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Fidelidade Alternativa: Música não é só técnica

Uau, alguma coisa está acontecendo! Todo colunista tem aqueles períodos mais atribulados em que precisa de algum fato importante para comentar, coisa grande, que gere um texto legal sem necessitar grandes pesquisas ou análises. Acho que eu estava passando por essa fase há algumas semanas, mas sabe aquele sentimento de que nada está acontecendo? Pode ser um efeito da explosão da mídia no século XX, ou quem sabe apenas um marasmo dentro do monótono universo rockeiro nacional acrescido do período pré carnaval. Bom, o fato é que mesmo dentro do Central da Música já fazia algum tempo que nenhuma polêmica era criada, quando de repente surge o dilema do início do ano. Quiçá o dilema do século XXI: Seria Dado Villa Lobos um guitarrista super importante dentro do rock nacional ou um cara que “toca mal pracas”? A primeira possibilidade, citada em edições anteriores da Fidelidade Alternativa, foi duramente combatida pelo colega Celso S., fato que me levou a escrever esta coluna.


Todas as coisas deixadas de lado para começarem pesquisas profundas, argumentos fortes, entrevistas convincentes, … não, o que é isso! A afirmação de Dado Villa Lobos ser o guitarrista mais importante do Brasil foi dada dentro de uma coluna, que, para os menos avisados, reflete a opinião de apenas uma pessoa: o colunista. Não se trata de uma afirmação técnica, resultado de anos de pesquisa, entrevistas mil, audições infinitas, que deve ser levada ao pé da letra, não, é apenas uma opinião.


Apesar de estarem derrubando o diploma do jornalismo, pelo amor de Deus, não vamos esquecer princípios básicos, né? Não se deve levar em conta totalmente, mas há uma diferença colossal entre o jornalismo opinativo e o jornalismo informativo. Eu sei que o Pedro Bial está de brincadeira com nossa classe, que não temos mais o diploma para nos defender, mas princípios são princípios. Deixando isso de lado, voltamos à dúvida do século, ops, à polêmica levantada.


Vamos internacionalizar a questão. Quem seria o guitarrista mais importante do mundo? Qualquer especialista com conhecimento na história do rock responderia fácil, fácil Jimi Hendrix. O que? Jimi Hendrix? Como? Outros se aborreceriam e iriam declamar: “Existem por aí centenas de guitarristas que tocam bem melhor que ele. Steve Vai e Joe Satriani são exemplos concretos.” Sim, é verdade. Em termos técnicos, esses virtuosos são melhores que Hendrix, mas será que ter técnica é tudo? Resposta minha: NÃO. Qualquer pessoa que tenha o mínimo de jeito para a coisa pode entrar aos 12 anos num conservatório, se dedicar período integral ao instrumento e aos 25 anos faz qualquer solo que ouvir. Reproduz os maiores riffs da história, tecnicamente é melhor que 90% de todos os guitarristas que estão com uma banda por aí fazendo shows e gravando discos, mas acredite, ele não será melhor que Jimi Hendrix, e digo mais, não será melhor que Dado Villa Lobos.


Isso porque música não é só técnica. Música é sentimento, empatia com as aspirações de uma geração, capacidade de interação com os músicos ao redor, e nisso, na MINHA opinião, ninguém se deu melhor que Dado Villa Lobos no rock nacional. Não, definitivamente ele não é um virtuoso, não constrói solos magníficos, riffs estrondosos, nada disso. Dado “apenas” soube colocar sua guitarra com perfeição dentro do contexto musical e literário que Renato Russo criava como ninguém.


Sem dúvida Edgar Scandurra é um fenômeno da guitarra. Autodidata, possui um estilo único, toca com a guitarra ao contrário, já compôs riffs e solos memoráveis, mas não conseguiu com toda sua capacidade atrair multidões. A qualidade de sua música não transcendeu o público do rock n roll, ele nunca vendeu milhões de discos. Sérgio Dias também tem um papel fundamental na guitarra nacional. Principalmente pela colaboração de seu irmão Cláudio César construindo instrumentos únicos. Sérgio fez uma revolução, mas, da mesma forma, não atingiu o grande público, acabou ficando uma relíquia para poucos.


Claro que pode vir o contra-argumento, quer dizer, a afirmação de que a grande maioria das coisas que atinge o grande público possui pouca qualidade, e é a pura verdade. Mas aí é que está o ponto crucial sobre a Legião. É fácil ver trabalhos ruins serem fenômenos de público, e também fácil dar uma viajada pelo underground e encontrar ótimos trabalhos sendo feitos. O desafio é levar a qualidade a um grande número de pessoas. Quando isso acontece, em 99% dos casos, o artista acaba perdendo seus ideais, se vendendo, deslumbrado com cifras altas e com o poder da fama. Pois a Legião Urbana faz parte desse 1% dos artistas que atingiram o grande público sem perder qualidade nem a integridade.


Quais artistas nacionais têm e tiveram cacife para encher estádios? Poucos. E quantos desses fazem ou faziam um trabalho respeitável, moldado exclusivamente na música? Não sobra ninguém, apenas a Legião. O que dizer do show do Parque Antártica, em 1990, em que aconteceu a primeira grande falsificação de ingressos no Brasil, cerca 10 mil a mais?


Ninguém no rock brasileiro tem uma carreira tão coesa, honesta e de sucesso quanto esta banda de Brasília (lá vêm crises). Aí essa idolatração cega exposta pelo colega Celso acaba caindo por terra, já que a explicação aparece. Praticamente todo ano desponta no mercado nacional algum artista que vira fenômeno, vende milhões e passa. Agora, quem fica? Isso tem muito a ver com fidelidade, e Renato Russo, apoiado sim por Dado e Bonfá, se manteve fiel aos seus fãs, fiel à sua música até o fim. Não vou aqui citar os exemplos dessa fidelidade pois precisaria de mais umas cinco folhas apenas com os fatos.


O que no momento parecia uma burrice (qual o problema em fazer um play-backzinho no Chacrinha, com grande audiência?), acabou se tornando o diferencial. Talvez essa seja a explicação para a cada ano a Legião Urbana ser mais idolatrada, ganhar mais adeptos e manter, mesmo seis anos após seu fim, vários fã clubes pelo Brasil.


Morrissey, Bob Dylan, Kurt Cobain, quem?


Voltamos à afirmação que causou toda polêmica. O cantor Morrissey, ex-líder dos Smiths, costuma ser mencionado na imprensa como o “ser humano mais maravilhoso do Planeta”. Outro dia ainda o Lúcio Ribeiro da Folha fez essa brincadeira na sua Pensata. Espero que ele não tenha recebido respostas do tipo: “Você tá louco cara, o Morrissey? E o Pelé, e o Nelson Mandela, e a Gisele Bündchen? Você não estudou história, não? O que diria de Albert Einstein, Mahatma Ghandi?”. Por favor, né, sejamos racionais. Apesar do marasmo atual, deve haver algo mais importante do que se sentir ofendido com esse tipo de declaração pessoal.


É engraçado porque o fã de Bob Dylan não pode achá-lo o cantor mais importante do rock, então? O cara tecnicamente não canta lá muita coisa, mas compõe pra caramba, aspira as vontades de gerações e gerações e isso não basta? Opa, espera aí, vão falar que o André Matos canta muito melhor e que Bob Dylan canta mal pracas. Vão falar que Dylan não atinge um agudo não sei o que … Sim, o André Matos possui muito mais técnica, agora, como coloquei acima, isso não é tudo.


Para essas pessoas que acham o cúmulo a idolatração à todos que não são virtuosos em seus meios de trabalho, qual seria a importância de Kurt Cobain? E a importância do movimento punk? Ambos nunca tiveram uma técnica mais do que para o gasto, como se diz no futebol, e, no entanto, possuem um lugar privilegiado na história do rock. Inclusive o Kurt tem uma coisa em comum com o Dado nesse sentido. Os dois sempre foram acusados de possuir pouca habilidade, e deram um show (no sentido de beleza) nos seus respectivos acústicos. Enquanto falavam que Kurt se escondia atrás da barulheira tradicional de seus shows plugados, o cara matou a pau só com violão e voz no acústico, assim como Dado Villa Lobos, que fez arranjos de tirar o chapéu no programa da MTV. É só ouvir “Teatro dos Vampiros” e “Índios” para perceber que não, ele não toca mal pracas (?!!).


Pra finalizar, outro dia estava lendo a coluna do Álvaro Pereira Júnior na Folha e achei muito engraçado e pertinente com esse texto uma passagem. O colunista dizia finalmente ter assistido ao mega aplaudido filme Matrix, e na mesma semana passou na TV o clássico das tardes A Lagoa Azul. Então ele acabava a coluna afirmando que não iria dizer qual filme tinha gostado mais para não ser acusado de só querer criar polêmica. O curioso é que eu também prefiro o filme… bom, deixa pra lá vai.


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O papo sobre bons programas musicais na TV Cultura fica para a próxima coluna. Até.

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