Feedback: Entrevista com o hitmaker Totonho Villeroy
Se ao citarmos o nome Totonho Villeroy a memória falhar, pense em Ana Carolina. A primeira coisa que vem a cabeça é algo como: “Minha garganta estranha, quando não te vejo e me vem um desejo doido de gritar.” Ou provavelmente um som do tipo “Help, eu preciso sambar…”. Se ainda não funcionar pense me Maria Bethania e sua “Maricotinha” ou Ivan Lins e sua bela canção “Ladrão”. Todas essas “pérolas”da música popular brasileira não existiriam se não fosse o árduo trabalho desse compositor gaúcho, de 41 anos e um currículo invejável, composto por 4 discos, atuações como instrumentista, produtor de trilhas sonoras e um vasto repertório como compostor não apenas do que mostra em seus albuns, mas como um dos responsáveis por obras marcantes dentre as quais as citadas acima. De volta do festival de Sanary, na França, Totonho falou com exclusividade para Feedback, debatendo assuntos de suma importância para o público amante da boa música.
Você tem uma carreira consolidada como compositor. De onde vem a inspiração para letras fortes como Garganta?
Diz-se que toda obra de arte é 10% inspiração e 90% transpiração. A inspiração é uma benção, algo que nem sempre vem e que mesmo sem ela, às vezes somos obrigados a buscar, labutar, transpirar para realizar uma simples canção, que nem mesmo podemos chamar de obra de arte, mas que acaba tendo uma função, trazendo algo de bom ou inquietante para as pessoas. Os gregos falavam do Monte parnaso, onde encontravam-se as musas, de quem buscavam sua inspiração. Muitas vezes Homero, na Odisséia, ou Virgílio na Eneida e Dante na Divina Comédia, clamam pelas musas para tornar mais belo ou leve o estilo, quando querem cantar um momento importante em suas obras. Voltando à nossa realidade, século 21 no Brasil, Garganta foi inspirada na própria Ana Carolina. Ana foi a musa. De resto são as nossas vivências que determinam. É preciso para isso viver intensamente, pelo menos é assim que penso e assim que vivo.
Quando você compõe, intenciona transmitir alguma mensagem àqueles que irão te ouvir? Há algum propósito social ou humanístico em suas canções?
Em algumas canções sim, mas nem sempre. De qualquer forma, procuro tomar muito cuidado com as palavras, para não dizer nada que vá contra meus princípios ou que firam os direitos humanos ou que vá contra a saúde planetária. Sou humanista e solidário por natureza e já compus muitas canções em que esses princípios podem ser lidos diretamente ou nas entrelinhas. Mas não gosto de ser panfletário nem didático e acho que canções assim podem tornar-se chatas, com a forma prejudicada e acabam traindo os próprios propósitos a que foram feitas.
Sua carreira é marcada por parcerias gloriosas como a com Ivan Lins… como elas aconteceram?
O Ivan ouviu o primeiro disco da Ana e ficou maravilhado com Tô Saindo e Garganta. Então ele pensava encontrar-me para fazer uma parceria sobre um tema que ele já tinha em mente. E ele pensava na forma de To saindo em que a letra é meio rappeada. Então, por acaso, um dia liguei para o Ricardo Baungarten, um amigo baixista, que estava tocando comigo na época, para mostrar um samba que havia acabado de compor. Acontece que o Ivan estava do lado dele e pediu pra ouvir e então perguntou quem era. Ao saber que era eu do outro lado do telefone, convidou-me para escrever a letra de Ladrão. E assim nasceu aquela canção.
O que a parceria acrescenta ao processo de composição? Ela, de alguma forma, limita a criação do artista ?
Adoro compor em parceria, com parceiros como João Nabuco, Bebeto Alves, Ana Carolina e agora Daniela Procópio que escreveu uma letra em italiano para uma bossa nova minha. A parceria abre sempre um novo horizonte. Com a Ana tenho um processo muito fluído, muito fácil. Nos reunimos numa noite e saem sempre uma canção inteira e outros fragmentos que acabamos concluindo depois. É um processo muito rico. Com ela e João Nabuco, geralmente me ocupo mais de fazer a letra, mas em ambos os casos, sempre mexemos nas duas partes. No caso de Bebeto faço mais a música, mas acabo dando um polimento final na letra, pois o Bebeto é muito verborrágico, uma verdadeira sangria de imagens, então acabo decupando os versos e criando outros novos a partir de suas idéias iniciais. Ao criar em conjunto é sempre necessário chegar a um acordo, por isso às vezes abrimos mão de uma idéia que nos parece maravilhosa, mas que para o parceiro não é tão genial assim. Então o que acontece não é bem uma limitação, mas um processo estimulante de aprender a ver o objeto criado com os olhos de uma outra pessoa e tirar proveito disso, pois a canção chegará mais tarde a muitos e muitos ouvidos diferentes.
Você compõe uma letra para um determinado intérprete ou é o intérprete que deve sentir empatia pela letra e música ?
Ambas as coisas. Muitos cantores e cantores encomendam-me músicas baseados no que eles ouviram de minha autoria. Acho que se fui procurado é porque já houve uma empatia precedente. Então, muitas vezes, faço a música pensando naquela pessoa, como foi o caso da letra de Pra Rua me Levar em que pensei muito na Maria Bethânia, conhecendo o seu gosto pela poesia portuguesa. Em outros casos, entrego para a pessoa um CD com algumas canções inéditas, para que ela mesma faça sua escolha. Foi o caso de Eliana Printes que gravou 3 músicas minhas no CD Pra Lua Tocar, ou da Ana com Tô Saindo e Ela é Bamba, ou ainda da Dora Vergueiro, Ednardo e muitos outros.
Além de compositor, cantor e instrumentista você tem um trabalho marcante como diretor de trilhas sonoras de filmes. Foi um aprendizado importante?
Adoro cinema. E adoro fazer trilhas. Meu primeiro trabalho remunerado como músico/compositor, foram algumas canções que compus para a trilha de uma peça de teatro. Depois fiz muitas trilhas para super 8, vídeo, espetáculos de teatro e dança. É um aprendizado constante, principalmente porque o cinema, a cada dia dispõe de mais tecnologia a seu favor e precisamos nos mantermos sempre atualizados.
Ao contrário da maioria dos “ídolos” nacionais, você já esteve em alguns dos mais conceituados festivais internacionais de música. Quais valores esses eventos te agregam? Eles são importantes artisticamente?
Os festivais são muito importantes. São janelas para que muitas pessoas conheçam a música que fazemos. Por muitos anos, estive na direção de um festival de música brasileira que acontece na França desde 1996. Na verdade, fui criador desse festival, juntamente com um francês chamado François Mas que é um grande amante da música brasileira. Por muitos anos, esse festival foi o mais importante evento dedicado à nossa música em todo território europeu. A edição mais recente aconteceu agora de 17 a 22 de julho, mas como estou produzindo outras coisas no Brasil só pude ir em cima da hora, sem haver participado de todos os processos de pré-produção. Tivemos uma reunião importante, para retomarmos no próximo ano com força total. Será um festival itinerante que deverá passar por 5 cidade européias. Será uma grande vitrine para a música brasileira.
No CD Totonho Villeroy o estilo predominante é o Rock, embora como compositor você tenha explorado a MPB e outros estilos… Por que a preferência pelo Rock para interpretar?
Acho que você está falando de um projeto de disco, que inclui Garganta, To saindo, etc. Esse disco ainda não saiu, embora muitas pessoas tenha obtido acesso a essas gravações através de amigos, internet, etc. Inclusive já recebi comentários jornalísticos no Brasil e Argentina sobre essas gravações, que na verdade são apenas um ensaio para o disco que estou gravando agora. Naquele momento, dei uma roupagem meio rock para as músicas, pois acho que essas canções têm um aspecto visceral que senti vontade de explorar. Mas no disco definitivo vão estar com arranjos um pouco diferentes. Tenho vontade de explorar a vocação tanguística que há embutida em Garganta. É verdade, Garganta tem um tango dentro de si e o tango tem uma visceralidade que faz lembrar o rock. Talvez aí essa ligação…
O que é mais importante na performance do músico: arranjos bem feito ou aperfeiçoamento vocal?
Para um arranjador, o arranjo, para o cantor a voz. Para um cantor que compõe e arranja, todos os aspectos são igualmente importantes, ou seja, o cara tem que trabalhar mais, tem que dar-se de todo.
Qual a sua opinião sobre o projeto de numeração de discos e livros, elaborado pela deputada Tânia Alves, apoiado primordialmente por Lobão e Beth Carvalho, e rechaçado por artistas como Caetano Veloso e Sandy?
Não sabia que alguém havia rechaçado esse projeto, muito menos o Caetano que só iria beneficiar-se disso, pois sendo um compositor muito gravado teria mais controle da sua obra. Claro que sou favorável. Sempre fico em dúvida se os números apresentados são corretos ou não.
Cantar , compor ou tocar, qual é o melhor?
O que mais amo é compor. É o instante da criação, de pôr as idéias pra fora, vê-las surgindo desorganizadas, ainda confusas e aos poucos tomando forma, harmonizando-se. Quando cantamos e tocamos, temos que reviver aquele momento inicial, aí cantamos com a força que há na canção.
Quais as maiores vozes da música (popular ou não) brasileira? E os maiores músicos?
Sou suspeito pra falar, mas a cantora número 1 prá mim é a Ana. Adoro a Bethânia, é mais que uma cantora, é uma estrela de primeira grandeza, dá profundidade, expande a alma de tudo que canta. A cada dia gosto mais da performance do Lenine. Tocando violão, compondo e cantando. Acho o seu trabalho muito estimulante. Gosto muito dos músicos que tocam com o Milton Nascimento. São, desde 1995, os caras que chamo para gravar os discos que produzo.
Principais artistas que influenciaram e influenciam seu trabalho?
Tom Jobim, João Gilberto, Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Toninho Horta, Chet Backer, Diana Krall, Piazzola, Carlos Gardel, Fito Paez, Lenine, Chico Science, O Rappa, Pedro Luís, Bebeto Alves, Lupicínio, Zeca Pagodinho.
Experiência inesquecível como intérprete?
Gravar o tango “Cafetin de Buenos Aires” com uma orquestra típica Argentina de Buenos Aires para o disco “Porto Alegre Canta tangos”.
Seu maior propósito ao fazer música é:
Fazer o que mais amo na vida.
O que gostaria que seu público soubesse?
Que uma nova safra de belas canções está por chegar brevemente.
É pelo fato de ser produtor de não apenas belas, mas marcantes canções que seu trabalho alcançou o reconhecimento internacional. Alemanha, Áustria, França (já mencionada), Inglaterra e Suiça já se renderam ao talento desse brasileiro, que agora trabalha em seu novo espetáculo, chamado “Mistura Fina”. É hora do povo brasileiro prestigiar esse talento nacional e cheio de inspiração que, como todo bom artista ainda tem muito a dizer.
Saiba mais sobre Totonho Villeroy em www.totonhovilleroy.com.br
Contato: musicabrasileira@aol.com