F. Alternativa: Invasão da privacidade de Kurt Cobain
Até onde pode ir a cruel curiosidade das pessoas pela vida alheia? Em entrevista exibida pelo canal Eurochannel, o talentoso líder do Oasis, Noel Gallagher, acusado muitas vezes de incitar todo alarde criado pela imprensa em cima de sua banda, deu a seguinte declaração: “Há jornalistas de tablóide que nos seguem por toda parte tentando armar situações e armadilhas para a gente cair. E temos de tomar o maior cuidado. Nunca deveria ser assim conosco, porque só estamos tentando sair e tocar algumas músicas para algumas pessoas e nos divertirmos com isso. Não precisamos do circo que nos segue, não é muito legal”.
Uma ponta de curiosidade é natural em qualquer ser humano, mas aqueles incêndios que só visam o aumento de vendas pelos tablóides e paparazzis de plantão são sem dúvida uma invasão de privacidade. Expressão essa que há bastante tempo anda esquecida. Seria invasão de privacidade um adolescente pegar o diário de uma colega e mostrar para a sala inteira? E fuçar os escritos de uma pessoa que nunca se sentiu muito bem com a fama e mostrar para o mundo todo?
Foi lançado mês passado o livro Journals, que traz cartas não enviadas e textos do diário do ex-líder do Nirvana, Kurt Cobain. Não preciso dizer que o lançamento causou um furor no mercado editorial. Tirando Anthology, dos Beatles, Journals foi o livro sobre música que teve maior venda nas primeiras semanas. O clima de espera era tamanho que o jornal inglês The Observer publicou uma série de trechos do livro antes de seu lançamento, assim como a renomada revista americana Neewsweek.
É verdade que Kurt Cobain não fez muito para evitar sua prostituição pela mídia. Ele aceitou de braços abertos os apelos da MTV, gravando clipes e especiais intermináveis, tocou nos maiores festivais do mundo e estrelou capas de revistas à exaustão, mas nunca se mostrou confortável com o resultado disso tudo. Como reflexo, colocou uma bala na cabeça e um ponto final nessa história toda de grunge em abril de 1994.
Seu legado foi motivo de disputa entre Courtney Love e os outros integrantes do Nirvana por vários anos, e agora, após um acordo, vêm à tona materiais inéditos em doses homeopáticas. Registra-se que a viúva de Kurt, Love, ganhou nada menos que U$ 4 milhões pela venda dos direitos de publicação dos diários.
Não vou dizer que eu não sinto vontade de ler o que esse último grande herói escrevia enquanto estava trancado em quartos de hospitais ou mesmo em sua casa. Não há dúvidas que boa parte do material de Journals constitui-se de belas frases ora tristes, ora reveladoras, verdadeiros ensinamentos de vida, de fidelidade e de dor, mas também não há dúvidas de que Kurt nunca seria a favor desta publicação.
É simples, basta pensar numa pessoa que adora ser pauta da mídia, como a Britney Spears. Apesar de fazer o máximo para ter a maior exposição possível, duvido que a cantora aceitaria a publicação de seus diários e textos pessoais. Além disso, Kurt se foi há 8 anos, não está aqui para dar sua opinião ou se defender. Esta publicação é o cúmulo da curiosidade selvagem trabalhada para enriquecer corporações – a editora Riverhead Books no caso -, e os beneficiários diretos, como Courtney Love.
O ex-integrante da banda Hole, Eric Erlanderson, que tornou esse lançamento possível ao resgatar o material na casa de Kurt dias após o suicídio do cantor, falou o seguinte à Newsweek sobre Journals: “Nunca achei que ele fosse querer ver isso publicado”. Krist Novoselic, baixista do Nirvana, é da mesma opinião de Erlanderson e deste colunista que vos escreve. Ele explicou à Folha de São Paulo: “A publicação é absurda e ofensiva. Não é certo abrir assim anotações pessoais de alguém que nem tem como se manifestar se é contra ou a favor da publicação”.
Novoselic foi o melhor amigo de Kurt, trabalhando com ele desde suas primeiras composições na segunda metade da década de 80 até os últimos dias de Nirvana.
Curtas: Já ao cinema!
Duas boas pedidas do mundo cinematográfico prometem estar à nossa disposição em breve. O primeiro é 24 Hours Party People, filme já bem badalado que conta a história do movimento Madchester, que sacudiu a cidade inglesa de Manchester no final dos anos 80 e contou com bandas como Stone Roses, New Order e Happy Mondays. O filme entrará em circuito pequeno em São Paulo a partir de janeiro. 24 Hours … foi exibido em três seções na última Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e teve lotação relâmpago.
O outro é o documentário Live Forever, que passa a limpo a história do brit pop, principal movimento musical inglês da década de 90. A espinha dorsal do filme é a disputa Oasis X Blur, em época em que a dupla estava num nível de inspiração muito mais avançado que o atual. Live Forever entrará em cartaz na Inglaterra no começo de 2003 e deve chegar por aqui lá pelo mês de abril.