O Lixo e a Fúria: Sex Pistols em grande estilo
O cenário tinha que ser a aristocrática Inglaterra. Se não houvesse sido naquele nicho de tradicionalismo, não teria a intensidade presenciada por toda a geração do fim dos anos 70.
O país da “monarquia modelo”, símbolo mundial da Igreja Anglicana, economicamente forte e tradicionalmente moralista, presenciou em 1977 uma avalanche punk, que trouxe a tona os becos habitados por parte de uma sociedade, que iria, através dos jovens, questionar uma série de valores.
O filme “O lixo e a Fúria”, rodado na Inglaterra em 2000, por ocasião de concertos que os integrantes da banda Sex Pistols realizariam, mostra muito mais que a história de uma banda que durou cerca de dois anos. Mostra também o tão pouco exposto operariado pobre inglês dos anos 70, encarnado nos cantores da banda; a figura do suicida, materializada no baixista Sid Vicious; e o capitalismo selvagem, na figura do empresário canastrão Malcolm McLaren.
De forma leve, descontraída e ao mesmo tempo forte, a obra recria o mundo que produziu o punk, movimento iniciado a partir da banda, que, segundo afirma o próprio vocalista dos Sex Pistols, perdeu o sentido. Numa das melhores cenas do documentário, enquanto são mostradas imagens de jovens padronizadamente punks, John (mais velho e analisando os “próprios anos dourados”), afirma:
“Não era pra ter sido assim. No início andávamos rasgados porque não tínhamos dinheiro para comprar roupas. As jaquetas de couro só vieram depois… ver todos aqueles meninos de classe média virando punk não tinha nada a ver… virou uniforme enquanto a idéia principal era fazer só o que você tivesse vontade”.
A cena é grandiosa porque mostra que o que não intencionava virar popular acabou virando. A intenção era contestar, ou, como alegam os músicos que narram o documentário, simplesmente não havia intenção, e acabou por virar um novo modismo.
Segundo a história, o empresário (vilão) Malcolm, sempre quis que a banda se tornasse tão pop quanto se tornou, e com isso ganhou um bom dinheiro, do qual os músicos viram muito pouco.
Diz a narrativa de “Filth and Fury” que esse foi o principal motivo da separação dos roqueiros, em 1978, a qual desencadeou uma guerra, dessa vez pela versão verídica da história. Se o empresário mostrou sua versão em “The great Rock and Roll Swindle”, os músicos tiveram sua chance neste documentário, do qual são também narradores.
Os focos na violência, a qual não apenas estimulavam mas também praticavam; na repressão, retratada pelas inúmeras proibições de seus shows e na decadência de Sid Vicious, que em menos de dois anos, passou de fã a baixista dos Pistols, foi acusado do assassinato da namorada traficante e morreu de overdose de heroína, conferem um conteúdo muito mais interessante que o som produzido pela banda, que, se inovadora para a época, em termos qualitativos foi bem mediana.
Por tudo isso e ainda pelas fotografias e disposição das cenas, “O lixo e a Fúria” ou “Filth and Fury” é uma obra de arte que merece ser assistida até pelos que não tem a menor simpatia pelo Punk Rock.