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Na trilha de um mesmo som, Xuxu Melão vira o hit do verão

No carro do carioca, em direção à Lagoa da Conceição, Red Hot, the Zephyr song. No Bar do Bob, reggae e a polícia atrás dos detentores da erva. Na pousada, as janelas de uns paulistas, que ouviam e dançavam a música tribal, recebiam junto com a brisa o samba rock do trio Mocotó, de Jorge Ben (ainda só Ben), o samba de Moreira da Silva, o funk de Tony Tornado e dos Como Le Gusta, o manguebeat do Mundo Livre S/A, o dub de Rica Amabis para antes e wave de Tom Jobim para depois do almoço.


Essa foi a trilha sonora de um fim de ano invadido por “The´s” e “Keys”. Assim como aquelas listas que uma extinta revista brasileira de música publicava – as dez músicas para acampar, as dez músicas para viajar com a família, as dez músicas para beber com os amigos, as dez músicas para tomar sorvete – eis aqui alguns dos CDs que fizeram a alegria de um grupo heterogêneo durante dez dias de muito sol em Armação e muita chuva na Guarda, em Florianópolis. De uma viagem aventurística ficam na lembrança os lugares e as pessoas, as músicas e as fotos.


As personagens


No início, éramos sete na ilha. Dois namorados. Dois amigos. Duas amigas. E eu. O namorado é músico, toca forró, mas gosta mesmo é de Jorge Ben. A namorada além do forró, do samba e do namorado, curte Moby e US3. O carioca é chegado a Planet Hemp, Rappa, The Doors (esse the vale a pena). O amigo dele, um loirinho bom de papo (“eu repeti dois anos na escola porque namorei demais”) levou seus CDs de Caetano, Djavan, Fundo de Quintal, o violão e a prancha. O violão chegou a arranhar. Já a prancha virou escorregador para as baratas, pista de pouso para os pernilongos e cama para as centopéias que dividiam a casa conosco.


As duas amigas: uma ruiva, outra loira. A primeira é hard core a outra Alceu Valença, mas ambas se amarraram na Tereza de Adil Monteiro. Eu, bem, eu fiquei com o Meu Guarda-Chuva no meio da fumaça ativa e jurei seguir a letra da música em 2003. O mesmo guarda-chuva de Jorge Ben, emprestado para Elizabeth Viana e depois para Paula Lima, que integrava o Funk como le gusta. E como já não bastasse, o guarda-chuva foi remixado pelo Patife!


De um dia pro outro, os sete viram dezesseis. O primo da namorada fez tanto auê na outra pousada que a dona cedeu a casa dos fundos: “fiquem aí”. E o resultado foi o acúmulo de louça suja e lixo pelos cantos.


Amigos do primo da namorada: todos paulistas, as formigas da ilha. Um japonês + um mulato sangue bom + um moreno + dois lutadores de jiu-jitsu (1,90 cada com modelito Cavalera e Sommer). Um deles, a cara do Marcos Mion com Lobão. A conta aumenta, logo chegam mais amigos do primo: uma apresentadora de tevê + o namorado da apresentadora de tevê + um amigo astigmático (não estigmático, hein!)


Na Lagoa, o Bloco do Xuxu Melão tomava conta. Toda vez que o primo da amiga, o namorado, o japa, o mulato, o moreno, o carioca e o loirinho ficavam alegres, a letra “sensacional” de Xuxu Melão tomava conta da avenida e depois da pousada inteira. O Trio Mocotó ficaria emocionadíssimo ao saber que na alta madrugada o samba era repetido uma-duas-três-dez vezes. E os paulistas? Os gaúchos vizinhos? Não. Não houve nenhuma reclamação, nem pela zoeira, nem pelos incontáveis beques. Pacatos cidadãos.


Os discos


África Brasil. Jorge Ben. 1976. Samba-rock (Universal Remasters Samba & Soul). O disco foi relançado em 2000 sob a concepção, coordenação e supervisão de Charles Gavin (o super-herói da música popular brasileira) que revelou no encarte ser este “um dos maiores clássicos da MPB”. Com participação de grandes músicos como Wilson das Neves (Banda Black Rio) e o então jovenzinho Dadi Carvalho(ex-Novos Baianos, ex-A cor do som, ex-Barão vermelho, atual Tribalista), o disco de Ben é uma verdadeira aula de história, com Taj Mahal, Xica da Silva e a canção título África Brasil (Zumbi), que recebeu um arranjo de base e metais primoroso de Jaques Morelembaum, no CD Noites do Norte de Caetano Veloso. O sample da primeira faixa Umbabarauma pode ser ouvido em Ubá, de Benoni Hubmaier e Rica Amabis, com samba de Paulo Vanzolini no disco Sambadelic. Rica Amabis. 1999.


Do selo independente YBrazil?Music, que completou dez anos em 2002, distribuído pela Trama, Sambadelic é o projeto solo do DJ Rica Amabis, que ao lado de Daniel Tejo, Ganjaman e a participação de nomes vindos do hip hop e da cena eletrônica formaram recentemente o Instituto.


Rica une o samba ao eletrônico e mostra essa faceta em faixas como Samba Tal Sabá e Drum´n´sambass, esta com a participação de Tobias da Vai-Vai. No disco, foram revitalizadas Mulata Assanhada (Ataulpho Alves), A falsa baiana (Geraldo Pereira), Marcio, Leonardo e Telmo (Tim Maia) e Vozes da Seca (Luiz Gonzaga – Zé Dantas), primeira faixa de outro CD lançado pelo selo paulista YB em parceria com o pernambucano Candeeiro Records, dos produtores Marcelo Soares (Muzak Produções) e Pupilo (batera da Nação Zumbi), Baião de Viramundo.1999. Candeeiro.


A coletânea com músicas do rei do baião e seus parceiros surpreende pelo alto grau de experimentação, eletrônica com triângulo ou “corisco beat” como se refere Xico Sá. Nação Zumbi, Black Alien, Mestre Ambrósio, Sheik Tosado, Otto, Andréa Marquee, DJ Dolores com Fernando Catatau (Cidadão Instigado), Nouvelle Cuisine, a versão de Naná Vasconcelos para Juazeiro e outros pouco conhecidos pelos sulistas como Comadre e Florzinha, Cascabulho reverenciam o rei Gonzagão.


Um dos companheiros de Rica Amabis em seus projetos é Fred 04 que participou de Sambadelic na faixa Terra em Transe Dois e com o Mundo Livre S/A na homenagem a Luiz Gonzaga. O grupo de 04 se lançou no mercado artístico, homenageando Jorge Ben Jor com o CD Samba Esquema Noise. Mundo Livre S/A. 1994. Banguela Records, referência ao primeiro disco do flamenguista, Samba Esquema Novo, de 1963. Samba esquema Noise é um disco pra viajar, seja como for, pelos mangues, pelas ondas, ideologias. Dirigir o carro, a mente e deixar tocar “Olha, olha, olha/ Olha, meu olhar mais fundo/Entra, entra, entra/Senta, bem vinda ao novo mundo”. Deitar na areia e lembrar da Musa da Ilha “Eu não vou sair daqui sem ver ela sair da água/Eu não vou sair daqui sem ver você sair, gostosa”. Ou falar dos fracassados e do que representa o samba do mundo livre:


“A felicidade, como a morte
É como um concurso milionário da TV (…)
Ou você explora o próximo ou o próximo é você
Esta é a única (e verdadeira) moral do mundo livre
Dá pra entender”
 
A produção do CD é de quem? De Carlos Eduardo Miranda (o descobridor) e de Charles Gavin, o super Charles, salvador da MPB.
 
“Oba Oba Oba Charles”
 
Para não perder a narrativa histórica, em 1969 Jorge Ben convidou o Trio Mocotó a participar do IV Festival da Canção, no Rio, com a música Charles, Anjo 45. O trio instrumental formado por dois cariocas e um paulista, Nereu, Fritz e Aloísio, acompanhou o carioca Jorge em Cannes, 1970. Ano passado o trio voltou com CD novo, excursionou pela Europa e fez o reveillon em Armação, Floripa, ficar sensacional com seus antigos sucessos.
 
No Trio Mocotó – Edição Histórica. 1975 MoviePlay BR, lançado no Brasil em 1999, além de Não Adianta com sua introdução-suspense e Que nega é essa de Jorge Ben, está aquela decorada, repetida uma-duas-dez vezes Xuxu Melão, de Nereu e Fritz Escovão.
 
“Xuxu melão/ eu quero brincar com você no salão”.
 
Vale fazer o download da música (se alguém achar inteira) ou ir até alguma loja ou sebo só para ouvir o trecho em que o trio canta a passista e encerra com “acho até sensacional”. Hehe.
 
Um dos sucessos do Trio Mocotó é Coqueiro Verde, de Erasmo e Roberto Carlos. Sim, senhores, os Carlos da Jovem Guarda. A canção está na coletânia Samba Rock. 2001. Som Livre. Ronaldo Rodrigues foi o responsável pela montagem e seleção inclusive de sambas que nada se encaixam com o estilo proposto, além de uma ou outra canção que dá vontade de apertar o fast forward, como o Rock do Rato, de Hélio Matheus, na voz de Franco (ex-Os Brasas). Saca só bicho como começa: “O rato roeu a roupa do rei de Roma”, então ele fala dos festivais de música até desembocar em “a mulher do engenheiro é a engenheira e” – tchan tchan tchan tchan – “a mulher do músico é a: música”.
 
Pois é maestro, a letra é uma piada, mas apesar dos tropeços, Ronaldo fez um bom apanhado: a primeira faixa traz Segura a Nega, de Luís V(W)agner (ex-brasa também) e Bebeto, que acaba de dar lançar CD, depois vem Doris Monteiro cantando É isso aí de Sidney Miller (aquele da Maria Joana, em Domingo, 1967,  Caetano e Gal), Carango com Wilson Simonal, Chiclete de Hortelã, de Zeca Pagodinho, mascado por Mussum e Nice. A deliciosa risada de Mussum aparece em Falador passa mal com o grupo do trapalhão Os Originais do Samba interpretando a canção de Jorge Ben que contabiliza cinco composições na coletânea. Além dessa, seguem Carolina Carol Bela, de Ben e Toquinho, Vendedor de Bananas, com os Incríveis, grupo que fazia sucesso na Jovem Guarda, e Cosa Nostra com o Mocotó. Mas a Tereza que aparece no disco não é a de Bem Jor é a moça de Adil Monteiro.
 
“Tereza/Tereza/sublime criação da natureza”
 
Estão na coletânea de samba rock, o funk 16 toneladas (Sixteen Tons) de Merle Travis versão de Roberto Neves, com Noriel Vilela, e Meu Guarda-Chuva de Ben, na voz de Elizabeth Viana, canções que foram regravadas no CD Roda de Funk.2000. Funk como le gusta. ST2 Records (distribuído pela Trama). Resumindo a história do guarda-chuva:
 
- Quando eu comecei a gostar de você, você me abandonou, agora vai começar a chover, mas no meu guarda chuva eu não te levo mais.
 
A canção da auto-estima ganhou um revestimento novo com a Banda Mantiqueira e Rapin Hood fazendo coro, mas é o tal esquema, ás vezes é melhor confiar no “la ia la iá” mais antigo. No entanto, a versão para 16 toneladas ficou, essa sim, sensacional!  
 
As fotos
 
1. Nós, as meninas, de biquíni em frente ao mar e às montanhas.
2. Eu na balança (bom ser pequenininha)
3. O gato cabeludo na praia, cujos olhos azuis já têm namorada.
4. A travessura do primo que pintava as unhas dos meninos de rosa choque enquanto dormiam.
5. O primo fazendo bundalelê na estrada e o menininho do carro ao lado rindo e pensando: “vai chegar o meu dia”.
6. Os meninos na caçamba do carro do lutador de jiu-jistu, pulando como crianças durante o congestionamento em direção à Guarda.
7. A amiga loira no maior amasso com o mulato durante o congestionamento.
8. O policial pegando dois dos quatro carros em que íamos. Multa pelo insul filme (o carro do mulato) e por cortarem caminho. O mundo é dos espertos.
9. A pancadaria às oito da noite do dia 31, com direito à facada e um trinta e oitão que gerou uma correria: eu fugindo para a cozinha do restaurante e o cara que levou a facada vindo atrás de mim.
10. Atravessando a lagoa em direção à praia, faltando quinze pra meia noite. Eu erguendo a bolsa com a água no pescoço, a roupa molhada e ainda segurando a mão do menino astigmático, com medo que ele sumisse. Tchiburf.
11. Pulando as sete ondas e abraçando todo mundo, com a camiseta de Gandhi. “Diga não à violência”, num dia de pancadaria!
12. Voltando de barco pela mesma lagoa e atolando num bolsão de areia.
13. Todo mundo trocando de roupa nos carros, fazendo malabarismo pra ninguém ver nada que não pudesse. (mas também, estava quase todo mundo bêbado mesmo).
14. Os paulistas do barquinho que passava ao lado jogando água pra cima da gente: “aê seus idiotas, atolaram” e o astigmático dizendo: “está entrando água no nosso barco”.
15. Os idiotas dos paulistas atolando logo à frente.
16. A apresentadora de tevê que nos levou pra Guarda, prometendo que íamos tomar banho antes do reveillon, o que não aconteceu, sendo flagrada pela câmera do primo em cenas picantes com seu namorado na casa da bagunça.
17. Os meninos tirando fotos maliciosas para enganar a apresentadora de tevê e dar o filme errado.
18. O filme picante indo pra São Paulo junto o mulato+japonês+moreno.
19. A apresentadora sacando que o filme era de 24 poses e não de 36. Revela e vê as fotos maliciosas do tipo “vocês se ferraram”.
20. A chantagem: a cara da amiga loira ao descobrir que o mulato namora uma loira em SP e a cara da loira “eu não merecia isso, fui feita de idiota”.
21. O loirinho bom de papo pagando castigo só de calcinha.
22. Os meninos tirando sarro dele e ele indo dormir. O primo + amigos entrando no quarto e chacoalhando o beliche e eu dizendo “exijo o mínimo de respeito”.
23. A barata comendo meu sabonete. Deu pra ver a boquinha dela. “Lembra do livro da Clarice Lispector…”, disse o namorado pra mim…Bah…Que horror!
24. Todos dizendo adeus a 2002. Graças a Deus!
 
Para mais informações, nada como a fonte:
 
Trio Mocotó: www.uol.com.br/triomocoto/hotsite
Jorge Ben: www.uol.com.br/benjor 
Mundo Livre S/A: www.manguebit.org.br/mlsa
Rica Amabis: www.yb.com.br
Funk como le gusta: www.funkcomolegusta.com

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