadora, mas a gente não sabe disso por dentro. A gravadora grande tem suas vantagens, o alcance é maior.
SANDRO - E o nosso CD, a gente acabou fazendo mil cópias. A gente não sabe em que mãos já foram parar, quem entregou pra quem, deixou na mesa de alguém que era de gravadora. Até hoje não teve nenhum tipo de contato formal e oficial em relação a isso, sabemos que pessoas de mercado já ouviram e tal, mas não teve nenhum convite oficial.
CENTRAL DA MÚSICA – E o retorno das pessoas que visitam o site de vocês?
SANDRO - A gente tem um retorno muito legal. O site foi uma das coisas que ajudou muito a divulgação da banda. A gente teve essa preocupação de fazer um site legal, completo, com todas as informações possíveis. Ficou um lugar em que se perguntarem como é a banda, a gente pode responder “vai lá no site”. Tem a história, as fotos, as músicas… E a gente conseguiu fazer um cadastro de e-mails, tem os informativos, a gente passa as novidades de shows, resenhas, entrevistas. E isso deu um retorno muito legal.
GUSTAVO - A internet possibilita às pessoas que não são do Rio ouvir seu trabalho, e isso é sensacional. Tem pessoas que vão no guestbook e são de Marília, em São Paulo, São Bernardo do Campo… Você sem um site, a menos que você ficasse mandando para algum lugar, pode até chegar no ouvido das pessoas, mas você não ia saber.
CENTRAL DA MÚSICA – É isso, gente. Querem falar mais alguma coisa?
SANDRO - A gente está com alguns shows marcados para dezembro… Dia 9 a gente está na Bedroom (boate do Rio) no evento Segundas Intenções, que começou agora… Eu acho que é um evento bem legal, bem bolado, só falta um pouquinho mais de divulgação pra galera ficar sabendo o que tá rolando. Dia 28, no sábado, vai ter um evento na casa de Cultura da Estácio, na Barra, chamado Feliz Rock Novo, para comemorar o final do ano. Esses são os confirmados. Queria agradecer o espaço, é legal falar um pouco sobre a gente, mostrar o nosso trabalho. A quantidade de banda nova e boa que tem rodando por aí muito melhor do que muita banda que tá tocando em rádio… As pessoas têm que conhecer, ir no show. Isso é muito legal.
SITE OFICIAL: O site da banda Clarim Diário é o www.clarimdiario.com