Fidelidade Alternativa: Síndrome do quarto disco
Sempre que uma banda desponta para o sucesso logo no primeiro disco a opinião pública musical coloca como prova final para esta se firmar no alto escalão, ou apenas ser um fenômeno passageiro, a qualidade do segundo álbum. E como deve ser difícil gravar esse segundo álbum! Qualquer candidato a músico passa boa parte da adolescência idealizando seu primeiro disco, ensaia exaustivamente, compõe com calma e, de repente, este é lançado e o sucesso chega. Junto com ele muita badalação e uma turnê inevitável.
Os singles vão se esgotando, a turnê chega ao fim e aí é que a coisa aperta. Em poucos meses a banda precisa parir algo no nível do primeiro lançamento, e isso com pressão da gravadora e até do público. Como exemplo ouso apontar os Strokes, que estão nesse estágio. A vantagem dos nova-iorquinos é que eles mostraram várias músicas novas na parte final da turnê e crítica e público foram unânimes em dizer que é um material a altura do aclamado álbum Is This It.
Essa tão comum síndrome do segundo disco, que já vitimou muita gente – o Stone Roses que o diga, aconteceu de forma diferente na década passada. O que se viu foi uma síndrome do quarto disco. Ao invés de artistas com dificuldades para se firmar no mercado, a década de 90 foi marcada por grandes bandas que no auge, talvez por uma questão de auto afirmação, colocaram no mercado trabalhos atípicos e questionáveis.
Carreiras gêmeas
O que teria em comum as bandas Smashing Pumpkins e Radiohead? As duas nasceram no underground no início dos anos 90, romperam barreiras alcançando um sucesso enorme e acabaram vítimas da síndrome do quarto disco.
Enquanto nos Estados Unidos saia o álbum Gish, debut do Smashing Pumpkins, a Terra da Rainha era presenteada com Pablo Honey, o primeiro álbum do Radiohead. Os dois apresentaram ao mundo bandas que trabalhavam com guitarras bem altas e capazes de criar melodias maravilhosas. O que dizer de “Creep”, uma das canções mais perfeitas da história da música pop, carro chefe de Pablo Honey?
O temido segundo disco foi encarado tranqüilamente pelas duas bandas. Os Pumpkins lançaram a pérola Siemese Dreams, enquanto o Radiohead veio com o belo The Bends. Em ambos os discos a parte melódica foi mais bem trabalhada, e o peso não foi deixado de lado.
O sucesso já era natural para esses dois grupos, o reconhecimento abrangente e um público fiel também, mas eles queriam mais, e conseguiram! Bily Corgan decidiu que o terceiro álbum do Smashing Pumpkins seria duplo, decisão corajosa por se tratar de um grupo até então novo. Aí é que saiu o clássico Mellon Collie And The Infinite Sadness, um dos discos duplos mais vendidos da história do rock.
Para não ficar atrás, muito pelo contrário, ThomYorke e sua trupe fizeram de seu terceiro trabalho, sem dúvida, um dos três melhores da década. Na época do lançamento, OK Computer causou frisson na crítica mundial, que rasgou elogios até dizer chega ao Radiohead. E não foi por menos. O álbum teve o dom de ser um divisor de águas dentro do rock n roll.
Então chegamos ao quarto disco, e as duas bandas estavam no auge da carreira quando entraram em estúdio para concebê-lo. Apesar da comprovada capacidade de ambos, as duas mentes brilhantes (Bily Corgan e ThomYorke) foram pegas por uma crise artística, uma crise de auto afirmação. Seria bem na frente de todos os holofotes que esses dois artistas deveriam estar? O fato é que os respectivos álbuns saíram diferentes de tudo que eles haviam feito antes, diferente de tudo o que se esperava.
Depois de perder o amigo tecladista por overdose e o baterista ser expulso do grupo por uso excessivo de drogas, Bily Corgan comandou a concepção de Adore, o tal quarto álbum. Este, um disco extremamente intimista, com bateria eletrônica e sem guitarras cortantes. Onde teria ficado o empolgante Smashing Pumpkins do início de carreira?
Já Thom Yorke foi ainda mais radical. Kid A contrariou tudo que o Radiohead se propôs a fazer com Pablo Honey e The Bends. Como um grupo originalmente com três guitarristas (ThomYorke tocava nos primeiros álbuns) grava um disco em que é super difícil encontrar o famosos instrumento de seis cordas? Não há adjetivo mais apropriado para este álbum que “estranho”.
Existe coisa boa nesses dois discos? Claro que existe, mas em bem menos quantidade e qualidade que nos trabalhos anteriores. Infelizmente as bandas acabaram nunca mais voltando à fase apresentada no início de carreira, mas o futuro deve ser benevolente conosco. O Radiohead está anunciando que seu próximo álbum será uma mistura dos últimos quatro discos, o que inclui The Bends e OK Computer. E apesar do Smashing Pumpkins ter acabado, Bily Corgan está a todo vapor com seu novo projeto, o Zwan, que lançou no comecinho do ano o ótimo Mary Star Of The Sea. Essa nova grande banda de rock é assunto para próximas colunas.
Gigantes de 1990
Outras duas gigantes bandas que dominaram o mundo boa parte da década de 90 também sofreram com essa síndrome do quarto álbum, mas de formas distintas. Estou falando de Nirvana e Oasis. A primeira foi a maior banda do mundo de 91 até 94, e a segunda, de 95 a 97.
O Oasis saiu pro mercado com um primeiro disco matador, Definitly Maybe. O segundo, What´s The History (Morning Glory), consolidou os irmãos Gallaghers no topo do mundo. O terceiro álbum, Be Here Now, não é um clássico como os anteriores, mas possui muitos momentos memoráveis. Aí é que chega o quarto, e junto com ele uma perda sensível de qualidade. Standing On The Shoulder Of Giants trouxe um Oasis diferente, com músicas não tão empolgantes, melodias não tão criativas. Os ingleses soaram sem sal nesse disco. Sem dúvida Standing On … é o álbum mais fraco da carreira dos caras.
Com o Nirvana a história é bem diferente dessas três contadas acima. Kurt Cobain e sua banda não conseguiram chamar muita atenção com o bom e pesado Bleach, em 89, mas o segundo álbum caiu no mundo do rock como uma potente bomba nuclear. Nevermind mudou tudo, varreu o mundo com seu Espírito Adolescente. A juventude nunca mais seria a mesma. Em seguida eles lançaram o disco Incesticide que, como Masterplan, do Oasis, é apenas uma coletânea de lados b, e não conta como álbum de estúdio.
O terceiro do Nirvana é o ótimo In Utero. O fenômeno sobrevive, de forma arrebatadora, até que seu progenitor não suporta mais a criatura concebida e decide acabar com tudo. Kurt Cobain coloca uma bala na cabeça e o mundo nunca ouviria o quarto disco mais esperado dos últimos tempos.
O sucesso, tão almejado para quem deseja fazer parte desse mundo, pode ser muito mais cruel e perigoso do que se pensa. Quando algum artista refinado e ímpar se vê lá no alto, fica sem sua vida, sem sua privacidade. Aí cada um acaba tomando atitudes necessárias ao seu ver para dar um jeito nisso, e nem sempre estas são as mais desejadas pelo mar de adoradores e seguidores do mito então criado.
Porém, acima de qualquer coisa, a parte humana da história tem que ser respeitada. Digo isso para afirmar que Thom Yorke tinha o direito de não deve ser crucificado por ter mudado completamente o rumo do Radiohead. Assim como Kurt Cobain deve ter respeitada sua decisão de partir dessa pra melhor. Com certeza eles tiveram motivos suficientes para tanto.