Sana Inside » 'Ultraje, New Order, Joy Division e Echo & The Bunnymen'

Ultraje, New Order, Joy Division e Echo & The Bunnymen

   Vocês lembram dos Ostras? E dos Virgulóides? Pois é, eles amavam o Ultraje. Ou pelo menos deviam amar. O que seria do sotaque maladro-macarrônico de Henrique Rato (dos Virgulóides) se não fosse a esperteza de Roger e seus asseclas, que em 1985 já apostavam no rock com letras safadas? E dos Ostras não fosse o pioneirismo do Ultraje em abraçar as ondas (abraçar as ondas?) como tema recorrente no rock nacional? Bandas mais novas, como Netunos e a já antiga Off The Wall (ainda existe?) devem muito à formula do Ultraje A Rigor: sacaneações, brincadeiras e romantismo sempre com estilo praiano e descontraído.


   O disco novo do Ultraje reafirma essa paixão pelas ondas e reinvindica para a banda a posição de grupo pioneiro da surf music brazuca – com raízes no rock sessentista, na jovem guarda e até no punk de Ramones e Clash. “Os invisíveis” (Deck Disc), o tal CD, mostra as ondas que embalam o som do grupo na capa, e tem um conteúdo deslocado de tempo e espaço. Para começo de conversa, os padrões para lançamento de disco, passada a fase do deslumbramento com o CD – quando todo mundo queria fazer discos enormes, com músicas de dez minutos e sem saber a hora de parar – o Ultraje volta no tempo e manda bala num CDzinho de 30 minutos, com onze faixas. É bom lembrar que, mais do que todas as bandas recentes que vêm falando de ondas, Roger, o líder da bagaça, tem 45 anos, viveu os anos 50 e 60 e fala com conhecimento de causa sobre rock antigo e novo. Existencialmente praieira – afinal o primeiro disco da banda se chamava “Nós vamos invadir sua praia” – a banda de Roger capricha em temas instrumentais finíssimos (como “A onda”) e manda bala até num “Epitáfio”, igual ao dos Titãs, só que bem mais desencanado e otimista (“Agora é tarde”). Quer rolar de rir? Então curta “Todo mundo gosta de mim”, um rock-rap que remete aos bons tempos do disco “Sexo!”, de 1987. Rock n roll sessentista, tá a fim? Ouça “Me dá um olá”, comovente que nem ela só. Isso sem contar o primeiro single do disco, “Domingo eu vou pra praia”, que já rola no rádio. Vai comprar, não vai?


&&&&&&&&&&&&&&&&&&&


   Mudando de assunto completamente, o selo Globo/Jive (mais um braço fonográfico da major brazuca Som Livre) vem se destacando por determinados lançamentos na área pop/rock. Os caras lançaram o memorável CD solo de Joey Ramone (“Dont worry about me”, para quem gosta de rock entrar em clima de baba-baby), se lambuzaram na baba de Michael Bolton (que verteu para o inglês a brega-prog “Somente por amor”, de Marcus Viana, da trilha de “O clone”) e agora surpreendem todo mundo mandando para as lojas um CD do Joy Division e outro do New Order, ambos lançados lá fora pelo selo Strange Fruit e gravados para a emissora londrina BBC. O JD e o NO são bandas que têm fãs empedernidos aqui no Brasil, sendo que a primeira origina várias e várias licenças poéticas e resenhas etéreo-psicodélico-super-cabeças por aí afora.


   Não é a primeira vez (e nem vai ser a última) que Ian Curtis & sua turma aparecerão no mesmo parágrafo que a sua continuação, sem Ian e com Gillian Gilbert nos teclados – e pelo visto o JD sempre será a sombra do NO, ainda que o New Order estimule o mesmo culto hoje em dia. Ambos são o contrário um do outro e ainda assim se complementam, na medida que a melancolia do Joy invade as atmosferas dançantes do New Order de forma cabal. O New Order já estava esperando para nascer das entranhas do Joy Division, graças a eletrônica gélida de “Isolation”, aos teclados e ao clima etéreo de “Insight”, a kraftwerkianice de “Transmission”, etc. Fica até difícil imaginar que Joy Division e New Order são praticamente a mesma banda, quando se imagina que o NO, na década de 80, fazia sucesso até nas pistas dos bailes funk do Good Times (em Niterói) e do Mourisco (Rio) – mas o tempo faz a gente notar que as bandas tinham bem mais do que se imaginava em comum.


   Os dois CDs devem ser ouvidos por toda e qualquer pessoa que queira entender de onde vieram as saliências, reentrancias, vãos e desvãos do rock dos anos 90 (meio mundo indie deve as calças ao Joy Division – e o que seria dos Smashing Pumpkins e até das bonecas nu-metal sem o New Order?). O do Joy traz gravações feitas para o John Peel Show (do famoso radialista), para a Radio One e alguns sons ao vivo, feitos para o programa Something Else. Quem acompanha o Joy, mesmo a distância, e tem em casa a coletânea “Substance” – lançada até em vinil no Brasil, com ânus e ânus de atraso – sabe que, em seus momentos mais atacados, o Joy não passava de uma puta banda de rock pesado, introspectivo e gélido, influenciada por Stooges, MC5 e glitter-rock (faixas ainda da época do Warsaw, primeira encarnação do Joy, como “No love lost” e “Leaders of men”, atestam isso).


   A imagem cabeça e angustiada que muitos setores da mídia fizeram da banda é seriamente abalada quando se ouve a versão ao vivo de “Love will tear us apart”, incluída no CD: é cheia de energia, peso e desafinações que dão uma humanizada na coisa. “Love…”, aliás, sempre vai ser a melhor música de todos os tempos da banda – a não ser que descubram um baú cheio de fitas dos caras. Mas como se não bastasse, o disco ainda recupera a pouco conhecida e pesada “Colony” (de “Closer”, segundo, último e melhor LP dos caras). Ainda por cima o disco traz de bônus uma entrevista de Stephen Morris e Ian Curtis com um certo Richard Skinner – se você entende o enroladíssimo sotaque da Inglaterra, dá pra escutar e até rir um pouco. O texto do encarte dá uma idéia de até onde vai a influência do Joy (U2, Jeff Buckley, George Michael, Nine Inch Nails) e desmembra a contribuição de cada integrante da banda, aproveitando para comentar uma passagem a respeito do guitarrista Bernard Sumner (“Não é horrível isso?”, disse ele uma vez do Led Zeppelin, a banda anti-Joy por excelência).


   E o do New Order? Dizem que a banda surgiu após um porre de Peter Hook, o doidão da turma – e o mesmo que se aproveitou da sua fama e prestígio para criar projetos de caráter rock-eletro-hedonista, como Revenge e Monaco. O disco dos caras foi gravado ao vivo no eterno festival de Glastonbury, na Inglaterra, em 1987, logo após o single “True faith” e entre os discos “Brotherhood” e “Technique”. Aviso: a banda nunca foi uma grande maravilha ao vivo, especialmente graças aos vocais inseguros de Bernard Sumner (o encarte do disco até diz que o show da banda podia ser “tanto uma coisa mortalmente séria quanto uma imensa piada”, dizendo ainda que na noite do show eles foram as duas coisas), mas por isso mesmo o New Order tem tanto encanto. O carisma e a energia com que o NO se debruça sobre os instrumentos são praticamente herança do movimento punk (lembrem-se que o próprio Sumner já declarou publicamente que sem Iggy Pop & The Stooges o New Order jamais existiria…).


   A banda não tocava brilhantemente bem, mas gostava do trabalho em estúdio e levava isso para o palco. Além disso, nada do NO ao vivo saiu por aqui, tornando esse lançamento histórico. E não é só isso: o disco ainda traz duas preciosidades para os fãs da banda. Uma delas é a clássica “Touched by the hand of god”, raro single da banda. A outra é… tcharam… “Sister Ray”, clássico que ocupava todo o lado B do disco “White light/White heat”, do Velvet Underground, e que aqui aparece em versão de 9 minutos, pesada e dançante. O NO sempre teve a genialidade de reconhecer que o rock foi feito para dançar (imagina só o frege que seria uma festa rockeira regada a “Born to be wild”, “Dancing days”, “Jailbreak” e outros clássicos da air guitar?) e tinha a manha de levar isso direto para as paradas pop, promovendo um crossover genial e muitas vezes malvisto por algumas pessoas – as músicas da banda fazem parte do acervo emocional de rockeiros, playboys, frequentadores de boates, pagodeiros e até fãs de Miami-bass, já que referências ao NO podem ser achadas até em discos de Latino e Claudinho & Buchecha. Valendo por uma coletânea, o CD ainda tem os dez minutos de “Perfect kiss”, a beleza do hit “True faith” (excelente nas pistas), o sucesso devastador de “Bizarre love triangle”, etc.


   O único problema desses lançamentos são a maneira como eles foram editados por aqui. Os dois CDs têm até créditos em português no encarte (“tempo total”, etc). Será que a alta do dólar vai fazer voltar algumas velhas manias do nosso mercado fonográfico, quando se trata de lançamentos internacionais? Se for assim, podemos esperar discos sem encartes, créditos alterados, com músicas a menos, discos “inventados” pelas gravadoras brazucas (lembram quando os Beatles tinham discos com faixas diferentes nos EUA, Inglaterra e Brasil, além de outros países?), discos duplos lançados simples, etc. Vai ser f…


&&&&&&&&&&&&&&&&&&&


   Enquanto isso, mais uma notícia para os que seguem a cartilha do rock inglês dos anos 80. A London/WEA soltou nas lojas, sem avisar ninguém, uma edição brazuca em CD da coletânea “Songs to learn and sing”, do Echo & The Bunnymen – que vi outro dia pegando poeira numa loja – e uma edição expandida (com faixas a mais) de “Evergreen”, disco de 1997 do Echo, que não havia tido uma recepção muito calorosa por aqui (apesar da beleza das faixas, muitos fãs consideraram esse e “What you are going to do with you life?”, de 1999, discos muito mornos, se comparados a fases anteriores da banda).


   Hoje reduzida a quase um projeto solo de Ian McCulloch, o Echo teve “Songs to learn and sing” lançada em 1985 – foi a primeira coletânea da banda – um ano depois de terem seu primeiro lançamento no Brasil, o belo disco “Ocean rain”. A capa da coletânea, que traz a banda caminhando em meio a trevas, quase pode ser entendida como uma gozação a “Abbey Road”, disco dos Beatles – a “outra” banda de Liverpool, por sinal. “Songs…” traz músicas lançadas originalmente nos discos do grupo (como as angustiadas “Back of love” e “The cutter”, do “Porcupine”, e as inacreditáveis “The killing moon” e “Silver”, do “Ocean rain”) e também músicas valiosas para os fãs do grupo. “The puppet” só havia saído em compacto. “Do it clean” só estava disponível na versão norte-americana de “Crocodiles”, o primeiro LP. A dançante “Never stop” constava de um EP chamado “Echo”, jamais lançado no Brasil. Isso sem falar na etérea (olha a palavra aí de novo!) “Bring on the dancing horses”, incluída na trilha de um filme. Para fazer jus ao título da coletânea (“canções para aprender e cantar”), pela primeira vez um disco do Echo trazia as letras das músicas estampadas no encarte. Assim as imagens poéticas angustiadas de “Rescue”, “The back of love” e “A promise” poderiam ser lidas e entendidas – na medida do possível – pelos fãs do grupo. Compre correndo.


PS: O colunista aproveita para pedir desculpas pelo atraso de uma semana…

© 2008 Powered by WordPress