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Tudo Velho: Rolling Stones, agora! E sempre!

Em 1993, a PolyGram brasileira pegou todos os primeiros discos dos Rolling Stones – os que vão desde 1964, com “The Rolling Stones”, até o ao vivo “Get your yaya´s Out”, de 1970 – e relançou numa coleção meio qualquer nota, a preços baratos (pelo menos isso) e com um selinho ridículo colado direto no encarte do disco, onde se lia “The Satisfaction years”. Além do título horrendo da coleção – quem é fã dos caras sabe que todo ano é ano de “Satisfaction” – a série foi bastante mal-lançada: foram feitas poucas cópias, alguns discos eram impossíveis de se encontar nas lojas e, após um jejum de anos sem nada da fase Decca/London dos Stones pra vender no Brasil, era um crime.


Agora quem não conseguiu comprar os tais CDs na época pode conseguir, finalmente, graças à série de relançamentos que a Decca está fazendo com a banda lá fora – com previsão dos discos serem lançados em breve no Brasil, desta vez pela WEA (que responde pelos selos Decca e London, além da subsidiária Slash). Apesar do rombo no orçamento (são mais de 20 álbuns!), é a primeira chance que vários membros da nova geração de fãs da banda (aqueles que aprenderam a amar os Stones vendo-os quase como um Holiday On Ice rockeiro – ou pior, os que conheceram Mick Jagger como pai do filho da Luciana Gimenez) têm de conhecer o trabalho inicial do grupo.


Os tais disquinhos chegaram a ter problemas com empresários do grupo – como Allen Klein, que durante anos fez o que quis com as músicas do catálogo inicial dos Stones, chegando até mesmo a bancar discos piratas – e são uma verdadeira lição de como crescer em público. Nascidos como uma banda de R&B e rock n roll simplesinha, os Stones começaram oferecendo sessões de covers em seus primeiros discos – baseados em hits de soul, R&M e rock dos anos 50, como a sensacional versão de “Not fade away”, de Buddy Holly – e pouquíssimas vezes compunham músicas próprias. Quando o faziam, costumavam assiná-las com o pseudônimo de Nanker Phelge (ao que consta, o nome é uma homenagem a um cara que dividiu apartamento com Keith Richards no início da banda). Foi nesse pé que chegaram às lojas os discos “The Rolling Stones” e “12×5″, ambos de 1964.


Esses LPs, em suas versões originais, saíram nos EUA com faixas trocadas por músicas de singles e os títulos alterados para, respectivamente, “England newest hitmakers” e “The Rolling Stones 2″ (este, misturando as faixas de “12 x 5″ com as de um EP chamado “Five by five”). A discografia dos Stones nessa época era uma verdadeira zona e a reedição remasterizada (um aviso: é a primeira vez que tais discos são remasterizados desde as primeiras edições em CD, que são de 1986) conseguiu dar um jeito nisso, relançando edições diferentes. Há discos americanos que não saíram na Inglaterra, EPs americanos que viraram LPs inteiros (caso da coletânea “The Rolling Stones, Now!”, de 1965, incluída na série), etc – os próprios Stones, ao escolherem os EUA para lançar seus principais singles e LPs antes mesmo que saíssem em seu país de origem, provocavam isso.


Mudanças dessa época: em 1965, após terem sido trancados numa cozinha com um gravador e um violão pelo empresário Andrew Olldham, Mick & Keith deram início à famosa dupla com “As tears go by”, canção que seria gravada pela modelo Marianne Faithfull. No mesmo ano, Keith deita na cama, faz o riff de “Satisfaction”, adormece com o violão e o gravador ligado e, sem querer, faz um hit. O disco “Out of our heads”, de 1965, traz essa última música misturada a clássicos de R&B.


A discografia da banda nos 60s tem momentos ultra-significativos para história do rock. Os comentários sociais de “Aftermath” (1966), primeiro disco dos Stones a ter todas as músicas compostas por Jagger & Richards, são atuais até hoje – enfocam lembranças de um garanhão (“Lady Jane”), machismo (“Under my thumb”), donas de casa viciadas em anfetaminas (“Mothers little helper”) e outras amenidades. A massa podre sonora de “Got LIVE if you want it!”, disco ao vivo de 1966 que era um presente para os fãs norte-americanos (só saiu na Inglaterra oficialmente em 1981), chega a ser quase punk: com aplausos e gritos de fãs no canal esquerdo e todos os músicos se atropelando no direito (experimente escutar de fone) os caras levam canções como “Satisfaction”, “Under my thumb” e “Lady Jane” às raias do thrash.


A banda tentou fazer um upgrade psicodélico a seu modo em “Between the buttons” (1967), sem sucesso nem de público, nem de crítica, e depois seguiu numa viagem crua ao som indiano e à lisergia em “Their satanic majesties request”, disco do final de 1967 cujos destaques eram a sacanice de “Sing this all together”, o rock pesado de “Citadel”, o momento solo de Bill Wyman em “In another land” e a bela “She´s a rainbow”, cujos arranjos de cordas haviam sido feitos por um session man desconhecido, um certo J.P. Jones (sim, o próprio, do Led Zeppelin, grafado assim no encarte).


Com a saída e depois a morte de Brian Jones, a banda tinha que tomar rumo, e foi o que fizeram em discos como “Beggar´s Banquet” e o barra-pesada “Let it bleed”, inspiração para dez entre dez bandas de rock básico no mundo, de Barão Vermelho a Black Crowes. De memorável, nessa época, haviam “Sympathy for the devil” (que Mick disse ter composto inspirado no som de uns terreiros de umbanda que ele visitara quando veio ao Rio com Keith), “You can´t always get what you want” (com participação do saudoso John Entwistle na trompa), “Factory girl” e outras. A coletânea tripla “The London years – singles colection”, lançada em 1989 (o lançamento chegou a ser anunciado no Brasil, mas saíram apenas poucas cópias importadas) junta tudo e revela o que havia por trás, em B-sides, singles pouco conhecidos e nunca lançados em vinil (como “We love you”/”Dandelion”, lançados após a famosa batida policial na casa de Mick em 1967) e suas respectivas capas.


Responsáveis por alguns dos maiores desvios de rota do rock, os Stones podem até não ser mais os mesmos, podem já ser quase um establishment à parte, mas merecem respeito. Qualquer pessoa que se disponha a desvendar os vãos, desvãos, saliências e reentrâncias do rock tem que ir comprando esses discos aos poucos, de preferência aproveitando para conhecer um pouco da história da banda. A magia do grupo já se perdeu em algum ponto da década de 70, mas parece que ainda por cima sai um disco novo esse ano.


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Quase ao mesmo tempo em que a coleção remasterizada dos Stones chega às lojas, é anunciado i lançamento da caixa “Thirty years of funk”, cobrindo a história e a glória de uma das melhores e mais injustiçadas bandas do rock norte-americano, o Grand Funk Railroad. O “injustiçada” fica por conta da crítica, que nunca levou a banda muito a sério (como também aconteceu com o Uriah Heep, o Left Side e o próprio Kiss), pois o público sempre colocou a banda nas cabeças. Tocando seu rock n roll básico sempre em altíssimo volume, o grupo liderado pelo vocalista e guitarrista Mark Farner não fazia exatamente aquilo que hoje podemos chamar de “funk”, mas tinha os ritmos negros na alma. Os vocais berrados de Mark se somavam a uma cozinha crua e ritmicamente rica (Don Brewer na bateria e Mel Schacher no baixo), que junto a ele gerou clássicos incontestáveis como “Footstompin music”, “Closer to home” (uma das mais belas canções lançadas nos anos 70), a hínica “We re an american band” e outras.


“Thirty years of funk” é uma gloriosa caixa de três CDs, que por enquanto ainda não tem previsão de ser lançada por aqui. Além das belas composições próprias, são notáveis as versões que o grupo fez de clássicos gospel, como “Locomotion”, e até de um hit dos Stones, “Gimme shelter”, revisto com grande beleza e com a cara própria do GF – algo raro em versões dos Stones, aliás. O ápice desta fase estava no álbum duplo ao vivo “Caught in the act”, gravado durante a turnê de 1975 do Grand Funk Railroad. Na tour, os caras se transformaram num combo soul-rock-funk de verdade. Já havia a presença de um tecladista (o bom Craig Frost), mas os caras ainda arrumaram com duas vocalistas, as Funkettes, dando um puta ar de Ike, Tina Turner & Ikettes à situação toda. Quem escuta esse disco – lançado no Brasil numa edição luxuosa em vinil – fica perdidamente apaixonado para sempre.


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E não é só isso: ao mesmo tempo em que sai isso tudo, os fãs de rock têm cada vez mais motivos para tirar o escorpião do bolso, arrumar um emprego melhor ou mesmo enveredar pela senda do crime. Está previsto – se é que já não saiu, a essas alturas – o relançamento de “The Who sings My Generation”, primeirão do Who (de 1965) em edição dupla, com vários out-takes e faixas de singles. Como “The Who BBC Sessions”, de 1999, e a edição extendida de “Live at Leeds”, do ano passado, saíram no Brasil, a tendência é que este também saia – mas como o mercado (e a crise) nos prega peças, convém não contar com o ovo antes da galinha botar. São aguardadas também, inclusive para lançamento no Brasil (o que é mais difícil), as versões duplas de dois discos que completaram, em 2002, aniversários com datas redondas. “The rise and fall of Ziggy Stardust and the Spiders From Mars”, discão de David Bowie que faz 30 aninhos, sairá assim em breve, e a edição de “The Velvet Underground and Nico”, que sopra 35 velinhas, já é uma realidade – embora esteja sendo criticadíssima por não trazer quase nada de novo. Com tantoas lançamentos, fica difícil para o consumidor médio de rock saber se ri ou se chora.

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