Adriana Calcanhotto fala sobre “Cantada”, seu novo disco
Em entrevista coletiva concedida no último dia 8 de outubro, Adriana Calcanhotto falou sobre a criação de seu novo CD, “Cantada”, seus planos e sua carreira. O local escolhido para o bate-papo foi o Museu do Açude, no Rio de Janeiro (RJ), local que abriga “Magic square nº 5″, instalação permanente de Hélio Oiticica que figura no encarte do álbum e no videoclipe de “Pelos ares”, a primeira música do disco a tocar nas rádios. Abaixo os melhores momentos da entrevista, compilados pelo departamento de imprensa da gravadora BMG.
Assim como a maioria de seus outros discos, “Cantada” tem músicas de Antonio Cicero, Péricles Cavalcanti e Arnaldo Antunes. Há uma preferência por eles?
Adriana: Você está querendo dizer que é uma panelinha? (risos) Eu gosto muito desse universo de compositores e cantores, mas não penso o disco desta forma. Para definir o repertório de “Cantada”, recebi 30 ou 40 músicas, de autores diferentes. Fui selecionando, selecionando, até que restaram estas que estão no CD. Mas é claro que há, em paralelo, o desenvolvimento do diálogo que venho tendo com esses compositores que foram citados. Aconteceu também de eu encomendar uma música – “Sou seu”, do Péricles Cavalcanti, é uma canção de que eu gostei muito e foi selecionada para o disco; então, eu pedi a ele que fizesse “Sou sua”, uma versão feminina, que também entrou no CD. Sempre foi um inferno para nós dois encontrarmos um tom que fosse confortável tanto para mim quanto para ele numa canção. No entanto, não tivemos essa dificuldade com “Sou seu”.
Quanto tempo levou para gravar o CD?
Adriana: Acho que cinco meses.
Por que você gravou “Music/Impressive instant”, da Madonna, neste CD?
Adriana: Eu adoro “Music”. Para mim, seu arranjo original é definitivo, sou fascinada por ele. A música tem aquele aparato eletrônico todo e, no entanto, só há um acorde. Acho incrível que alguém consiga fazer algo tão bom com apenas um acorde. Isso é uma coisa que eu venho tentando fazer há muito tempo, mas o mínimo que consegui até hoje foram dois acordes. Então, em vez de ficar enlouquecida nessa busca, resolvi parar de tentar e pegar logo a música da Madonna para mim. (risos) Minha idéia era ignorar todo o arranjo original e aproveitar apenas a letra. O acorde deveria ser reproduzido na batida do meu violão. Daí veio o Daniel Jobim, que é fã da Madonna, e começou a trocar idéias comigo, usando o piano. Tenho certeza de que vou gostar muito de fazer “Music” no show. No palco, ela será mais crua. No CD há aquelas camadas todas de piano que servem para reproduzir os efeitos eletrônicos da versão original. Mas no show não vai ter isso, será só um violão e um piano. “Impressive instant” entrou na gravação também porque foi irresistível a fusão das duas canções. Cheguei a samplear a voz da Madonna cantando o verso “Samba, samba, samba” e experimentei incluir isso, mas ficou péssimo. A voz dela ficou parecendo a de um ET. Então, tirei.
Essa história de usar um acorde só, é uma busca?
Adriana: É dificílimo sustentar uma música num acorde só. O rock normalmente usa três. OK, mas com apenas um é mais difícil, é algo além. Eu busco isso, sim. Quando tento, me inspiro em várias pessoas, não necessariamente músicos. Penso, por exemplo, em João Cabral de Melo Neto, o escritor, que tem aquela coisa de cortar o texto, cortar, cortar, até ficar só com a essência. Como eu disse, tive uma inveja louca da Madonna quando ouvi “Music”. Aquele arranjo tão complexo, e o baixo tem um acorde só…
Há um tempo, num show, você apresentou uma música nova chamada “Que rei que nada”, que estaria em seu CD seguinte. Mas ela não está em “Cantada”. O que houve?
Adriana: É que mudou tudo de lá para cá. Eu encontrei um problema na levada da música e, como passou muito tempo desde então, a canção perdeu o seu lugar no disco. Ela já não tinha a ver com o CD. Mas não foi jogada fora, está na minha lista de possibilidades futuras.
Você é uma gaúcha que mora no Rio de Janeiro e sempre cantou o Rio. Que paixão é essa? Ela está no CD?
Adriana: É mais que uma paixão, é amor, mesmo. Ao longo do tempo, eu venho acumulando impactos do viver aqui. Por exemplo: “Sobre a tarde”, uma das faixas do novo CD, é minha despedida de Ipanema. Eu morava lá e agora estou no Alto da Boavista. Aliás, este disco tem tantas canções minhas porque meu CD anterior, “Público”, era ao vivo e não tinha inéditas. Então, eu vinha acumulando várias letras desde “Marítimo”.
Este CD diz muito sobre o seu momento atual?
Adriana: Dizem que meu trabalho é existencialista. (risos). Mas eu não tenho uma necessidade de ser confessional. Uma canção revela a outra, ou contradiz a outra. E eu tenho composto cada vez menos. Talvez porque o telefone tenha tocado demais. (risos) Eu não sou um Carlinhos Brown, não tenho aquela espontaneidade toda, aquela exuberância musical…
Neste CD você tem parcerias com jovens artistas, como Moreno e o pessoal do Los Hermanos. Que tal trabalhar com eles?
Adriana: Foi ótimo. A geração posterior à minha é menos vítima da tecnologia. A minha não se sente muito à vontade com computadores e aparatos tecnológicos, estabelece uma divisão entre o acústico e o eletrônico. Para os mais jovens, o computador é apenas mais uma ferramenta. Eles são criadores, inventam muita coisa no estúdio. Foi lindo ver o som nascendo nesse disco. Minha intenção era utilizar mais samples, mas foi tão bacana ver as músicas saírem do zero, em torno da batida do meu violão, que eles ficaram mais de lado.
Como surgiu a parceria com Los Hermanos, que participaram da faixa “A mulher barbada”?
Adriana: Nós nos encontramos em novembro de 2001, quando fizemos show numa mesma lona cultural. Rolou aquela “paquera” e eu os convidei a trabalhar no meu disco. Mas o convite ficou no ar, pois eu ainda não tinha definido uma canção para essa parceria. “A mulher barbada” é uma coisa que eu fiz em 1998, mas eu não achava que fosse uma música – para mim, era uma vinheta. Até que, um dia, eu vi o Los Hermanos na MTV, acho, falando sobre a atração que sentiam pelo circo. Daí eu pensei: “Nossa! Eu tenho uma música para eles!”. Foi uma delícia a gravação.
Quando você cria um álbum novo, o que você se preocupa em passar para o público?
Adriana: Em primeiro lugar, eu sou interessada em pensar o trabalho. O processo de definição do repertório é comoum quebra-cabeça: as canções vão se agregando, uma vai puxando a outra – às vezes, uma exclui a outra, também – daí eu ouço no rádio algo que eu não conhecia… E por aí vai. Cada música nasce de uma forma única. Eu não tenho método nem disciplina para compor.
A música “Cantada” já tinha sido gravada por Maria Bethânia, no CD “Maricotinha”, mas com o nome de “Depois de ter você”. A música mudou de nome?
Adriana: Não, o nome sempre foi “Cantada”. É que, já que a Bethânia sempre muda mesmo os nomes das músicas, eu mandei a letra para ela sem nome. (risos) Eu não pensei que ela fosse gravar, não esperava. Quando eu soube que ela tinha incluído no disco, telefonei para avisar que aquela música tinha nome, mas foi tarde demais.
É comum haver referências às artes plásticas em seus discos. Neste, o encarte traz fotos suas numa instalação permanente de Hélio Oiticica que está aqui no Museu do Açude. As artes plásticas influenciam na hora de compor?
Adriana: Há influências muito específicas. Em geral, eu me identifico com as soluções dos artistas para suas questões, não importa o meio, seja nas artes plásticas, na literatura, o que for. E eu sou muito visual – aprendo uma música decorando o desenho dos acordes, por exemplo. Essa instalação do Hélio que está no disco me inspirou muito. Eu vim para sua inauguração no museu e fiquei louca com o que vi: aquelas cores todas do Hélio no meio da Mata Atlântica, ao ar livre! Ainda há muito que se desvendar em sua obra.
Como foi gravar o clipe de “Pelos ares”, a primeira música do CD a tocar nas rádios?
Adriana: Eu filmei aqui no museu. Eu tenho feito clipes com pessoas de cinema, em sets de cinema, com película. E quanto mais eu trabalho com isso, mais me interesso por esse meio. Desta vez, a Susana Morais, diretora do vídeo, exigiu de mim como atriz. Ela não tinha me dito com antecedência o que ia querer de mim nesse trabalho, foi tudo lá na hora. E deu muito certo. Na tela, o que você vê não é a Adriana Calcanhotto dublando sua música e pronto. Eu estou interpretando. Essa experiência me mostrou muitas coisas. Quis fazer o clipe na instalação do Hélio porque ela me parece uma casa pelos ares.
Você tem interesse em criar trilhas para cinema?
Adriana: Tenho muito interesse. Mas eu não poderia me dedicar a isso agora, pois estou envolvida com a minha turnê. Esse negócio de compor em quarto de hotel, entre uma viagem e outra, para mim, não dá. Tenho me sentido cada vez mais atraída pelo cinema, até mesmo como atriz. Bem, eu não sou nenhum Paulo Miklos, é óbvio, mas eu gostaria de experimentar. (risos)
No novo filme de Almodóvar, “Fale com ela”, há uma participação especial de Caetano Veloso, que aparece cantando num show. A música está até na trilha sonora. Você já viu o filme? O que achou disso? Se o Almodóvar a convidasse a fazer algo parecido, você aceitaria?
Adriana: Eu não vi o filme ainda. Mas é claro que eu aceitaria. Eu faria qualquer coisa que ele quisesse, cantaria a música que ele escolhesse. Ele é o tirano, ele que manda. (risos)
Depois da repercussão que teve “Devolva-me”, faixa do CD “Público”, você se sentiu pressionada a continuar fazendo muito sucesso?
Adriana: Não. Aliás, isso nunca aconteceu, nem mesmo antes. Eu nunca pensei que “Devolva-me” fosse fazer o sucesso que fez. Eu pensava que só eu conhecia aquela música, era uma coisa muito minha.
A música “Pelos ares” está na trilha sonora da novela “O beijo do vampiro”, da Rede Globo. A esta altura da sua carreira, ter uma canção tocando numa novela ajuda ou não?
Adriana: Eu não sei, porque nunca aconteceu de eu não ter música de meus discos nas novelas. (risos) Todos os meus CDs tiveram pelo menos uma faixa incluída na trilha de alguma novela. Às vezes, até duas faixas. “Vambora”, por exemplo, deveria ser o tema de um casal gay. Mas implodiram o casal, e a música dançou. (risos) De qualquer forma, eu acho importante ter minha música tocando na televisão. Uma parte do público talvez não comprasse o meu CD se não fosse pela novela. Então eu acho que a TV viabiliza muitas coisas. Eu não tenho vontade de fazer um trabalho de qualidade apenas para quatro pessoas – eu quero atingir o maior número possível de ouvintes. No caso de “O beijo do vampiro”, eu ainda estava em estúdio quando me pediram três músicas novas, para que fosse escolhida uma para incluir na novela. Acabaram optando por “Pelos ares”. As outras que eu mandei foram “Justo agora” e “Eu espero”.
Você acredita que o seu trabalho seja intelectualizado, talvez por causa da poesia que você põe nos seus discos? Sua música atinge classes sociais diferentes?
Adriana: O público é interessado em poesia, mas nem sempre tem acesso a ela. Eu vejo uma grande oportunidade em minhas mãos de veicular poesia nas rádios populares, com a minha música. É isso o que me move. Ajuda bastante o fato de eu ter uma gravadora grande por trás me apoiando nisso, sendo cúmplice no que eu faço.
Você não pensa em escrever um livro?
Adriana: Não. Mas eu recebi um convite de uma editora portuguesa chamada Quasi, que edita poesia contemporânea. Eles até já fizeram um livro com o trabalho do Antonio Cicero. Pediram para publicar minhas letras e eu aceitei. Estou selecionando as músicas que serão usadas. Devo incluir duas ou três letras inéditas. O livro sai em maio.
Tem gente que está ouvindo “Pelos ares” na novela e vai comprar o seu CD. Como você acha que essas pessoas vão reagir quando ouvir, por exemplo, a faixa “Jornal de serviço”, que é um poema de Carlos Drummond de Andrade que você musicou?
Adriana: As pessoas não assimilam logo. De cara, talvez só haja o estranhamento. Demora muito até as pessoas apreenderem certas coisas. Por exemplo: o Arnaldo Antunes me contou que até hoje acontece de ele entrar num táxi e o motorista perguntar se ele é dos Titãs. Nossa, ele saiu da banda há tantos anos! (risos) Por isso o Arnaldo diz que não dá para ter pressa, a assimilação de certos trabalhos leva tempo, mesmo. “Jornal de serviço” é bem interessante: o Drummond está lendo as páginas amarelas de cima abaixo e parece que ele não quer nada daquilo que está anunciado ali. Quanto mais eu leio esse texto, mais eu vejo que aquelas palavras não
foram escolhidas totalmente ao acaso. Eu cheguei a gravar essa faixa para o CD “Marítmo”, mas não ficou bom. Larguei aquela poesia de lado e só recentemente a retomei. Mas agora a música está completamente diferente, desta vez deu certo.
Você vai cantar “Jornal de serviço” no show novo?
Adriana: Sim. Mas não haverá instrumentos, será apenas a minha voz lendo o poema num volume de páginas amarelas. Já li aquilo tantas vezes que acho até que já decorei.
Há planos de fazer um DVD?
Adriana: Eu gostaria muito de fazer. Mas tem que ser com calma. Não quero que seja apenas um registro do show, aquela coisa de lançar um CD, transformá-lo em show e, depois, em DVD. Eu quero que mostre outras etapas do trabalho, outros aspectos, não apenas o espetáculo no palco. Não sei bem o formato ainda. Acho o DVD algo muito interessante, pode ser revelador. Mas isso é para o futuro, não tenho como cuidar disso agora.
Dizem que você tem um CD infantil pronto há anos. Isso é verdade?
Adriana: Eu terminei de gravar meu disco infantil na época em que foi lançado o CD “Público”. Mas eu não gostei do resultado sonoro. Era para ser simples, só que ficou metido. É um trabalho que não está a serviço de coisa alguma. Então eu decidi que não o lançaria. Se na semana em que o terminei eu já o achava datado, imagine hoje! Aquilo não vai virar CD, mas isso não quer dizer que eu tenha desistido do projeto de fazer um disco para crianças. Um dia eu faço. A editora Salamandra me convidou recentemente a musicar um livro infantil do Ferreira Gullar chamado “Um gato chamado Gatinho”. Eu já comecei, mas esse projeto terá que ficar para depois, pois agora estou muito atarefada com o “Cantada”.
Você tem planos de construir uma carreira internacional?
Adriana: Eu não planejo isso. Fora do Brasil, só cantei em Portugal. Aliás, “Cantada” está sendo lançado simultaneamente aqui e lá, o que eu acho ótimo. Foi um pedido meu que a BMG atendeu. Normalmente, quando o disco sai aqui, a imprensa de lá começa a falar dele, mas o CD só chega às lojas portuguesas um tempão depois. Desta vez não será assim.