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Ho, Ho, Ho! E uma garrafa de rum! (ou um CDzinho pirata…)
E aqui estamos praquele papo firmeza de todas as semanas…E o desta é sobre o hediondo - huumm, sei não… - mercado pirata de CDs.
Eu, como consumidor ávido de discos, tenho de ser sincero e dizer que sempre curti gravações piratas. Na época em que o vinil reinava absoluto, e importação no Brasil era uma aventura, ter um disco pirata era um sinal de status. A pessoa que tinha um bootleg do Iron Maiden ou do Queen por exemplo, era quase uma celebridade entre seus amigos. Um disco pirata era um registro único, porque as tiragens geralmente eram muito pequenas se comparadas à indústria oficial de discos e também era uma chance de conhecer gravações de seu ídolo de maneira crua, honesta, sem truques de estúdio, apesar da qualidade sonora nem sempre ser das melhores. Mesmo assim, fã que é fã topa qualquer coisa.
Essa era a maneira que era conhecido um disco pirata. Uma gravação não autorizada, não de um disco oficial, mas de gravações alternativas, geralmente ao vivo ou tapes de estúdio recusados por algum motivo. E devo dizer que era uma delícia garimpar esse tipo de material. No fim, é uma espécie de arqueologia, de estudo profundo sobre Rock and Roll, suas fases, costumes, evolução e involução. Pirataria sempre foi um desrespeito a mais, uma agressão a mais, um não a mais para o sistema. Ou seja, pirataria era ser Rock. Era querer ter pra você, não apenas o que as gravadoras achavam que merecia um registro gravado – afinal, o que aquelas idiotas sabem de música? – mas tudo o que se podia conseguir de seu ídolo.
Um grande curtidor de pirataria era o Pete Townshend, do The Who. Uma prova de que os músicos, ao contrário do que se diz, nem sempre estão arrancando os cabelos por causa dos prejuízos que os corsários sonoros levam ao mercado fonográfico. Não estou bem certo, mas acho que o Dylan também tem uma simpatia por esse mercado alternativo. Seja como for, ele continua sendo, ao lado dos Beatles, um dos artistas mais pirateados do mundo.
Com o advento do CD, a coisa liberou geral. Fazer ou reproduzir um disco em sua casa com qualidade profissional é coisa que qualquer símio, por mais bronco que seja, consegue facilmente. É só apertar os botões certos. Às vezes, dependendo de sua aparelhagem, nem isso precisa saber direito. A tecnologia a serviço do bem estar e comodidade…fácil demais…So far, so good..so what?
E daí, só podia dar no que deu. Aquela “pirataria romântica”, como diz o Lobão, foi substituída por uma máfia, no pior (ou seria melhor?) estilo italiano ou japonês, onde além da transgressão sonora, mistura tráfico de drogas, extorsão, assassinatos e sabe-se lá o que mais… Mas de quem é a culpa principal disso tudo? Minha? Sua? Do Zé da barraquinha de CDs? Da indústria fonográfica? Da globalização, tecnologia, governo…? Vamos ver, né?
Em primeiro lugar, vamos separar as coisas – esqueça aquela pirataria da qual falei lá em cima…aquela das gravações alternativas, etc… Essa, não faz mal a ninguém (só um pouquinho, vá lá…). O que se discute hoje em dia é a pirataria de produtos existentes no mercado. Essa dá um prejuízo tremendo.
Como fã e colecionador de música, eu nunca compraria um CD pirata tendo sua versão oficial à disposição no mercado. Oras, eu faço questão de ter um disco com encarte decente, letras, tudo que tenho direito. Prefiro pagar mais, mas ter um produto de qualidade.
Mas e quem não pode dispor de 25, 30 reais (um absurdo) pra ter seu CD? Faz o quê? Deixa de comprar? Todo mundo sabe que a diferença entre o custo de um CD e o ganho pras gravadoras é violentamente grande. E por mais que eles tentem justificar, não conseguem convencer ninguém. Como é que um trabalho independente, sem infra-estrutura, consegue fazer seu CD, o produto final, custar em média 10, 13 reais e uma mega corporação não pode deixar um disco, com produção em massa, por menos de 20 reais? Tenha dó!
E então você tem também uma indústria mundial que cria um aparato maravilhoso, com equipamentos capazes de reproduzir com perfeição um CD, tornam esses mesmos equipamentos disponíveis a quem quiser, alguns com a intenção direta de se produzir cópias caseiras para consumo e acham que ninguém vai ter a intenção de se aproveitar de tal maravilha pra fazer dinheiro? Pôxa, de que planeta essa gente tão ingênua veio?
Mas, mesmo assim, ainda se tem aquela imagem e idéia de que por mais que se tente, nada justifica a pirataria. Tá certo, então pega essa. É um dos exemplos mais perfeitos de como a gente pode falar coisas sem lógica alguma quando está preso por uma posição de destaque e de certa forma, de responsabilidade perante à mídia:
Dia desses, uma apresentadora de TV resolveu indicar algumas obras fundamentais de nossa MPB para seus telespectadores, e enquanto ia mostrando um pouco de seu acervo de CDs, ia comentando os disquinhos. Numa certa fase de seus comentários, ela nos apresenta o disco Racional, do Tim Maia, uma obra realmente essencial para qualquer um que queira entender a importância e influência que Tim Maia teve sobre a música funk/soul brasileira. Detalhe – o disco nunca foi lançado em CD e em vinil está fora de catálogo há um trilhão de anos, sendo portanto uma cópia original, raríssima e caríssima.
A mocinha então, nos mostrando sua cópia caseira do disco, nos diz o seguinte: – Olha, esse CD é uma cópia caseira, o Racional nunca foi lançado em CD oficial. É dificílimo de se encontrar. Se você quiser um, procure um amigo (hã?) que tenha o disco e que possa fazer uma cópia caseira pra você. NÃO compre pirata! (!!!)
Putz, só pode ser piada, né! Até imagino-me anunciando o seguinte pedido: – Procuro uma amizade. Preciso desesperadamente ter um amigo(a) que, como qualidade principal, deve ter um disco raríssimo do Tim Maia que só saiu oficialmente em vinil e que possua os meios de gravar uma cópia do disco para mim. Você tem? Quer ser meu amigo? Ho, ho, ho…
Será que em um caso desses não se justifica a pirataria? A gravadora imbecil, entupida de executivos idiotas que não entendem patavinas de música, tem em mãos obras fundamentais em seus catálogos e não estão nem aí para elas. E ainda vem reclamar dizendo que os autores sendo pirateados não recebem por seu trabalho. Não recebem nem com a gravadora oficial, que não reedita sua obra! E no caso do Tim Maia foi o que aconteceu. Mas é claro que agora que está morto e quietinho, podem dissecar seu cadáver e distribuí-lo em dezenas de coletâneas insossas que não dizem nem representam nada. Num caso como esse TEM QUE PIRATEAR MESMO! Se não sabem ganhar dinheiro, problema deles. Eu é que não vou ficar quietinho num canto esperando a boa vontade de poder escutar um disco porque não existem cópias oficiais.
Nosso modo de vida atual também tem uma ligação muito forte com a pirataria de um modo geral. Num mundo globalizado onde a descartabilidade de produtos e informações é a cada dia mais urgente, torna-se inevitável que um produto como a música também seja tratada como tal. Em épocas não muito distantes, um disco era uma peça que tinha de ser tratada com carinho, desde sua capa, de papelão, portanto sujeita a amassões, rasgos; até o vinil propriamente dito, onde tínhamos que ter o maior zêlo ao manipulá-lo para evitar arranhões e chiados. Sem contar a arte de suas capas, elevadas a cartão de visitas da criatividade de uma banda, às vezes tão importante quanto a música contida em seu interior. Criava-se assim, com todos esses cuidados, uma espécie de empatia com o disco, uma “amizade”.
Hoje em dia tudo é de plástico, não arranha fácil, pode molhar, serve de porta-copos, espelhinho e uma cópia caseira tem qualidade semelhante à original, ao contrário das antigas fitas cassete.
A vida está mais corrida, ninguém tem mais tempo de olhar na cara de ninguém para uma boa conversa quanto mais cuidar e prestar atenção em discos e a internet faz com que estejamos sempre escravizados a uma corrida contra o tempo para não sofrermos o risco de nos tornarmos obsoletos. Então… pra quê diabos vamos ficar gastando dinheiro com CDs originais, caríssimos, se não vamos nem lembrar o nome das músicas daqui a um mês? E tem mais; já está mais do que decretado que o futuro do comércio musical será totalmente virtual. Música será armazenada em chips, comercializada pela web, não vai ter mais “cara” de disco, com capa, etc…lojas de disco? Esqueça. Então por que culpar a pirataria por estar antecipando toda a falta física que um CD vai (ou será que não vai?) fazer? O pirata não está ligando se tem capinha bonita, está só vendendo a música, do mesmo jeito que os “oficiais” estão planejando pro futuro próximo. Continua sendo crime, claro, mas as razões alegadas pelas “majors” são totalmente discutíveis.
Acho que a solução pras gravadoras está nas coleções especiais e edições de luxo. Coisa pra colecionador mesmo. Não adianta tentar reverter esse processo, esse monstro criado por eles mesmos; não tem mais solução. A única saída é encolher seus tentáculos e pensar pequeno, pois é desse modo que vão poder sobreviver. Um bom exemplo está na série de caixas comemorativas que algumas gravadoras tem lançado de artistas nacionais: Gil, Nara Leão, Erasmo Carlos, Raul, etc…
O verdadeiro fã, ou melhor, o verdadeiro fã com dinheiro suficiente para essas empreitadas, não hesita em poder ser possuidor de tais produtos. É uma saída. Na verdade acho que é a única saída para as gravadoras. Assim como os dinossauros, a época de gravadoras monstruosamente gigantes e dominadoras passou. Adaptem-se ou virem fósseis.

Um pirata coreano e seu imediato, um camelô, invadindo o mercado!
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Tá bom, então…semana que vem a gente troca outra idéia. Ou não….