Música também é (na TV) Cultura; e Nirvana no Fantástico
Um canal que só passa coisa chata, nada de interessante. Essa é a idéia da maioria dos brasileiros sobre a TV Cultura. Pois se enganam totalmente. Enquanto as outras TVs abertas cada vez mais se perdem na busca incessante e cega pelo IBOPE – gerando produtos como “Falando Francamente”, do SBT, “Eu Vi Na TV”, da Rede TV e “Big Brother Brasil”, da Globo, a Cultura opta pela busca da qualidade e é uma ótima alternativa para todas as idades.
Programas infantis que não subestimam a inteligência das crianças, debates esportivos inteligentes e programas de entrevista respeitáveis, como o Roda Viva, são exemplos de opções para quem está cheio dessa pobreza generalizada que é despejada em nossos televisores. Mas esta coluna não é sobre TV, e sim sobre música, campo que também tem lugar garantido na TV Cultura.
Além do Bem Brasil, comentado na coluna retrasada, os programas Alto Falante e Musikaos são dois lugares onde a boa música é tratada com respeito dentro da telinha. O primeiro vai bem, obrigado, mas infelizmente o segundo está com suas gravações paradas e tem futuro incerto.
Revista mineira de qualidade
Produzido pela Rede Minas de Televisão, o Alto Falante é realmente o que se pode chamar de uma revista eletrônica musical. Ele é dividido em quadros para todos os gostos, sempre centrados no fino da música pop e rock. É verdade que de vez em quando dá umas escorregadas, mas nada que comprometa sua importância dentro da TV nacional. Bandas novas, dinossauros do rock, notícias e reportagens em geral compõe esta atração semanal.
Em 1997, o programa teve sua estréia em Minas Gerais, e dois anos depois passou a ser transmitido para todo Brasil pela TV Cultura. Infelizmente hoje o horário não ajuda muito – pela Cultura passa na madrugada de sábado pra domingo a uma da manhã, mas, se for o caso, vale a pena programar o vídeo cassete para gravar e assistir no outro dia.
Pra se ter uma idéia da reputação do Alto Falante, já passaram por seus estúdios gente como o vocalista do Iron Maiden Bruce Dickinson, as bandas Live e Soul Asylun, entre outros nomes importantes do rock mundial e nacional. Se a Music Television brasileira adora dar férias forçadas ao seu Jornal apresentado por Fábio Massari, o Alto Falante está aí há seis anos no ar, e não deixa nada a dever ao Jornal da MTV.
Kaos Construtivo
Já que a MTV entrou na conversa (é complicado falar de música na TV e não falar nela, seja por bem ou por mal), um dos melhores programas que a emissora já teve se chamava Gás Total. Voltado ao rock n roll, o Gás Total era apresentado pelo então VJ Gastão Moreira. Em 98 Gastão saiu da MTV, foi para a Cultura e junto com o punk de velha data Clemente, vocalista e guitarrista dos Inocentes, idealizou um programa no mínimo inédito para terras brasileiras.
Este teria como lema dar voz a todo tipo de cultura que não possua espaço na mídia: eis aí o Musikaos. E não se restringia a música, não. Pintura, poesia, fotografia e outras formas de expressão sempre tiveram espaço no programa. Enquanto atrações como o Sobcontrole, apresentado por Marcos Mion, coloca o jovem como apreciador de um besteirol sem tamanho, no programa da TV Cultura esta faixa etária é tratada com respeito e recebe opções de qualidade.
Como está no nome, a música é o destaque do Musikaos. Para não ficar atrás do Alto Falante, o programa também recebeu muita gente famosa, sempre dando uma palhinha ao vivo. Ian McCulloch (vocalista do Echo And The Bunnymen), Mark Ramone And The Intruders e Buzzcocks são alguns dos nomes que se apresentaram no palco do Sesc Pompéia, onde aconteciam as gravações. Para os artistas nacionais sua importância é enorme. Além de dar espaço para bandas novas mostrarem sua competência ao vivo, Gastão e sua turma não fechavam as portas para artistas consagrados e com valor reconhecido só por estes terem idéias que vão na contra-mão do sistema. Estou falando de Lobão e Marcelo Nova, presenças constantes no Musikaos.
Infelizmente tudo que tem qualidade na TV brasileira dificilmente consegue ter vida longa. Digo isso porque o futuro do Musikaos é incerto. Gastão Moreira rescindiu seu contrato com a Cultura para se mudar pra Florianópolis, e as gravações do programa estão suspensas. A emissora declarou que continuará transmitindo reprises e ainda não tem uma posição final se ele voltará a ser gravado ou não.
O causador de todo esse impasse pode ter sido um não-repasse de verbas por parte do Estado, fato que também afetou outros programas da TV Cultura, como o Vitrine e o Alô Alô. Nos resta torcer para alguma solução salvadora aparecer, porque pelo menos eu não quero assistir Superpop, BBB 3 ou Show da Fé na quinta-feira a noite (sei que você aí do outro lado também não)
Rock no horário nobre
Como o assunto é música na TV, fato inédito aconteceu domingo passado. As duas maiores emissoras nacionais dedicaram boa parte de seu horário nobre para música de boa qualidade. O SBT exibiu ao vivo o Grammy Awards 2003, enquanto a Globo deu valiosos minutos do Fantástico à estadia do Nirvana no Brasil, 10 anos atrás.
A emissora de Sílvio Santos, que transmitirá o Oscar dia 23 de março, teve talvez seu melhor momento no ano ao apresentar o 45° Grammy Awards. O que dizer da primeira dupla de apresentadores formada por Lou Reed e Dave Grohl? A maior premiação da música mundial se rendeu ao talento da cantora Norah Jones. Ela faturou oito gramofones, incluindo o de melhor disco do ano, com “Come Away With Me”, e o de gravação do ano, com “Don t Know Why”.
Nos shows, sempre bacanas, destaque para o Coldplay, Simon And Garfunk, Avril Lavigne e o tributo à Joe Strummer, que contou com Bruce Springsteen e Elvis Costelo. Os outros prêmios interessantes da noite ficaram para: Performance masculino de Rock e Canção de Rock – Bruce Springsteen com “The Rising”, Álbum de Rock – Bruce Springsteen com “The Rising”, Performance de Hard Rock – Foo Fighters com “All My Life”, Performance de Rock de grupo – Coldplay com “In My Place”, Álbum de Música Alternativa – Coldplay com “A Rush Of Blood To The Head”, Performance de Rock Instrumental – Flaming Lips com “Approaching Pavonis Mons By Ballon (Utopia Planitia)”.
Tortura para chegar ao paraíso
Domingo à noite, e o Fantástico anuncia uma matéria sobre os dias do Nirvana no Brasil. Na ordem das chamadas, essa seria a última, mas como precavido e fã que sou, tomei a árdua decisão de assistir o programa desde o início para não perder de jeito nenhum a atração. Afinal, a Globo cobriu o Hollywood Rock de 93, Festival que trouxe a banda de Seattle pra cá, e não iria abrir um espaço assim se não tivesse algo realmente bom. Não foi fácil. Fui cruelmente torturado no sofá das 20h40min até 22h e pouco. Começando o programa, logo vem o assunto do momento: carnaval. E mais carnaval, quando de repente aparece um rockeiro famoso, NÃO!!! É Chorão, do Charlie Brown Jr. Ele conta onde passará o carnaval. Meu Deus, não sabia que o Fantástico tinha baixado tanto o nível assim.
O programa tem seqüência. Mais carnaval, muito comercial, quando outro cantor famoso aparece, NÃO!!! É Toni Garrido, do Cidade Negra, inserido numa matéria sobre a escola que freqüentou. Eu não mereço isso. Em seguida finalmente algo aceitável. Uma boa reportagem sobre escutas telefônicas. É, mas as coisas iriam piorar, e muito.
Os blocos passam e a parte mais difícil de suportar chega. Numa mesma reportagem entram BBB3, novela das 8 e depois Denise Fraga. Quanta porcaria! Segue uma matéria sobre silicone e, OPA, primeiro indício de coisa boa. Durante uma investigação sobre parentes do pintor Pablo Picasso, a trilha sonora usada é “Amsterdam”, última música do disco A Rush Of Blood To The Head, do Coldplay.
Mais carnaval (juro), Wanessa Camargo, Salvador e até que enfim algo interessante (que bem poderia não estar acontecendo): a Guerra iminente. Depois uma boa reportagem investigativa sobre lavagem de dinheiro e, após quase duas horas, a tortura chega ao fim.
Confesso que pelo menos umas oito vezes ao longo do programa me arrependi de ter decidido assisti-lo desde o início, mas valeu a pena. Que reportagem do Nirvana! Culpa de Álvaro Pereira Júnior (Folha de São Paulo, ex-Garagem), que, com entrevistas de João Gordo (Ratos de Porão), Alê Briganti (ex-Pin Ups), Marcelo Orozco (“Fragmentos de Uma Auto Biografia”), Gigio Wornigow Borges (dono da boate que Kurt visitou) e Dalmo Beloti (produtor musical), deu uma geral na estadia de Kurt Cobain por terras brasileiras dez anos e um mês atrás. Foram mais de oito minutos falando de drogas, da loucura e da depressão do grande vocalista do Nirvana.